As dispensas coletivas eram tratadas com a mesma lógica das individuais, ou seja, que existe um direito unilateral (potestativo) do empregador em dispensar os empregados sem justa causa. Escreve Maury Cequinel
28/11/2022 08:40
É conhecimento comum que, no Brasil, as leis não acompanham a realidade. Essa ideia é ainda mais acentuada com a conjuntura atual: startups, inflação, fintechs, recessão e pandemia são só alguns pontos que causam transformações cotidianas e que geram efeitos no mundo jurídico, sem a respectiva resposta legislativa.
A demissão em massa é um dos temas que não escapa desse quadro. Em que pese existir discussão doutrinária há décadas, a legislação ordinária e constitucional nunca tratou efetivamente da questão. Por muito tempo, não houve verdadeiro enfrentamento da matéria e estabelecimento de critérios objetivos para os casos concretos.
Tradicionalmente, as dispensas coletivas eram tratadas com a mesma lógica das individuais, ou seja, que existe um direito unilateral (potestativo) do empregador em dispensar os empregados sem justa causa. A Lei que introduziu a Reforma Trabalhista alterou substancialmente o tema ao prever expressamente o entendimento tradicional, equiparando as dispensas coletivas às individuais, sem necessidade de autorização ou negociação coletiva para efetivação.
Ocorre que, recentemente, no Supremo Tribunal Federal (STF), foi proposta a tese de que a intervenção sindical prévia é exigência imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores. O caso concreto decorreu de análise da demissão de mais de quatro mil empregados da empresa Embraer e da Eleb Equipamentos, em 2009, exatamente sobre a premissa de invalidade pela ausência de negociação prévia com entidades coletivas.
Nada mais conveniente, nos parece, quando infelizmente tem sido comum acompanhar notícias de dispensas em massa, especialmente na área de startups e fintechs no Brasil e no mundo. Uma das mais recentes foram as demissões no Twitter, logo após a compra da empresa ser efetivada por Elon Musk.
As repercussões práticas do entendimento, contudo, ainda estão em aberto e é necessário aguardar a publicação da decisão. De plano, pondera-se que “intervenção” não se confunde com negociação ou autorização sindical. Mesmo sem existir tal previsão legal, a lógica do STF foi privilegiar as entidades coletivas na situação delicada das demissões em massa.
A premissa é de fomentar o diálogo honesto, de boa-fé e que possa suprir, ao fim, a necessidade de atuação do Judiciário em questões similares, com objetivo de dar alguma segurança ao trabalhador. Justo, já que, em tese, os sindicatos da categoria são os mais próximos da realidade daqueles trabalhadores e podem resolver diversas questões de maneira célere, diferentemente do Judiciário.
Se discutirá se essa imposição de “mero procedimento” não infringe a atual legislação, bem como se, na prática, os sindicatos criarão barreiras intransponíveis ao processo de demissão.
Outro ponto que ainda merece esclarecimento é quanto ao critério objetivo de demissão coletiva. Afinal, qual é o número ou percentual de empregados desligados que necessitará da participação do sindicato? Além disso, não houve modulação da decisão, é dizer, não se sabe a partir de quando ela surtirá efeitos, o que causa desconforto no âmbito judicial e na prática.
Outro fenômeno relacionado aos desligamentos em massa está no procedimento interno de sua realização. Causou espanto o noticiado no sentido de que muitas demissões têm ocorrido de forma totalmente virtual (o que não gera problema por si só), mas de modo coletivo, com os empregados afetados em uma mesma sala de reuniões.
Tal hipótese é muito pragmática, mas pode gerar efeitos de cunho indenizatório e devem ser evitadas. O momento rescisório é delicado para cada empregado, já que gera uma série de dúvidas e angústias. Sua realização, portanto, de modo “público” (aos demais empregados) e coletivo, pode dar ensejo a reparação por dano moral, inclusive com propositura de ação coletiva por parte do ente sindical ou do Ministério Público do Trabalho local. Diante desse panorama, cautela: a experiência nos mostra que a forma de desligamento dos empregados é determinante na existência ou não de futura ação trabalhista, seja ela individual ou coletiva.
Por Maury Cequinel é advogado do Departamento Trabalhista da Andersen Ballão Advocacia.