O caminhar do bêbado apontado nas últimas linhas deixa claro o desafio apresentado à política proposta: como definir um “preço de longo prazo” e bandas ao seu redor que simplesmente não existem? Questiona Rafael Martins de Souza.
13/04/2023 06:18
“O tempo deve ser usado como um aliado para que os gestores descubram o que as ferramentas financeiras podem oferecer para lidar com a volatilidade de preços”
A Teoria de Séries Temporais é um ramo da Estatística que se dedica a estudar o comportamento de variáveis que assumem valores ao longo do tempo. Um exemplo ajuda a entender: considere anotações periódicas a respeito da temperatura do ar em alguma localidade. O conjunto dessas medidas, sejam horárias, diárias, semanais, anuais ou de qualquer outra frequência são exemplos de séries temporais. Essa teoria trata sobre os métodos e modelos matemáticos que são utilizados para fazer previsões a respeito de variáveis indexadas no tempo. Como todos os usuários de previsões de tempo sabem, nem sempre elas são tão precisas quanto gostaríamos. Por isso, os cientistas continuam investindo no aperfeiçoamento de suas técnicas.
Várias áreas do conhecimento usam variáveis indexadas no tempo. Séries temporais, muito provavelmente, são os mais frequentes em finanças e economia. Existem inúmeras séries sobre atividade econômica, crédito, confiança, juros etc. Os últimos sempre ocupam boa parte do noticiário. Atualmente, uma das discussões mais quentes se dá a respeito dos preços do petróleo e seus derivados. Sobram reclamações de que eles estariam muito altos e que a Petrobras deveria rever sua política de precificação.
Executivos da empresa e líderes do governo discutem a criação de uma “banda” que serviria para amortecer os choques dos preços do petróleo sobre os combustíveis no mercado doméstico. A ideia é que quando os valores ultrapassassem uma determinada banda superior, eles deveriam ser subsidiados com recursos acumulados em momentos em que eles estivessem menores do que banda inferior, situação na qual os consumidores pagariam um valor acima do preço de mercado para constituição de um fundo de suavização.
Nessa hora é útil saber o que a Teoria das Séries Temporais teria a dizer sobre a proposta. Imediatamente ela nos ensinaria que as séries financeiras possuem diversos fatos estilizados – característica que pode ser observada em fenômenos de uma dada categoria. O mais marcante fato estilizado de séries de preços de ativos financeiros é que eles são “passeios aleatórios”. São assim definidos porque suas trajetórias são comparáveis ao andar de um bêbado: assumem direção imprevisível (tendência estocástica, no jargão técnico) em todos os instantes de tempo. Mas precisamente, essas séries podem assumir qualquer direção (“baixista” ou “altista”, no jargão der mercado) sem que seja possível antever para onde caminham. Uma outra forma de se referir a esse fato estilizado é afirmar que a série não tem “reversão à média”. Explica-se: não há garantia de que a série venha a cruzar a suposta “média de longo prazo” no futuro.
O caminhar do bêbado apontado nas últimas linhas deixa claro o desafio apresentado à política proposta: como definir um “preço de longo prazo” e bandas ao seu redor que simplesmente não existem? Além disto, o melhor conhecimento disponível não oferece qualquer garantia de que os eventuais valores escolhidos serão atingidos em algum momento no futuro. A própria demora na divulgação da proposta de suavização é uma evidência das dificuldades que os gestores estão passando. A propósito, o tempo deve ser usado como um aliado para que os gestores descubram o que as ferramentas financeiras podem oferecer para lidar com a volatilidade de preços e entendam as limitações que o mercado impõe.
Por Rafael Martins de Souza, doutor em Economia, é pesquisador do FGV CERI e professor da UERJ.