O próximo será Sergio Moro, o “estarrecido”. Depois dele, talvez Nikolas Ferreira. E assim sucessivamente. Será longo o inverno da nossa democracia. E você? Já comprou seu cobertorzinho? Questiona Paulo Polzonoff Jr.
17/05/2023 07:52
“Ainda acredito que a tempestade vai passar. Mas, antes disso, há de chover granizo e canivetes.”
Ironicamente, o dia nasceu meio rubro aqui na República de Curitiba. Pena que, na correria dos primeiros minutos da manhã, eu não tenha registrado essa alvorada. Ela daria um toque especial a uma crônica escrita às pressas para falar justamente deste país que ruborizou de vez – em mais de um sentido.
Absurdo! Inacreditável! Inadmissível!
Diante da cassação do deputado federal Deltan Dallagnol (em quem, aliás, votei), só consigo pensar em duas coisas. Primeiro, em todas as pessoas que correram para as redes sociais a fim de expressar seu descontentamento. E tome absurdo!, inacreditável!, inadmissível. Quando, na verdade, já há alguns anos tudo isso é normal, crível e totalmente admissível. O silêncio do Congresso Nacional que o diga.
Depois, meu lado “ficcionista do cotidiano” fica aqui imaginando como Alexandre de Moraes chegou em casa depois do bacanal político-jurídico de ontem. Vontade de escrever essa história, mas nessas horas ninguém se interessa muito pela batalha interior dos déspotas e suas vítimas. Os canhões da guerra ideológica falam mais alto. Ensurdecem.
Na verdade consigo pensar em mais de duas coisas, como se pode ver abaixo.
Boa e má notícias
– Benhê, você não sabe o que aprontei hoje lá na firma. Acabei de cassar o Deltan Dallagnol!
– Não acredito. Parabéns, meu amor. Mas você trouxe o papel higiênico que eu te pedi pra comprar no caminho pra casa?
– Xi. Esqueci. Mas, ó. Tenho uma boa e uma má notícia pra você. Qual você quer primeiro?
– A má.
– O Brasil virou uma ditadura.
– E a boa?
– Você é a esposa do ditador.
Cuervos
Muita gente apontando, não sem um tiquinho de razão, que Deltan Dallagnol está sendo vítima de um sistema que ele próprio alimentou ao cair no golpe do Bolsonaro-golpista. Cria cuervos, y te sacarán los ojos , etc. É tentador ver na vítima sinais de que ela seria co-responsável por seu fado. Mas dessa perversidadezinha aí eu vou me abster.
Purificação
Maldita hora essa que escolhi para ler “A Noite”, de Elie Wiesel. Justo eu, que há anos decidi não consumir mais literatura holocaustiana (sic). Mas li e me convenci de que o medo que vivemos hoje, em pleno 2023, tem a ver com o que se passou na Europa há quase 80 anos. Sabemos do que nossos semelhantes (nossos vizinhos, nossos colegas de trabalho) são capazes quando movidos por um desejo de “purificação”.
Por isso mesmo nunca acreditei naqueles que diziam que Alexandre de Moraes abandonaria os ímpetos totalitários depois que Lula estivesse entronado. Nada pior do que um homem que se acredita investido de uma missão purificadora.
Cabala
A votação da cassação de Deltan Dallagnol durou apenas um minuto e seis segundos – 66 segundos. Alguém se deu ao trabalho de cronometrar. Se há alguma mensagem cabalística aí, não sei.
Comunista ateu
Pior do que a cassação em si foi ler comunista ateu citando a Bíblia para celebrar a evidente injustiça cometida contra um… evangélico. Foi o que fez Flávio Dino. De caso pensado. Ah, a perversidade…! Sorte de quem tem uma fé mais sólida do que a minha e não se deixa abalar por essas coisas.
Hiperbolicíssimo
Com a cabeça pesando uma tonelada no travesseiro, imagino cenas patéticas em preto e branco. A trilha sonora a embalar o pesadelo é Geraldo Vandré. Ou qualquer outra coisa tão ridícula quanto.
Não tenho vocação para herói. Muito menos para “subversivo”. Antes de pegar no sono, rezo pedindo a Deus paciência, humildade, serenidade e uma pitada de sabedoria. E me consolo tentando me convencer de que tudo isso é um exagero. De que, por temperamento, sou mesmo um homem trágico e hiperbólico. Hiperbolicíssimo.
São quase 9h da manhã e continuo tentando.
Estarrecido
O próximo será Sergio Moro, o “estarrecido”. Depois dele, talvez Nikolas Ferreira. E assim sucessivamente. Será longo o inverno da nossa democracia. E você? Já comprou seu cobertorzinho?
Vai passar nessa avenida o samba popular
Ainda acredito que a tempestade vai passar. Mas, antes disso, há de chover granizo e canivetes.
Por Paulo Polzonoff Jr. é jornalista, tradutor e escritor.