Opinião – Delegados pedem ao PGR investigação de Alexandre de Moraes por abuso de autoridade

Caso o PGR entenda que há indícios da prática de crimes de abuso de autoridade, ele irá instaurar uma investigação criminal para apurar esses ilícitos…Escreve Thaméa Danelon

24/09/2022 16:06

”…pela primeira vez na história da nossa nação, um ministro do STF constará como investigado em uma apuração criminal”

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF)| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Em 23 de setembro de 2022, 131 delegados de Polícia Federal aposentados requereram ao procurador-geral da República (PGR) a abertura de investigação em face do ministro do STF Alexandre de Moraes e do delegado de Polícia Federal Fábio Alvarez Shor pela suposta prática do crime de abuso de autoridade. A eventual infração criminal teria sido cometida no curso da operação policial contra Luciano Hang e outros sete empresários.

De acordo com o pedido formulado, o ministro do Supremo teria cometido os crimes previstos nos artigos 25, 27 e 41 da Lei 13.869/19, que tipifica os crimes de abuso de autoridade. No texto, os delegados apontam que o ministro Alexandre de Moraes seria uma alegada vítima dos supostos crimes investigados, logo, ele estaria impedido de atuar como juiz do caso. Além disso, também é mencionado que não foi empregado qualquer ato de violência ou grave ameaça pelos empresários, sendo que para a configuração de crimes contra o Estado Democrático de Direito há a necessidade do emprego de uma dessas duas formas. Assim, inexistiria crime a ser investigado.

Na notícia-crime apresentada, os ex-investigadores também argumentam que o vazamento das mensagens privadas dos empresários viola a intimidade e a privacidade destes, além de não ter sido dito como o conteúdo das mensagens chegaram ao domínio público, e ressaltam que as conversas privadas de WhatsApp “são manifestações do pensamento e, ocorrendo reservadamente, constituem direitos inerentes à cidadania e à personalidade”.

Os ex-servidores públicos também tecem contundentes críticas ao delegado que conduz a apuração, ao afirmarem que ele estaria se esforçando para justificar a necessidade das medidas invasivas, como exemplo a busca e apreensão. Entretanto, ele estaria ignorando: 1) que não existe crime por cogitação; 2) que meras conversas em grupo privado de WhatsApp não constituem meio de prova criminal; 3) e que os empresários não possuem foro privilegiado perante o STF.

Os ex-delegados questionam na notícia-crime se haveria algum motivo especial para o delegado Fábio Shor “ficar indiferente” a esses pontos abordados, e insistem ser “intrigante” e “inadmissível” que o delegado que realiza as investigações tenha requerido diligências ao Supremo desconhecendo que os empresários não tinham foro privilegiado perante essa corte. Em relação às ordens determinadas pelo ministro Alexandre de Moraes – que foram baseadas exclusivamente em matéria de jornal – os delegados afirmam que são manifestamente ilegais. Eles citam as diligências de busca e apreensão, quebra de sigilos bancários, bloqueios de perfis nas redes sociais, bloqueio de todas as contas bancárias, e determinação de oitivas dos oito empresários.

Eles citam ainda a existência de uma “barbárie jurídica”, e que nenhuma autoridade dos Poderes da República tem sido capaz de “frear essa prática abusiva que causa insustentável insegurança jurídica”. Argumentam, também, que salta aos olhos “a natureza política e abusiva da ordem” que mandou investigar atos que são atípicos, ou seja, que não configuram qualquer ilícito criminal, e sem que houvesse a participação do procurador-geral da República, ocorrendo, assim, violação ao nosso sistema acusatório. Afirmam que os empresários foram vítimas e não autores de crimes “antidemocráticos”.

Na notícia-crime, os delegados também tecem críticas ao chamado Inquérito das Fake News, e de todas as irregularidades que permeiam essa investigação, comparando a apuração “a um inédito jogo oficial de futebol, onde todos os jogadores devidamente uniformizados jogassem uma partida sem regras e fora das linhas do campo, como em uma brincadeira ou ‘pelada’ de rua”. Classificam a decisão do ministro Alexandre de Moraes como “abusiva” e que nessa peça o ministro “deixa transparecer, à obviedade, a sua convicção filosófica e política, nítida e cristalinamente parcial acerca do embate político nacional”.

Finalizando, os delegados indicaram a prática de dois crimes cometidos pelo ministro Alexandre de Morais. O primeiro é o de abuso de autoridade, previsto na Lei 13.869/19 nos seguintes artigos: Art. 25: Proceder à obtenção de prova, em procedimento de investigação ou fiscalização, por meio manifestamente ilícito (pena: 1 a 4 anos de detenção); e Art. 7: Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício de prática de crime (pena: 6 meses a 2 anos de detenção). Outro crime indicado pelos delegados é o de interceptação telefônica ou telemática irregular, conforme a Lei 9.296/96, tipificado no Art. 10: Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, com objetivos não autorizados em lei” (pena: 2 a 4 anos de reclusão).

Assim, os ex-delegados de Polícia Federal requereram que o procurador-geral da República adote as medidas necessárias em relação ao ministro Alexandre de Moraes em face da suspeição do mesmo para o exercício de suas funções na Presidência do TSE por lhe faltar imparcialidade, pois entendem que o ministro se dedicou à atividade político partidária.

Os pontos trazidos pelos delegados já foram analisados em vários artigos escritos para esta coluna, e, de fato, várias ilegalidades e inconstitucionalidades foram verificadas nessa operação – determinada no Inquérito das Milícias Digitais – e também em outras no Inquérito das Fake News. Assim, caberá agora ao procurador-geral da República se debruçar sobre os pontos trazidos pelos ex-investigadores, sendo importante mencionar que a vice-procuradora Geral já requereu a anulação da operação, de todas as medidas de bloqueio de contas e perfis sociais e reiterou o pedido de arquivamento da investigação.

Caso o PGR entenda que há indícios da prática de crimes de abuso de autoridade – os quais foram trazidos na notícia-crime dos delegados – o procurador-geral da República irá instaurar uma investigação criminal para apurar esses ilícitos, e pela primeira vez na história da nossa nação, um ministro do STF constará como investigado em uma apuração criminal. Aguardemos, então, a manifestação da Procuradoria-Geral da República.

 

 

 

 

Por Thaméa Danelon, Procuradora da República (MPF) desde dezembro de 1999, ex-coordenadora do Núcleo de Combate à Corrupção em São Paulo/SP; ex-integrante da Lava Jato/SP; mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo (ESMPSP); professora de Direito Processual Penal e palestrante.

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