Opinião – Transição energética vocacionada à economia circular

Comemoramos um avanço de curto prazo, mas ainda é preciso que o país defina claramente sua política de mobilidade e transição energética, potencializando incentivos e investimentos sustentados nos pilares ambiental. Escreve Guilherme Linares Nolasco.

21/06/2023 05:35

“Produção anual do biocombustível a partir do milho chegou a 6 bilhões”

Divulgação/reprodução.

Quando a primeira indústria 100% dedicada à produção de etanol de milho começou a operar no Brasil, em 2017, o rendimento médio industrial era de 357 litros de etanol por tonelada de milho processada. Seis safras depois, na temporada 2023/2024, o rendimento estimado é de 444 litros/tonelada, um ganho de produtividade de 24,3%.

De lá para cá, a produção anual do biocombustível a partir do milho passou de 500 milhões de litros para 6 bilhões, segundo expectativa para a safra de 2023/2024.

A evolução da produção e da eficiência produtiva, resultante da incorporação de tecnologias de ponta com melhorias significativas de fluxos de processos, combinado ao uso de enzimas e leveduras avançadas responsáveis pela fermentação e originação do etanol de milho e seus produtos agregados, provocou o surgimento de verdadeiras biorrefinarias transformando excedentes da produção de milho na segunda safra em bioenergia, óleo e produtos para nutrição animal.

Atualmente são 18 (dezoito) indústrias operando no Centro Oeste brasileiro, 01 (uma) indústria cooperativa no Nordeste e outras 2 (duas) nas regiões Sul e Sudeste.

Paralelamente o setor começa a caminhar em várias direções no país, desde o Sul e Sudeste até a região Norte e Nordeste, com muita aderência, principalmente a região do Matopiba (Maranhão; Tocantins; Piauí e Bahia) com grande vocação agrícola e pouca demanda doméstica pelo milho, além da deficiente estrutura de armazenamento e logística.

Indústrias nacionais e com capital estrangeiro viram no Brasil a combinação perfeita entre oferta abundante de matéria-prima, potencial de aumento de produção e mão-de-obra vocacionada, juntamente com um mercado regulado por mandato de mistura de etanol à gasolina, rede de distribuição consolidada e a tecnologia implantada de motores flex em mais de 80% da frota de veículos leves rodando de norte a sul do país.

O mercado consumidor, importante elo de todo setor econômico, ganhou um reforço nas últimas semanas após o anúncio da redução de impostos para estimular a indústria automobilística e facilitar o acesso da população a veículos com preços até R$ 120 mil.

Comemoramos um avanço de curto prazo, mas ainda é preciso que o país defina claramente sua política de mobilidade e transição energética, potencializando incentivos e investimentos sustentados nos pilares ambiental, social e econômico, para não correr o risco de incentivar matrizes energéticas limpas não vocacionadas à realidade brasileira.

Isso poderia desindustrializar toda uma cadeia de negócios consolidada que gera empregos, renda e impostos, ativa uma farta economia circular pela transformação de grandes excedentes exportáveis de grãos em bioenergia e contribui para  mitigar a deficiência logística e de armazenagem de grãos por todo o país.

A nova política tributária será aplicada de acordo com alguns critérios pré-estabelecidos pelo governo. Serão mais beneficiados os veículos de menor preço, menos poluentes e com mais itens nacionais. Esta categorização tem como objetivo ampliar o acesso da população com menor poder aquisitivo a veículos que possuem uma matriz energética mais sustentável e fabricados no Brasil.

Com isso, o governo atende pelo menos duas demandas internas de suma importância. Sendo uma econômica, com foco no estímulo à produção industrial e ao consumo de produtos nacionais. E uma segunda voltada para a sustentabilidade socioambiental, uma vez que prioriza os veículos que utilizam biocombustíveis renováveis e produzidos no país.

Alcançar as metas para neutralização das emissões de gases de efeito estufa passa, necessariamente, pela redução do uso de combustíveis fósseis, que são altamente poluentes e esgotáveis.

O etanol de milho, quando comparado com a gasolina no ciclo conhecido como “poço à roda”, ou seja, da extração, produção e queima, registra uma redução de 80% das emissões de gás carbônico (CO2).

Esse desempenho é proporcionado por alguns fatores que compõem o processo de produção do etanol de milho brasileiro. Primeiramente podemos citar a utilização de grãos produzidos em segunda safra, ou seja, que não dependem da abertura de novas áreas e não competem com a produção de alimentos.

Além disso, boa parte do gás carbônico é sequestrado/absorvido na fase de crescimento da lavoura, contribuindo assim com a neutralização das emissões. Fato é que, o programa Renovabio, a principal política de descarbonização do país, utiliza os créditos de descarbonização gerados pelas indústrias de etanol para compensar as emissões dos combustíveis fósseis.

Outro ponto importantíssimo e um dos principais diferenciais da indústria brasileira de etanol de milho é a utilização de fonte de energia renovável, a partir do uso de biomassa oriunda de florestas plantadas como fonte de geração de calor e energia para a produção do biocombustível, cogerando excedentes para o sistema elétrico nacional.

Ou seja, ao incentivar a produção e o consumo de automóveis nacionais movidos a etanol, o governo está movimentando toda uma cadeia circular de negócios que vai desde o produtor rural de milho e de eucalipto, às indústrias de etanol, além de toda indústria de fornecimento automobilística, passando pelos revendedores de carros e de biocombustíveis. Sem falar no consumidor final, que poderá comprar carros de qualidade e com valores mais acessíveis.

Não paramos por aqui, há muitos projetos de investimento no setor de etanol em fase de prospecção e captação de recursos. A indústria limpa de biocombustível carece de uma política econômica definitiva, com regras claras no arcabouço fiscal, políticas de juros baixos atrativos e segurança jurídica.

A retomada do projeto do “Combustível do Futuro” sob responsabilidade do Ministério das Minas e Energia (MEE) e do Programa Rota 2030 sob custódia do Ministério de Indústria, Comércio e Serviços (MDICS) são boas iniciativas que podem consolidar políticas públicas na agenda brasileira de descarbonização e transição energética, sem esquecer de incorporar  na avaliação a vocação dos biocombustíveis e os benefícios de desenvolvimento social e econômico de todas as cadeias de negócios envolvidas, juntamente aos requisitos de eficiência energética e descarbonização.

 

 

 

 

 

Por Guilherme Linares Nolasco é médico veterinário.