Opinião – Os bons selvagens e a eleição de Lula: o que nos espera

Como sempre, haverá ganhadores e perdedores, anjos e demônios. Ministérios, cargos comissionados e a democracia serão disputados a tapa. Cabeças irão rolar. Escreve Jonas Rabinovitch

09/11/2022 12:06

”Só faltará decidir onde colocar a guilhotina”

Lula faz discurso a apoiadores na Avenida Paulista após resultado das eleições. Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação PT

A teoria do “egoísmo psicológico” sugere que o comportamento humano é sempre motivado por interesse próprio. É curioso: sejamos bons ou selvagens, cada um sempre quer o melhor para si. A ideia de se colocar uma entidade abstrata, como um país, acima dos nossos próprios interesses pode não se refletir no voto que representa o desejo mais egoísta e secreto de cada um. Podemos usar esses conceitos para tentar entender o cenário após a eleição de Lula.

Todas as pessoas nascem boas e depois são corrompidas pela sociedade? Ou as pessoas nascem selvagens e precisam da sociedade para ser controladas?

A primeira posição foi defendida por Rousseau, entre outros: “os seres humanos são bons por natureza, mas a sociedade os corrompe”. A segunda posição foi defendida por Thomas Hobbes, que dizia: “a condição natural da humanidade é um estado de guerra em que a vida é “solitária, pobre, desagradável e bruta” porque os indivíduos estão em uma “guerra de todos contra todos”.

No fundo sabemos que esse mundo heterogêneo no qual vivemos segue oscilando entre uma posição e outra, a cada dia. Também sabemos que há pessoas genuinamente boas que votam querendo o melhor para seu país.

Trabalho com assuntos ligados a desenvolvimento na esfera nacional e internacional por mais de 40 anos. O Brasil é um país que nasceu colônia explorada, declarou sua independência para se desligar de um império, virou República por vingança de uma elite escravocrata, sobreviveu a algumas ditaduras e estabeleceu-se democraticamente como cleptocracia sistêmica nos últimos anos. Havia um jogo de interesses selvagens em equilíbrio.

A eleição de Bolsonaro em 2018 rompeu esse equilíbrio e começou a construir um caminho concreto para que o Brasil finalmente se desenvolvesse: fim da corrupção sistêmica, fim da distribuição de ministérios segundo critérios politiqueiros, conclusão de obras inacabadas, estabilidade econômica do Real, justiça social através da titulação de terras e através do Auxílio Brasil com transferência direta e indireta de renda para famílias carentes, demissões e término de cabides de emprego, empresas estatais dando lucro, combate ao narcotráfico, entre outras medidas.

Romper um equilíbrio selvagem custa caro. Bolsonaro sofreu oposição feroz de todos os lados. Entre outras, foi acusado de fascista, nazista, racista, apesar de seu partido ter eleito no primeiro turno a maior bancada de deputados negros de nossa história. O presidente disse muitas frases desnecessárias, mas nunca agiu concretamente contra a democracia.

A eleição de Lula em 2022 nos preocupa porque parece sugerir que voltaremos ao Brasil que tínhamos antes de 2018 com escândalos como a Odebrecht, Mensalão, Petrolão, malas do Geddel, dólares na cueca, a utilização de recursos do BNDES a fundo perdido para apoiar obras em ditaduras no exterior, entre outras. Ou não?

Lula é um animal político. Ele sabe que não pode ignorar mais de 58 milhões de votos em Bolsonaro, praticamente metade do eleitorado. No fundo, ainda não sabemos como os 60 milhões de votos que Lula recebeu serão interpretados. Uma carta branca para fazer tudo que ele quiser ou uma oportunidade para “não enganar o povo outra vez”, como ele mesmo já disse? Que legado quererá deixar para a história? Qual serão as consequências da eleição de Lula para o país?

Tive a oportunidade de conversar pessoalmente com o ex-presidente Mujica do Uruguai. Com certeza não concordamos em tudo, mas foi um presidente equilibrado. Não posso dizer o mesmo de Maduro da Venezuela, Díaz-Canel de Cuba ou Ortega da Nicarágua. Lula será mais Mujica ou mais Maduro?

Os rótulos “esquerda” e “direita” são ultrapassados. Mas no Brasil ainda há várias “esquerdas” e várias “direitas”, a serviço do mesmo egoísmo psicológico. O quadro mudou significativamente nessas eleições. O PL de Bolsonaro tem a maior bancada no Congresso. Haverá novas coligações. A cada nova tratativa, iremos perdendo o país?

Um contemporâneo de Rousseau, Baron de Montesquieu, propôs a separação de poderes entre Executivo, Legislativo e Judiciário na sua obra O Espírito das Leis, em 1748. Ele deve estar se revirando na tumba ao ver o Judiciário do Brasil fazendo oposição sistêmica ao Executivo e o Legislativo dividido, com a polarização correndo solta nessas eleições de 2022.

Com certeza, 2023 promete: Montesquieu sambará na tumba; Rousseau bradará novamente contra a propriedade privada; Voltaire irá criticá-lo dizendo que “não podemos voltar a andar de quatro”; Hobbes defenderá a volta da monarquia. Como sempre, haverá ganhadores e perdedores, anjos e demônios. Ministérios, cargos comissionados e a democracia serão disputados a tapa. Cabeças irão rolar. Só faltará decidir onde colocar a guilhotina.

 

 

 

 

Por Jonas Rabinovitch é arquiteto urbanista com 30 anos de experiencia como expert em inovação e gestão pública.

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