Opinião – O que será de nós se Lula vencer as eleições?

Independentemente do que acontecer neste domingo e nos quatro anos seguintes, com alguma sorte poderemos olhar nos olhos dos nossos bisnetos e, num derradeiro suspiro, confessar: lutei e vivi. Escreve Paulo Polzonoff Jr.

28/09/2022 13:49

“Senhor, onde os meus planos não são os Seus, destrua-os!” – atribuído a Santo Agostinho

Imagem ilustrativa/Arquivo Correio da Semana

Não gosto de títulos na forma de perguntas, mas neste caso não deu para evitar. Talvez por causa da minha voz aveludada, da minha testa lombrosiana ou dos meus olhos pequenos e inerentemente tristes, as pessoas acreditam que tenho respostas para algumas dúvidas que só não tiram meu sono porque… Bom, porque eu tenho muito sono mesmo. E a pergunta que mais ouvi nos últimos dias é justamente a que o trouxe até aqui: o que será de nós se Lula vencer as eleições?

O mais surpreendente é que tenho, sim, uma resposta para essa pergunta. Uma resposta que até aqui vem sendo recebida com decepção. Com cansaço. Ou, na melhor das hipóteses, tem entrado por um ouvido e saído pelo outro. Mas paciência. Me basta que nos bares, cafés, pontos de ônibus e filas de banco eu ofereça a resposta com a melhor das intenções. E, no mais, meu controle sobre as palavras que digo ou escrevo termina assim que elas se tornam ondas sonoras ou pulsos eletromagnéticos na tela do seu computador ou celular.

Antes de ouvir a resposta, porém, quero dizer que a simples menção a essa angústia eleitoral/existencial onipresente no brasileiro a menos de uma semana para as eleições presidenciais é sinal de que há algo de muito, muito, muito errado com a forma como encaramos a política (e a vida). Afinal, é nessa política que somos levados a depositar esperanças e temores antes reservados a Deus e à natureza, respectivamente. Você não se escandaliza com isso?

Pois deveria. Repare na gravidade de acreditar que as decisões individuais de milhões de desconhecidos que votam pelas mais diferentes razões equivalem a um furacão ou terremoto e, por isso, representam uma ameaça à sua, à minha, à nossa existência. Ou então que essas mesmas decisões representam a possibilidade de ver realizada uma fantasia de perfeição. Perceba como a ideia do voto como um gesto de consequência extrema, seja ela a esperança ou o pesadelo, coloca sobre os ombros das pessoas comuns, de mim e de você, um peso que ninguém é capaz de suportar.

Ninguém quer ouvir aquele barulhinho chato lá da urna e pensar que seu voto representará o desespero de outra pessoa. Da mesma forma, ninguém quer jamais ter a oportunidade de jogar na cara de amigos, familiares ou colegas de trabalho que o voto deles representa de alguma forma a aniquilação do adversário.

Em se tratando de ideias (e, para todos os efeitos, a disputa democrática é apenas um confronto de ideias), é loucura pensar que apenas dois algarismos digitados numa máquina podem representar a ruína ou salvação de uma pessoa ou país. E, no entanto, é exatamente isso que eu e você andamos pensando nos últimos dias. Isto é, que nossos votos nos salvarão de um futuro horrível ou nos empurrarão para um tenebroso abismo sobre o qual voam em círculos famintas aves de rapina.

Resposta

Aos que me perguntam “o que será de nós se o Lula ganhar”, portanto, tenho respondido com duas palavras unidas por uma conjunção aditiva. Então seriam três palavras? Que seja: lutaremos e sobreviveremos. Parece uma resposta à toa, dita até com certo enfado. Longe disso. É minha resposta mais sincera a esse dilema que tem como pano de fundo outro: que poder temos nós diante das tais forças históricas? Mesmo sem articular assim a questão, há quem neste exato momento, diante de uma camiseta verde-amarela ou uma bandeira do PT, sofre porque se sente esmagado pelo mundo. Como se um indivíduo não fosse capaz de resistir à eventual perversidade da maioria.

É. Somos. O que não quer dizer que essas mesmas forças históricas, a depender de quem ocupe o poder, não nos humilharão nem nos farão sofrer. Sem meias palavras: se Lula vencer a eleição, acredito que a cruz de cada um ficará um bocado mais pesada. Valores que rejeitamos nos serão impostos. Teremos mais dificuldade para comprar o pão nosso de cada dia. Talvez até trabalhar fique mais difícil. Sem falar nos sapos morais (e moraes) que teremos de engolir ao nos sabermos rodeados por pessoas dispostas a votar num ex-presidiário que é marionete de progressistas e comunistas. Mas lutaremos. E sobreviveremos.

Não sei se você é desses que está aí todo desesperado, oscilando entre a esperança e o pânico a cada nova pesquisa eleitoral. Sem conseguir se imaginar exultante ou infeliz no dia 3 de outubro. Se não for, ótimo. Ignore este parágrafo . Se for, recomendo entusiasmadamente a leitura de “Em Busca de Sentido”, de Viktor Frankl. Há algo de poderoso em saber que, mesmo em meio a uma das maiores tragédias humanas de todos os tempos, uma tragédia causada pela adoração a um homem, um partido e uma ideia corrompida de ciência, havia atitudes honradas e demonstrações de amor.

Lutaremos. Cada qual com sua arma, mas sem a afetação da resistência esquerdista ao fascismo imaginário. Uns farão discursos acalorados nas tribunas da Câmara ou do Senado. Outros proferirão sentenças baseadas em princípios. Haverá os que lutarão com o riso ou a vontade de fazer rir. Tem também os que simplesmente se ajoelharão diante de Deus. Seja como for, enfrentaremos mais esta provação e, por mais que me doa reproduzir aqui um lugar-comum, dela sairemos fortalecidos. Se não enquanto povo, enquanto indivíduos.

E sobreviveremos, estimado leitor. Sobreviveremos. Riremos num dia e choraremos noutro. Reclamaremos do excesso ou da falta de trabalho. Ralharemos contra as gerações mais novas. Se houver fila para comprar pão, diremos a um desconhecido que tudo está caro e que já não faz tanto frio no inverno quanto antigamente. Dos planos que continuaremos fazendo, uns se concretizarão e outros não. Nosso amor será retribuído aqui e rejeitado ali. Sobreviveremos – até não sobrevivermos mais, porque este é o curso natural das coisas.

Dessa forma, no último dia de nossas vidas, e independentemente do que acontecer neste domingo e nos quatro anos seguintes, com alguma sorte poderemos olhar nos olhos dos nossos bisnetos e, num derradeiro suspiro, confessar: lutei e vivi.

 

 

 

 

 

Por Paulo Polzonoff Jr. é jornalista, tradutor e escritor.