Opinião – A nova democracia

Serão todo-poderosos de vez. Já lançaram novos conceitos, novas definições, novos verbetes. E golpista é o povo honesto, ordeiro e pacífico, que não aceita que a democracia agora tem um novo dono. Escreve Luís Ernesto Lacombe

08/12/2022 06:24

“Ninguém poderá contê-los, afastá-los”

Imagem ilustrativa. Foto: Unsplash

É preciso reescrever os dicionários, os livros de História, de Filosofia, os ensaios políticos. Para que não reste dúvida. A democracia já não é como era antigamente. Há um novo conceito, que deve ser aceito e respeitado por todos. A democracia de agora é feita de barro, mas vai enquadrar todos os inimigos da nova ideia. Como ousam contestar? A eles tudo será negado, exceto o castigo borrado em leis particulares. Devem sofrer, já que não pensam como os inventores da nova democracia.

Revogar a Constituição passou a ser democrático. Pode ser assim para sempre, ou por um período determinado. É a nova era das firulas. Qualquer interpretação das leis é válida aos ungidos. Se na democracia antiga um bandido não podia concorrer a um cargo político, isso passou. A liberdade que lhe entregam agora é total, não importa nada o número de condenações que sofreu. Aos poucos, juízes de todas as instâncias entenderão quem devem botar atrás das grades e quem devem soltar.

Também passou a ser democrático ajudar o bandido em sua campanha eleitoral. É uma questão de coerência imposta por um novo conceito. De que adianta lançar um candidato e não ser livre para ajudá-lo? Vale censurar, perseguir, multar, bloquear contas bancárias, prender. Custe o que custar, os novos conceitos vão se impor. O poder do povo agora é relativo e depende sempre do poder dos inventores da nova democracia.

Nesse novo modelo, não há debate, não há perguntas, o crime compensa. Os donos das leis decidiram que suspeitos, investigados e condenados são os donos da verdade. A roubalheira deixou de ser roubalheira. Crimes, erros, equívocos, incompetência, muita incompetência, tudo isso agora deve ser bendito. É a nova direção, a transição que pretende nos esmigalhar com desequilíbrio fiscal, mais dívida externa e pública, juros e inflação altos. E, no conjunto de ideias impostas contra o mundo real dos últimos 100 anos, querem nos convencer de que seremos todos salvos.

Claro que se salvarão primeiro os seres supremos. Não há Lei do Impeachment que eles também não possam modificar, nessa montagem da nova democracia. Estarão, finalmente, blindados, autorizados a interpretar as leis do jeito que quiserem, as leis que já existem e as que ainda vão inventar. Em pacote, pacotinho, pacotão… Ninguém poderá contê-los, afastá-los. Serão todo-poderosos de vez. Já lançaram novos conceitos, novas definições, novos verbetes. E golpista é o povo honesto, ordeiro e pacífico, que não aceita que a democracia agora tem um novo dono.

 

 

 

 

Por Luís Ernesto Lacombe é jornalista e escritor. Por três anos, ficou perdido em faculdades como Estatística, Informática e Psicologia, e em cursos de extensão em administração e marketing. Não estava feliz. Resolveu dar uma guinada na vida e estudar jornalismo. Trabalha desde 1988 em TV, onde cobriu de guerras e eleições a desfiles de escola de samba e competições esportivas. Passou pela Band, Manchete, Globo, Globo News, Sport TV e atualmente está na Rede TV.