Opinião – Lula vai conseguir reduzir os juros na marra?

Existem economistas sérios que concordam com a afirmação de que o atual centro da meta de inflação, de 3,25%, é muito otimista para a nossa realidade. Escreve Diogo Schelp.

07/03/2023 15:35

“Lula está colocando pressão sobre Campos Neto agora porque precisa criar um bode expiatório caso tudo dê errado”

O presidente Lula iniciou uma cruzada contra os juros| Foto: Tomaz Silva / Agência Brasil

A cruzada de Lula contra a política de juros do Banco Central (BC), para surpresa de nenhum analista financeiro, provocou uma rebordosa entre investidores, políticos liberais e economistas ortodoxos, com o efeito óbvio de fazer subir as taxas de juros efetivamente praticadas pelo mercado. O efeito imediato, portanto, foi o oposto daquele pretendido pelo presidente, que era o de reduzir os juros. Acontece que Lula está mirando mais à frente.

Os ataques de Lula à taxa Selic de 13,75% ao ano, à independência do Banco Central e até ao presidente da instituição, Roberto Campos Neto, que tem mandato até 2024 e que portanto terá de ser aturado, ao menos em tese, pelo governo PT por mais dois anos, têm dois objetivos primordiais: um de natureza econômica, e outro, política.

O objetivo de natureza econômica é o que é dito claramente. Lula tem pressa para reaquecer a economia e trazer efeitos sociais rápidos, com a criação de empregos e o aumento da renda da população. Não adianta repetir como um mantra para os petistas que reduzir os juros agora, quando ainda existe um cenário interno e externo incerto de pressão inflacionária, pode levar à perda de controle na variação dos preços de bens e serviços para a população, penalizando justamente os brasileiros mais pobres. “Olhem para a Argentina, com quase 100% de inflação ao ano, e lembrem-se como esse caminho é desastroso!”, dizemos nós, os cautelosos.

Não adianta dizer isso porque Lula e aqueles que o aconselham a reduzir os juros sabem que inflação alta e descontrolada desmancha qualquer ganho que se possa ter com o crescimento econômico. Mas eles realmente acreditam que uma inflação um pouco mais alta não vai fazer tão mal assim, que o patamar atual da meta do Banco Central não é realista para países emergentes e que há, sim, margem para reduzir os juros.

Existem economistas sérios, forjado no aço da ortodoxia liberal, que concordam com a afirmação de que o atual centro da meta de inflação, de 3,25%, é muito otimista para a nossa realidade. É o caso de Sergio Werlang, que foi diretor do BC na gestão de Armínio Fraga, no governo Fernando Henrique Cardoso, e justamente o responsável por implementar o regime de metas de inflação. Em entrevista ao Brazil Journal, na semana passada, porém, Werlang deixou claro que só faz sentido elevar a meta de inflação depois que o governo apresentar e colocar para funcionar as novas regras de ajuste fiscal.

Ou seja, primeiro o governo precisa provar seu compromisso com a responsabilidade fiscal, de que não vai gastar mais do que arrecada. Só depois pode-se pensar em mudar as metas de inflação, com reflexo direto na taxa básica de juros.

Ao escolher a ordem inversa, primeiro pressionando para reduzir os juros, Lula está colocando a carroça na frente dos bois? Sim, mas há um motivo para isso: a política.

Lula está colocando pressão sobre Campos Neto agora, antes mesmo de definir e apresentar, finalmente, a política macroeconômica de seu governo, porque precisa criar um bode expiatório caso tudo dê errado. Campos Neto pode ser a pessoa perfeita para expiar as culpas econômicas de Lula 3 por dois motivos: primeiro, porque foi indicado para o comando do BC pelo seu Nêmesis, Jair Bolsonaro, e segundo porque ele tem estabilidade no cargo e é muito difícil demiti-lo.

“Quero saber do que serviu a independência [do BC]. Eu vou esperar esse cidadão [Campos Neto] terminar o mandato dele pra gente fazer uma avaliação do que significou o Banco Central independente”, disse Lula.

“Esse cidadão”. Observe o desprezo com que Lula se refere a Campos Neto. O objetivo é apresentar Campos Neto como alguém leal a Bolsonaro, um corpo estranho em um governo petista que está no BC, a cargo da política monetária, para sabotar o “sucesso” da nova gestão.

Claro que isso não é verdade. Campos Neto não define a Selic sozinho e existe uma meta concreta para alcançar. O que, sim, pode estar existindo é uma dificuldade de Campos Neto e de Fernando Haddad, ministro da Fazenda, de construir uma relação de confiança. O primeiro convencendo o segundo de que não há propósitos políticos na atuação do BC, e o segundo convencendo o primeiro de que o compromisso do novo governo com um ajuste fiscal é pra valer.

O segundo aspecto da jogada política de Lula em pressionar o BC a reduzir os juros é que, eventualmente, isso pode de fato acontecer por razões puramente técnicas. O economista Persio Arida, que participou da equipe transição mas não integra o governo, acredita que se aproxima o momento em que o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC vai iniciar um movimento de redução gradual dos juros pelo simples fato de que a economia brasileira está dando sinais de desaceleração.

Se isso acontecer, e o BC de fato reduzir os juros no curto ou médio prazo, Lula vai cantar vitória e dizer que venceu a queda de braço com o indicado de Bolsonaro — e se a economia continuar se deteriorando, vai afirmar que as reduções não foram suficientes e que a culpa é do BC independente.

De um jeito ou de outro, politicamente, ele sai ganhando na guerra de narrativas.

 

 

 

 

Por Diogo Schelp, jornalista, foi editor executivo da revista Veja, onde trabalhou durante 18 anos. Fez reportagens em quase duas dezenas de países e é coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto), finalista do Prêmio Jabuti 2017, e “No Teto do Mundo” (Editora Leya).

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