Tentar reduzir os juros sem as condições necessárias torna a tarefa ainda mais difícil, assim como compromete ainda mais o desempenho da economia brasileira. Escreve Luciano Nakabashi.
19/03/2023 09:29
“Não há atalhos para se colocar a economia nos trilhos do crescimento econômico sustentável”
A questão fiscal é um tema fundamental no debate sobre a economia brasileira, já que tem um impacto significativo no seu desempenho no curto e médio prazo. A trajetória da dívida pública é um dos fatores que influenciam diretamente a saúde da economia e afeta as taxas de juros. Portanto, é imprescindível que o governo mantenha um orçamento equilibrado e controle de forma responsável os gastos públicos, de modo a promover maior estabilidade econômica, fomentar os investimentos produtivos e o crescimento sustentável.
Para a análise de uma âncora fiscal eficaz, é necessário considerar elementos centrais que impactam a dinâmica da dívida pública em relação ao PIB, tais como seu nível, as taxas de juros e o crescimento econômico brasileiro. Por exemplo, considere uma relação dívida/PIB de 80%, taxas de juros reais, ou seja, juros nominais dos títulos públicos menos expectativa da inflação, de 4% e crescimento econômico de 2% em um ano. Nesse contexto, um déficit orçamentário nominal, aquele que considera os gastos com juros, de 2% levaria a um crescimento da relação dívida/PIB de 3,6% ao ano, o que seria insustentável. Para estabilizar a relação dívida/PIB, seria necessário um superávit nominal de 1,6% do PIB, sendo um esforço considerável.
Vamos imaginar que ocorra um desejo de reduzir a relação dívida/PIB para 70%. Nesse caso, o superávit nominal deveria ser de 2,93%. Ou seja, o governo deveria gerar um superávit primário para pagar os juros e ainda sobrar 2,93% do PIB para reduzir a trajetória da dívida pública em relação ao PIB, algo que não teria como ser alcançado em um horizonte de curto prazo. Essa dificuldade ocorre, pois temos elevadas taxas de juros e o país cresce pouco. É importante destacar que a redução dos juros “na marra” geraria pressões inflacionárias, agravando ainda mais a situação econômica do país.
Considerando outra situação, suponha que uma nova ancora fiscal bem desenhada e crível leve a uma redução dos juros reais para 3% ao ano e um crescimento econômico de 3,5%. O esforço agora seria de um superávit nominal de 0,93% ao ano para que a relação dívida/PIB chegasse a 70% em 10 anos. Esse exercício mostra como o esforço fiscal é sensível aos juros reais, ou seja, os juros de médio prazo que leva ao equilíbrio o mercado de fundos de empréstimos, e da performance da economia.
Uma âncora fiscal bem desenhada deveria levar em conta a atual relação dívida/PIB e qual o seu patamar desejável, além de considerar a necessidade de superávits orçamentários para redução da referida relação. Adicionalmente, é importante entender que uma âncora fiscal que tenha credibilidade é o principal elemento para redução dos juros de forma sustentável, assim como para estimular o crescimento econômico no médio prazo, tornando a tarefa de controle da dívida pública mais fácil.
Tentar reduzir os juros sem as condições necessárias torna a tarefa ainda mais difícil, assim como compromete ainda mais o desempenho da economia brasileira. O governo precisa fazer o dever de casa e pavimentar o caminho para que os próximos anos possam ser de crescimento mais elevado, pois não há atalhos para se colocar a economia nos trilhos do crescimento econômico sustentável.
Por Luciano Nakabashi é doutor em Economia e professor associado da FEARP/USP.