Opinião – Lula, o candidato da siença

Ao acusar Bolsonaro, Lula só não é igualzinho à mídia porque não dá uma de mega defensor da democracia contra o chavismo. Tirando isso, é tudo igual. Lula sabe falar o que a audiência quer ouvir. Escreve Bruna Frascolla

18/10/2022 10:33

”Que ela só não lhe peça para gravar números ou saber onde fica o Mato Grosso”

Lula e Bolsonaro em debate na Band, na noite do domingo (16)| Foto: Reprodução YouTube/ Band Jornalismo

A despeito das torcidas de nariz dos eleitores que gostam de se dizer enojados, o debate de ontem foi um debate. Não se tratou de dois brucutus urrando para seus respectivos gados. Em vez disso, ali estavam dois representantes de duas formas de ler a realidade do Brasil e do mundo. Só não digo que o debate foi o melhor dos possíveis porque um dos candidatos tinha direito ao seus próprios fatos. O que um dizia que é, o outro dizia que não era. Assim, na minha opinião, o debate serviu para os indecisos calibrarem os seus detectores de mentira. E quando Lula falou que o deputado Bolsonaro adorava o governo dele e não fazia um único discurso contrário durante os oito anos de governo, aí ele errou a mão e não houve quem achasse que o atual presidente é o loroteiro da história.

O mundo por Bolsonaro

Vamos ao mundo por Bolsonaro: o Brasil passou por um saque organizado por Lula, a Petrobras e a transposição do Rio São Francisco foram especialmente prejudicadas pela roubalheira, o Bolsa Família era uma merreca, Lula é amigo dos traficantes em vez dos trabalhadores das favelas. Belo Horizonte ficou sem metrô porque Lula pegou o dinheiro do contribuinte para dar a Caracas, que ganhou de graça um metrô patrocinado por nós, já que o BNDES levou um calote.

No começo de 2020, o Brasil foi um dos primeiros a alertar para o estado de emergência e foi ignorado tanto pelas entidades supranacionais como pelos governadores que queriam fazer carnaval de qualquer jeito. Já instaurada a pandemia, Mandetta deu uma ordem criminosa ao mandar que as pessoas só procurassem o hospital quando estivessem sentindo falta de ar; ele próprio (Bolsonaro) estivera correto ao pregar o “isolamento vertical” (sem que houvesse os tão danosos fechamentos de escolas); quanto aos medicamentos (cloroquina e ivermectina) e vacinas, o tempo dirá quem tem razão. Bolsonaro defendeu a autonomia médica e foi contra a política de confinamento. As vacinas foram compradas cedo, e os governadores do Nordeste é que são os maiores culpados de corrupção nesta pandemia, já que Carlos Gabas estava comprando respirador em loja de maconha – coisa que a CPI da pandemia deixou de lado para ficar só falando num suposto esquema de corrupção que não foi levado a cabo.

Quanto à situação global, a pandemia e a guerra na Ucrânia geram inflação. Por isso os preços subiram, mas o governo tem dado tratos à bola para baixar os preços sem desrespeitar as leis de mercado.

Resumidamente, é isso.

O mundo de Lula é um híbrido de passado e ficção midiática. Quanto ao passado, vale lembrar aquela declaração à claque de blogueiros progressistas: “Como eu fui oposição muito tempo, eu cansei de viajar o mundo falando mal do Brasil, gente! Era bonito a gente viajar o mundo e falar: ‘No Brasil tem 30 milhões de crianças de rua. No Brasil tem…’, a gente nem sabia… ‘Tem nem sei quantos milhões de abortos.’ Era tudo clandestino, mas a gente ia citando números, sabe. Se um cara perguntasse a fonte, a gente não tinha, mas tinha que dizer números. Eu não esqueço nunca. Um dia eu tava debatendo eu, o Roberto Marinho e o Jaime Lerner em Paris. Aí eu tava lá falando, eu tinha uns números, nem sei direito de que entidade que era, também não vou dizer aqui, porque eu já tenho 68 anos, não vou… Mas eu tava dizendo: ‘Porque no Brasil tem 25 milhões de crianças de rua’. Eu era aplaudido calorosamente pelos franceses. Quando eu terminei de falar, o Jaime Lerner falou assim pra mim: ‘Ô Lula, não pode ter 25 milhões de crianças de rua, Lula, porque senão a gente não conseguiria andar nas ruas, Lula. É muita gente.’ (RISOS) Então, tem gente que gosta de falar assim. Eu então, hoje, quando eu cito número eu quero saber da fonte. Me dê a fonte pra eu não errar, porque…”.

Lula vai falando o que ele acha que a audiência quer ouvir e tasca-lhe detalhes. Daí aparecem coisas como Auxílio Emergencial de 600 mil reais, ponte ligando Minas Gerais ao Mato Grosso e promessa de botar os professores para trabalhar domingo. O ponto alto, ao meu ver, foi quando ele sentenciou, cheio de certeza, que a Amazônia fora mais desmatada com Bolsonaro do que consigo. Bolsonaro nem se irritou: deu risada e instruiu o espectador a fazer uma breve pesquisa no Google.

Essa mentira foi reveladora. Porque está de pleno acordo com a realidade alternativa vendida pela mídia hegemônica, que é mais ou menos assim: a siença prova que Bolsonaro é o capeta e vai matar o mundo todo, quiçá acabar com a vida no planeta, não sem antes instaurar um regime ditatorial.

Segundo essa visão dos fatos, a pandemia começou só depois do carnaval de 2020, e seria preciso prender todo o mundo em casa até aparecerem as vacinas. Enquanto isso, valia prender gente sozinha na praia ou na praça, pela segurança de todos. Uma vez que aparecessem as vacinas do primeiro mundo, seria necessário comprá-las a qualquer preço, com qualquer contrato, em qualquer estágio de desenvolvimento. Depois, seria preciso obrigar todo o mundo a tomar, pela segurança de todos. E se aparecessem efeitos colaterais graves da vacina ou mostras da eficácia de remédios baratos, era preciso “combater as fake news”, senão ninguém tomaria as vacinas (com quantidade de doses já indeterminada) e ia todo o mundo morrer.

Como Bolsonaro não aderiu a nenhum desses mandamentos, só pode significar uma coisa: cada morte neste país é culpa dele, que é, portanto, genocida. À época da cepa de Manaus, dizia-se que o seu surgimento era culpa de Bolsonaro também. Tudo isso lembra a parte de falar mal do Brasil para ganhar aplausos. E daí tome-lhe falar que Bolsonaro desmatou um monte, então o mundo vai ficar sem pulmão e vai todo o mundo morrer. Então foi isso: Lula deu uma de porta-voz da siença, e a siença diz que não pode votar em Bolsonaro.

De resto, quanto à situação global, ela praticamente não existe. O exterior só aparece para condenar o Brasil ou para considerado superior em comparação ao Brasil. Temos aqui uma inflação grande por culpa de Bolsonaro, que está segurando os preços à la Dilma e, quando a eleição passar, o preço sobe de novo. E quando perguntado sobre a corrupção no seu próprio governo, Lula dá uma de doido e sai com evasivas.

Quanto às favelas, lá só há pobres e trabalhadores. Não há nada de comprometedor em entrar no CPX (sic) da Maré impunemente, e quem suspeite que lá há traficantes está sendo, na verdade, preconceituoso com os pobres.

Ao acusar Bolsonaro, Lula só não é igualzinho à mídia porque não dá uma de mega defensor da democracia contra o chavismo. Tirando isso, é tudo igual. Lula sabe falar o que a audiência quer ouvir. Que ela só não lhe peça para gravar números ou saber onde fica o Mato Grosso.

O elefante na sala

Eu ia falar da desvinculação entre imprensa e realidade focando em Pazuello, que foi considerado um retumbante fracasso pela imprensa e por Lula. Os cariocas fizeram dele o segundo deputado mais votado do estado, com mais de 200 mil votos, ao passo que deixaram a “bancada da ciência” chupando o dedo. Vide a professora da UFRJ Tatiana Roque, que comemora ter ficado como suplente do alto dos seus 30 mil votos, mesmo tendo contado com patrocínio dos Moreira Salles e de Armínio Fraga. Já o “Biólogo Henrique” obteve menos de 3.000 votos. Mandetta, um herói da pandemia segundo a imprensa e Lula, não conseguiu se eleger em seu estado natal, o Mato Grosso do Sul, mesmo sendo um político tradicional. Levou uma surra da candidata da base de Bolsonaro: ela se elegeu senadora com 60%, ele teve apenas 15%.

No entanto, um elefante entrou na sala – minha e da imprensa – enquanto eu escrevia essas coisas. Tarcísio acaba de ser atacado por bandidos enquanto ia a uma “comunidade”, isto é, favela, em São Paulo. Segundo noticiaram a Folha de S. Paulo e O Globo, apenas alegam que tiroteios interromperam a visita – como se fosse apenas parte da paisagem. O perfil do Uol no Twitter foi ainda mais longe, e antes de uma da tarde já dizia que a polícia “desmentiu” (sic) a versão de que seria um atentado.

É melhor nem comentar nada, porque vai que o TSE reclama.

 

 

 

 

 

Por Bruna Frascolla é doutora em filosofia pela UFBa e autora de “As ideias e o terror” (República AF, 2020). Colabora com a Gazeta do Povo desde 2020

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