Opinião – A Indústria como política de governo

Seu concorrente já foi Presidente da República, por dois mandatos, não foi capaz de descartar o nefasto modelo desindustrializador herdado de Fernando Henrique Cardoso. Escreve Luiz Bittencourt

15/11/2022 07:22

”hoje recebe declarado apoio daquela equipe econômica monetarista de FHC, que idealizou todo o mecanismo desempregador”

Imagem ilustrativa/reprodução.

EMPREGO E ECONOMIA

A história deve ser utilizada como aliada para a compreensão dos fatos e, principalmente, para que não se repitam os erros do passado.

Na primeira metade dos anos 1990, a participação da indústria de transformação brasileira alcançava o recorde de 36% do PIB, porém, com a posse de Fernando Henrique Cardoso, em 1995, implantou-se modelo construído por equipe de viés monetarista, deteriorando o desempenho industrial e criando irreversível processo de desindustrialização no país.

Somente no primeiro ano de mandato, FHC reduziu de 29% para 16% a participação da indústria manufatureira no PIB e entregou o governo com 14%, patamar do qual a indústria nacional não mais conseguiu se livrar.

Consequentemente, os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso se tornaram inesquecíveis pelas indeléveis marcas que deixaram no setor produtivo nacional.

Com a finalidade de controlar a inflação, até então incontrolável, a equipe de FHC extrapolou na dose de elevadas taxas de juros e no uso da âncora cambial (depois transformada em bandas) com real exageradamente apreciado, reduzindo a competitividade externa do produto nacional, em economia que se globalizava.

Utilizando o discurso de fomento à exportação, FHC ainda articulou a aprovação da Lei Kandir (homenagem a um de seus ex-ministros, que apresentou e defendeu esse projeto na Câmara dos Deputados) isentando de impostos as exportações de produtos primários, e, em ação contraditória para não perder arrecadação, a União (PIS/Cofins) e os estados (ICMS) retinham os direitos creditícios das indústrias exportadoras, descapitalizando os geradores de emprego e agregadores de valor.

Esse modelo, que se mostrou desastroso, foi ainda agravado pela negligência na capacitação do capital humano, impulsionou a exportação de commodities, cerceou empresas de automação e alta tecnologia e sufocou a indústria nacional.

Acoplado ao superciclo das commodities, a política implantada por FHC alavancou exponencialmente setores primários, como mineração e agropecuário, sem a proporcional expansão para as cadeias industriais a jusante, limitando a geração de empregos e os respectivos benefícios sociais inerentes aos setores manufatureiros, capazes de evitar futuras catástrofes sociais.

Posteriores governos não só mantiveram o restritivo padrão, como o aperfeiçoaram, fomentando o desemprego, o déficit habitacional e a fome que atormenta milhões de brasileiros.

Inúmeros são os setores produtivos brasileiros que sofreram os efeitos dessa nefasta política. A indústria de calçados foi o maior exemplo.

No início da década de 1990, auge da representatividade da cadeia coureiro calçadista, o setor calçadista brasileiro exportava 3% das exportações totais do Brasil. Enquanto as exportações de commodities cresciam, as exportações de manufaturados caíam e, hoje, as exportações de calçados representam 0,4% das exportações nacionais.

O desempenho brasileiro era consequência da excelente formação profissional, com duas escolas técnicas para processamento de couro e fabricação de calçados existentes no Estado do Rio Grande do Sul, uma em Estância Velha e outra em Novo Hamburgo.

Com o Brasil detendo a expertise no processamento de couro e na produção de calçados, a China importou esse conhecimento, atraindo aproximadamente 5 mil técnicos brasileiros que para lá se mudaram, ajudando a transforma-la na maior processadora mundial de couro e na maior produtora de calçados e artefatos de couro, com exportações anuais ultrapassando os US$ 20 bilhões e gigantesca geração de empregos, grande parte dos quais poderia estar no Brasil.

O calçado de couro, produto do qual o Brasil era o líder da exportação mundial, perdeu a representatividade de 84% das exportações de calçados, caindo para os 32% atuais.

Consequentemente, a indústria calçadista perdeu competitividade. Os EUA, até então principal cliente internacional, reduziram sua demanda por calçado brasileiro de US$ 1 bilhão (66% das exportações totais de calçados), em 1997, para US$ 229 milhões (22%), em 2021.

 Estima-se que esse perverso modelo contribuiu para a perda de mais de 500 mil empregos em toda a cadeia produtiva coureiro calçadista brasileira.

Inflexões nas curvas revelam início de recuperação em 2021, porém o país se encontra em vias de definir sua administração central para os próximos quatro anos, concorrendo à reeleição o atual Presidente da República, cuja gestão alterou significativamente o paradigma, adequando a paridade do dólar, respeitando os créditos das exportações, desonerando em grande parte o trabalho e a produção, expandindo a infraestrutura e construindo favorável ambiente de negócios à expansão industrial e ao desenvolvimento.

Seu concorrente já foi Presidente da República, por dois mandatos, não foi capaz de descartar o nefasto modelo desindustrializador herdado de Fernando Henrique Cardoso e hoje recebe declarado apoio daquela equipe econômica monetarista de FHC, que idealizou todo o mecanismo desempregador.

Em crucial processo eleitoral, a omissão da indústria pode resultar no retorno da asfixia industrial, por prazo e intensidade imprevisíveis.

O eleitor é soberano e decidirá!

 

 

 

 

Por Luiz Bittencourt é engenheiro formado na UFF de Volta Redonda, Master of Engineering pela McGill University de Montreal e pós-graduado em Comércio Exterior pela Universidade Mackenzie de São Paulo. Foi Superintendente de Tecnologia da CSN e Presidente Executivo do Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil. É Diretor da LASB Consultoria.

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