Resta saber qual modelo prevalecerá: aquele defendido pelo homem mais rico do mundo, ou o outro, praticado pela empresa mais valiosa do planeta. Escreve Daniel Lopez
13/12/2022 08:26
“O dia em que o homem mais rico do mundo se levantou contra a empresa mais valiosa do planeta”
Uma enorme disputa, de proporções planetárias, está se desenhando no setor corporativo internacional. O debate transborda, inclusive, para uma série de outras áreas: tecnologia, redes sociais, operações psicológicas, comunicação, direito de fala e questões político-ideológicas. Trata-se de uma batalha contra um poderoso monopólio tecnológico, que o senador norte-americano Josh Hawley chamou de a Tirania das Big Tech, título de um de seus livros, lançado recentemente no Brasil.
Você poderia se perguntar: quem teria capacidade de frear essa poderosa “tirania”? Em geral, a resposta comum é: apenas o governo teria tal capacidade. A outra opção é: somente o homem mais rico do mundo seria capaz. Bem, é exatamente isso que está acontecendo neste momento. Elon Musk, apresentando a si mesmo como alguém empenhado em lutar pela defesa das liberdades, está conduzindo uma verdadeira guinada numa das empresas de tecnologia mais poderosas do mundo: o Twitter. Quando demitiu boa parte dos funcionários e interrompeu o home office, gerou uma reação virulenta dos adeptos do politicamente correto e da agenda woke. Entretanto, a decisão que instaurou uma verdadeira guerra foi a determinação de restaurar contas que haviam sido banidas na gestão anterior.
Primeiro, a reação veio por parte de uma parcela dos usuários, que ameaçaram boicotar a empresa. Agora, são as grandes corporações que estão cogitando abandonar a rede. Entre elas, ninguém menos do que a Apple, não apenas a empresa mais valiosa do mundo, com cerca de 2,6 trilhões de dólares em valor de mercado, mas também uma das maiores anunciantes no Twitter. Na última segunda-feira (28), Musk publicou uma série de mensagens criticando a empresa fundada por Steve Jobs, afirmando que eles haviam quase que totalmente cortado sua publicidade na rede social e que estavam cogitando retirar a empresa do App Store, a loja de aplicativos da Apple, o que poderia tornar o serviço indisponível para mais de 1,5 bilhão de smartphones ao redor do mundo. Isso sem contar a perda de cerca de 100 milhões de dólares anuais em publicidade.
A Apple argumenta que as mudanças implementadas na rede social podem tornar o Twitter incapaz de combater fake news e discurso de ódio. Entretanto, há uma chance de o argumento se reverter contra eles mesmos, uma vez que o prejuízo não seria apenas para Musk. Alguns especialistas afirmam que a Apple não costuma fazer, por exemplo, propagandas no Facebook, ficando dependente da divulgação que realiza no Twitter. Além disso, o sul-africano tem argumentado que a App Store cobra uma comissão de 30% nas compras realizadas em seu aplicativo, o que desagrada tanto desenvolvedores quanto órgãos reguladores mundo afora. Nesta linha de raciocínio, a atitude da Apple poderia ser percebida como uma postura mercenária e contrária à liberdade de expressão.
No final das contas, o que está em jogo são dois modelos de encarar a vida em sociedade. Podemos chamar o primeiro modelo de “Leviatã”, em referência à filosofia política de Thomas Hobbes. Partindo da ideia de que o ser humano era naturalmente mau, seguindo a tese de que “o homem é o lobo do homem”, o filósofo inglês acreditava que, na ausência de um poder central robusto e controlador, haveria uma “guerra de todos contra todos”, que poderia levar, eventualmente, ao colapso da sociedade. Esses são aqueles que defendem, nas palavras de Michel Foucault, uma “sociedade punitiva”, que esteja continuamente exercendo o monopólio da fala, coibindo as vozes divergentes. Do outro lado, temos o modelo “Suficiente”: se alguém se sentiu prejudicado, as garantias legais já disponíveis – como a proteção contra injúria, calúnia e difamação – já seriam suficientes para garantir que um direito não seja suprimido por outro.
Resta saber qual modelo prevalecerá: aquele defendido pelo homem mais rico do mundo, ou o outro, praticado pela empresa mais valiosa do planeta. Lembrando que o resultado dessa disputa pode influenciar radicalmente a dinâmica do fluxo da informação na sociedade contemporânea. Que Deus nos proteja.
Por Daniel Lopez é jornalista, formado pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É doutor em Linguística (UFF), mestre em Linguística (UERJ), bacharel em Teologia (UMESP) e licenciado em Letras. Tem especialização em Teoria da Arte, Crítica de Arte, Filosofia, Sociologia e Antropologia. Foi professor nas áreas de Filosofia da Educação, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e de Linguística, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É pastor na Igreja Bola de Neve Sede, na cidade de São Paulo, desde 2014. É escritor, tradutor e professor universitário. Mantém o canal no YouTube “Daniel Lopez” e o site www.daniellopez.com.br.