Opinião – O tribalismo na política: uma conversa com Ricardo Amorim

Eu realmente acho que Amorim sabe, no fundo, que Bolsonaro seria uma aposta muito mais segura do que Lula, mas ele teme as consequências sociais e profissionais de assumir isso em público. Escreve Rodrigo Constantino

06/10/2022 10:29

”Ocorre que é hora de termos a coragem de dizer o óbvio, pois tem gente demais querendo crer na indiferença, pois não gosta pessoalmente de Bolsonaro”

Imagem ilustrativa.

Será que todos devem se posicionar neste segundo turno? Ou há espaço para o “isentismo”, para a indiferença? A reflexão surgiu após ler um comentário do economista Ricardo Amorim, em que o integrante da bancada do Manhattan Connection condenava o tribalismo político:

Uma pergunta para você que quer tanto que eu diga em quem vou votar no 2° turno. Você quer que eu me posicione ou que pense como você? Você precisa saber se me põe na sua tribo ou na tribo “inimiga”? Transformaram as eleições em uma triste batalha de identificação.

Amorim elabora melhor seu ponto de vista: “Chega de tribalismo! Já disse milhares de vezes, mas não custa repetir: a solução é discutir propostas, projetos de país e ações concretas; não pessoas. Aí, cada um, baseado em seus próprios valores e preferências terá condições de fazer suas escolhas de forma consciente”.

O economista conclui: “Da minha parte, garanto que continuarei a ser isento, elogiando o que merecer elogio e criticando o que merecer crítica, torcendo pelo sucesso do próximo Presidente e cobrando-o tempo inteiro, seja ele quem for, como tenho feito publicamente há 3 décadas”.

Não são pontos absurdos, em minha visão. Na verdade, acho que Amorim tem até um bom ponto: debatemos demais pessoas na política personalista do Brasil, e deixamos ideias muitas vezes de lado. O tribalismo, típico da torcida de futebol, tomou conta da política também, e isso é perigoso.

Onde, então, está minha divergência mais profunda com o pensamento do colega? Na circunstância! E o conservador, sem um manual abstrato, age conforme o contexto. O meu maior problema com a postura de Amorim diz respeito ao momento em que vivemos, e o risco que a “volta do ladrão à cena do crime” representaria ao país.

Aqui noto que há uma forte discordância de premissa: “Em termos de política econômica, as diferenças dos governos Lula e Bolsonaro provavelmente serão muito menos marcadas do que os apoiadores de um e de outro gostam de sugerir”. Não compartilho dessa visão tão otimista de um eventual governo lulista!

Mas antes de entrar em nossa área, a economia, deixa eu colocar pontos sobre outros aspectos. Para começar, a ética. Que tipo de recado estaríamos dando aos jovens brasileiros se Lula, depois da roubalheira petista, julgado e condenado por vários juízes, e solto num escancarado malabarismo supremo, voltasse ao poder? É um país totalmente sei lei, sem régua, sem parâmetro moral.

Há, ainda, o campo dos costumes. Amorim não é um conservador nessa área, mas mesmo um social-democrata pode se dar conta da radicalização do discurso “progressista” dessa turma. Os ataques à família tradicional, ao cristianismo e aos valores mais básicos de nossa civilização ocidental são evidentes demais para serem ignorados.

Voltemos, agora, ao ponto econômico: Amorim acha mesmo que não há muita diferença entre Mantega e Paulo Guedes? Ou entre as agendas de ambos os candidatos? Posso até aceitar, com muito esforço, que alguns achem mesmo que colocar Alckmin e Meirelles ao lado de Boulos e Dirceu seja um indicativo de maior moderação nessa pauta, mas é preciso admitir que se trata de um ato de fé um tanto arriscado.

Até porque Lula, em que pese não ter divulgado seu plano de governo, já deu vários sinais de que pretende retomar um modelo estatista intervencionista. Amorim sabe que isso seria péssimo para o Brasil. Ele mesmo reconheceu outro dia a boa atuação do atual governo e do Banco Central, agora independente, no combate à inflação. Isso sem falar de reformas de desburocratização, abertura comercial, privatizações etc. Vejam as estatais hoje e comparem com a era petista!

Se Amorim quer acreditar na possibilidade de que um novo governo Lula não seria tão catastrófico assim para o país, tudo bem. Mas ele deve confessar se tratar de um enorme salto no escuro, um otimismo não muito condizente com o passado recente. Depois de tudo que aconteceu, Lula voltaria no estilo mais moderado e com economistas mais ortodoxos, deixando de lado Dirceu, Boulos e todos os seus comparsas da esquerda radical?

Juntando tudo isso, não tenho como concordar com a postura de Ricardo Amorim – e aqui falo dele, mas para muitos que adotam postura semelhante. A ameaça petista é tão assustadora, e do jeito que a coisa vem acontecendo, por manipulação grosseira do sistema, isso gera mais perigo ainda, que se manter “neutro” contra um suposto “tribalismo” não é aceitável, em minha opinião.

Há momentos na vida em que a bifurcação é dada e escolher um ou outro caminho é questão de vida ou morte. Nesses casos, não há espaço para a “zona de conforto” do meio. A omissão, nessas situações drásticas, pode ser um pecado tão grande quanto a escolha errada.

Eu realmente acho que Amorim sabe, no fundo, que Bolsonaro seria uma aposta muito mais segura do que Lula, mas ele teme as consequências sociais e profissionais de assumir isso em público. Ocorre que é hora de termos a coragem de dizer o óbvio, pois tem gente demais querendo crer na indiferença, pois não gosta pessoalmente de Bolsonaro.

E aí o personalismo tribal é justamente de quem se recusa a enxergar o “Big Picture”, a floresta toda, em vez de focar só na árvore.

 

 

 

 

Por Rodrigo Constantino, economista pela PUC com MBA de Finanças pelo IBMEC, trabalhou por vários anos no mercado financeiro. É autor de vários livros, entre eles o best-seller “Esquerda Caviar” e a coletânea “Contra a maré vermelha”. Contribuiu para veículos como Veja.com, jornal O Globo e Gazeta do Povo. Preside o Conselho Deliberativo do Instituto Liberal.

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