Opinião – O sistema tributário fere o bom senso econômico e avilta a cidadania

No contexto civilizatório mais amplo se fazem necessárias políticas públicas que impeçam a extorsão e fortaleçam a cooperação. A reforma tributária é mais uma oportunidade que não deve ser desperdiçada. Escreve Dagoberto Almeida

21/11/2022 08:52

”A depender do verdadeiro patriotismo de nossos congressistas a reforma tributária pode se apresentar como um formidável instrumento para redução da desigualdade”

Imagem ilustrativa.

A atuação de todo Estado moderno é calcada no binômio justeza na arrecadação de impostos e sabedoria na aplicação, de tal forma que o desenvolvimento não seja apenas econômico, mas também social. A reforma tributária, pois que estruturante, poderá então ser um instrumento de justiça social que irá além dos programas temporários de distribuição de renda como o extinto Auxílio Brasil que agora volta com o nome original de Bolsa Família. Passado o tsunami eleitoral de 2022 aguarda-se a votação da reforma tributária (PL 1554/2022) pelo Congresso.

As questões maiores da reforma tributária envolvem os entraves ao trabalho e ao empreendedorismo. Tais dificuldades não são aspectos marginais na relação entre o público e o privado. Envolvem a assimetria tarifaria que despreza a desigualdade de renda dos vários extratos da sociedade, além da taxação excessiva em especial de empresas de base tecnológica, aquelas que têm o PD&I como lastro.

O Fórum Econômico Mundial em 2020 considerou a atualização das políticas de taxação como uma das métricas relevantes para o desenvolvimento socioeconômico e para a cooperação internacional. Especificamente, na taxação progressiva de acordo com a renda, sobre o trabalho e o capital, inclusive não desconsiderando taxação sobre heranças, que considerem os ganhos de produtividade e sobretudo na avaliação do impacto da taxação sobre a desigualdade social. Nesse quesito o Brasil ocupou a 30ª posição entre 37 economias analisadas.

A complexidade do sistema tributário brasileiro ao pecar contra a necessária transparência requerida para as ações públicas considera três regimes tributários, o Simples Nacional, o Lucro Real e o Lucro Presumido para inúmeros impostos, em uma profusão de siglas nas três esferas do executivo, na federal, estadual e municipal. Os impostos federais são o IRPJ, PIS/Cofins, IPI, além daqueles relativos à exportação e importação. Já o estadual refere-se à circulação de produtos e serviços, o ICMS. Esse leque de tributação também considera na esfera municipal o imposto sobre serviços, o ISS. Enfatiza-se que as empresas de base tecnológica pagam o IRPJ, CSLL, PIS, Cofins, ICMS e ISS.

A adoção do imposto único de valor agregado (IVA) adotado por muitos países, em especial os de maior desenvolvimento econômico, minimizaria a distorção tributária brasileira contribuindo para o desenvolvimento socioeconômico. O IVA seria mais justo para os extratos mais fragilizados economicamente da população porque ao substituir o IPI, PIS, Confins, PASEP e o ISS, ele não teria a mesma postura regressiva de incidir sobre o consumo. Obviamente, impostos relacionados ao consumo são mais perversos para os de menor renda do que para os de maior poder aquisitivo. Impostos sobre o consumo prejudicam quem trabalha; impostos sobre a produção prejudicam quem gera empregos. Quando o imposto não incide sobre a renda ou o patrimônio a concentração de renda é intensificada.

A simplicidade do sistema tributário e a justeza da arrecadação são fatores cruciais para o desenvolvimento dos negócios no país. Ainda assim, a reforma tributária no âmbito federal, estadual e municipal que reduza a tributação é sempre prometida em períodos eleitorais, mas que nunca se concretiza. O sistema tributário atual pune quem trabalha e cria empregos, ao mesmo tempo em que inibe o empreendedorismo e a competitividade das empresas que atuam tanto no mercado interno quanto externo. Além de ferir o bom senso econômico a assimetria tarifaria avilta a cidadania.

O parágrafo primeiro do artigo 145 da Constituição Federal diz que: “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”. O problema deve se referir à graduação desse “sempre que possível” ou talvez à interpretação do “caráter pessoal”. A reforma do sistema tributário é alinhamento com o espírito deste artigo ao princípio de que quem ganha mais deveria pagar mais.

No contexto civilizatório mais amplo se fazem necessárias políticas públicas que impeçam a extorsão e fortaleçam a cooperação. A reforma tributária é mais uma oportunidade que não deve ser desperdiçada sob risco de se penalizar a geração de trabalho digno e de prosperidade para todos. A depender do verdadeiro patriotismo de nossos congressistas a reforma tributária pode se apresentar como um formidável instrumento para redução da desigualdade  e incremento do desenvolvimento socioeconômico no Brasil.

 

 

 

 

 

Por Dagoberto Alves de Almeida ex-reitor da Universidade Federal de Itajubá -UNIFEI – mandatos 2013/16 – 2017-20

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