Caso seja reeleito, Jair Bolsonaro deverá governar a partir de janeiro de 2023 com uma sólida base parlamentar no Congresso Nacional, o que irá facilitar a aprovação de reformas estruturais. Escreve José Matias-Pereira
17/10/2022 10:35
”A decisão de voto é algo hermético que envolve múltiplas causas, entre as quais se destaca a ideologia”
As pesquisas eleitorais que antecederam o primeiro turno das eleições no Brasil, realizada no dia 2 de outubro de 2022, na sua maioria, não foram capazes de prever o novo fenômeno político que se alastrou de forma avassaladora pelo país, denominado “bolsonarismo” e que impactou diretamente na relação entre esquerda e direita nas casas legislativas. O Partido Liberal, que a partir da próxima legislatura, que começa em 2023, será a principal força política do Congresso Nacional, confirma a dimensão da força política eleitoral do presidente Bolsonaro.
Além dos 99 deputados eleitos para a Câmara dos Deputados, a legenda de Bolsonaro também elegeu 8 senadores e, com isso, ocupará 15 das 81 cadeiras no Senado Federal na próxima legislatura. Com esse desempenho, a sigla terá as maiores bancadas nas duas casas legislativas.
Os partidos que integram a base de apoio do presidente Bolsonaro elegeram um total de 235 deputados federais, assim distribuídos: Partido Liberal – PL (99), Republicanos (42), PP (47), PSD (42), Patriota (4) e PTB (1). Por sua vez, o Partido dos Trabalhadores (PT), juntamente com o PCdoB e PV, que formaram a federação em apoio ao ex-presidente Lula, ficou em segundo lugar, com 79 cadeiras de deputados federais. Somando-se esse número ao dos eleitos por outros partidos que apóiam Lula, PSB (14), PDT (17) e PSOL-Rede (14), pode-se dizer que a esquerda irá reunir 124 deputados.
Tendo em vista que na disputa presidencial foram para o segundo turno o ex-presidente Lula, de esquerda, e o presidente Bolsonaro, de direita, questiona-se se o espectro que revela a opção dos eleitores entre esquerda e direita é um fator importante para a compreensão do voto no Brasil. Registre-se que, no âmbito da ciência política, a opinião pública é algo complexo de se avaliar, conforme se constata na literatura que aborda esse tema. Assim, pretendo discutir os fatores que explicam as dificuldades de posicionamento ideológico dos eleitores brasileiros à esquerda ou à direita, em especial, seus valores socioeconômicos, éticos, morais e religiosos.
A decisão de voto é algo hermético que envolve múltiplas causas, entre as quais se destaca a ideologia. Em termos teóricos, por ser a ideologia um argumento central da sociologia eleitoral, os termos esquerda e direita são usados como conceito balizador de linguagem política. A díade política esquerda e direita continua presente no ambiente político de uma grande parcela democracias ocidentais.
A visão a direita defende o mérito e luta individual. Mais especificamente para os conservadores de direita, é essencial a manutenção do status quo, tradição, valores religiosos, ética, moral e bons costumes e defesa da propriedade privada. Os liberais de direita, por sua vez, defendem a liberdade econômica e as liberdades individuais no âmbito dos costumes e da sexualidade. O pensamento à esquerda, por sua vez, se estruturou sob a ideia de coletividade e de intervenção do Estado, especialmente de forma a minimizar as diferenças socioeconômicas.
No campo da economia, os que se posicionam no espectro político à esquerda defendem uma economia mais justa e solidária, com maior distribuição de renda e interferência do Estado. Para os integrantes da direita, associados ao liberalismo, há a defesa da livre iniciativa de mercado e os direitos à propriedade particular.
Observa-se, que, mesmo quando o eleitor se autoposiciona à esquerda ou à direita, não existem indícios de que ele necessariamente saiba o significado dessas expressões. A dificuldade do eleitor brasileiro de compreender o significado do espectro ideológico de esquerda e direita pode ser decorrente de muitos fatores, como de fatores institucionais ligados à fragilidade do sistema político-partidário; incoerência entre as ações e comportamentos dos parlamentares e os programas dos partidos políticos; alianças entre legendas políticas com visões ideológicas diferenciadas, entre outros.
Assim, esse posicionamento está na maioria das vezes mais ligado a vínculos simbólicos ou afetivos do que propriamente uma compreensão do significado e aderência a uma projeto político. Mesmo assim, podemos dizer que o bolsonarismo, conforme evidenciado nas bancadas eleitas de deputados e senadores de partidos políticos de centro e direita para o Congresso Nacional, está consolidado no Brasil.
Caso seja reeleito, Jair Bolsonaro deverá governar a partir de janeiro de 2023 com uma sólida base parlamentar no Congresso Nacional, o que irá facilitar a aprovação de reformas estruturais, como a reforma tributária e a reforma administrativa, essenciais para o desenvolvimento do país. Caso os eleitores façam opção por Lula, o país estará diante de um complexo paradoxo esquerda-direita, ou seja, eleger uma bancada majoritária de parlamentares de direita e um presidente de esquerda. Vislumbra-se que, nesse caso, Lula deverá enfrentar sérias dificuldades de governança, visto que estão fincadas as bases políticas do fenômeno “bolsonarismo”, o que deve evitar recaídas abruptas do Brasil à esquerda.
Por José Matias-Pereira, economista e advogado, é doutor em Ciência Política pela Universidade Complutense de Madrid (UCM-Espanha) e pós-doutor em Administração pela Universidade de São Paulo (FEA/USP). É professor-pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Contábeis da Universidade de Brasília.