Moraes afirma que o capitalismo não vai se autolimitar. Logo, precisa de limites externos. E estes, claro, virão do guardião da democracia, da Constituição, apesar de muitas vezes rasgá-la para atingir seus “nobres” objetivos. Escreve Rodrigo Constantino.
29/06/2023 11:52
“E quem vai impor limites ao poder alexandrino, que também pode não desejar sempre o bem da humanidade?”
O ministro Alexandre de Moraes disse não ser um comunista, mas alegou que não se pode deixar o capitalismo livre, pois sem impor limites na busca do lucro, as empresas jamais terão um limite próprio, voluntário.
Durante palestra no Fórum Internacional Justiça e Inovação, promovido pelo Supremo em parceria com o Tribunal Superior do Trabalho e o Conselho Nacional de Justiça, o relator do inquérito das milícias digitais pregou que as redes sociais precisam de mais transparência critérios, além de ‘respeitar os direitos fundamentais’.
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral disse repetir, com frequência, a máxima de que as redes sociais ‘não são terra de ninguém’ por entender que houve ‘manipulação de parcela da sociedade de entender que regulamentação e responsabilização dentro das redes é censura’. “Você pergunta: ‘o que se faz lá, pode se fazer fora?’ Não. Então porque lá seria censura?”, indagou.
Na avaliação do ministro, as pessoas ‘passaram a querer despejar traumas e o pior do ser humano nas redes, contra os outros, achando que tudo pode’. “Isso é muito grave, porque há uma manipulação dos algoritmos. Em tese, ela pode ser para o bem, mas também tem fins comerciais e vem sendo utilizada para atacar pilares básicos da democracia. Vem sendo usado para atacar liberdade de imprensa, as eleições, e o Judiciário”.
Alexandre de Moraes ponderou que não se pode partir da ‘presunção de que as bigtechs só querem o bem da humanidade’. “Dentro do sistema capitalista – e eu não sou comunista – o que se visa é o lucro, sem qualquer limitação. Se alguém não limitar não será autolimitado”, afirmou, voltando a defender a regulamentação das redes sociais.
Alexandre não demonstra muito apreço pela liberdade de expressão. Na verdade, o que se diz nas praças públicas da era moderna também pode render processos por crimes contra a honra, como calúnia, injúria e difamação. Tudo isso está previsto em nossas leis. O que o ministro supremo não gosta de outra coisa…
O que ele chama de “ataque” ao STF são, na verdade, críticas. E em vez de seguir o devido processo legal quando achar que houve crime contra a honra, o que ele faz é incluir gente sem foro privilegiado em um inquérito ilegal chamado de “fim de mundo” por um colega supremo, além de censurar jornalistas, congelar contas bancárias ou cancelar passaporte, tudo isso sem a aprovação do Ministério Público.
Alexandre afirma que as Big Techs não necessariamente desejam o bem da humanidade. Ainda bem que ele, ao contrário, só pensa no bem do povo, da democracia, do planeta! Esse tipo de arrogância é justamente o que leva ao autoritarismo de quem não compreende que o mercado não depende dessa boa vontade, como já sabia Adam Smith.
O grande insight de Adam Smith foi perceber que seria tolice esperar aquilo que se necessita dos outros através de sua benevolência apenas. Será mais bem sucedido aquele que despertar o interesse próprio do outro, mostrar que é por sua própria vantagem que ele deve oferecer aquilo que o outro demanda. “Não é da benevolência do açougueiro que esperamos nosso jantar, mas de sua preocupação com seu próprio interesse”, é a famosa mensagem de Smith que resume bem isso. Não esperamos seu esforço em nos atender pelos aspectos humanitários, mas sim pelo seu amor próprio, e não devemos falar com ele sobre nossas necessidades, mas sim sobre suas próprias vantagens.
O realismo em relação a esta tendência individualista dos homens já está presente na outra obra famosa de Adam Smith, Teoria dos Sentimentos Morais, que foi publicada em 1759. Nela, Smith supõe um terremoto que devasta a longínqua China, e imagina como um humanitário europeu, sem qualquer ligação com aquela parte do mundo, seria afetado ao receber a notícia dessa terrível calamidade. Antes de tudo, ele iria expressar intensamente sua tristeza pela desgraça de todos esses infelizes. Faria “reflexões melancólicas sobre a precariedade da vida humana e a vacuidade de todos os labores humanos, que num instante puderam ser aniquilados”.
Mas quando toda essa bela filosofia tivesse acabado, “continuaria seus negócios ou seu prazer, teria seu repouso ou sua diversão, com o mesmo relaxamento e tranqüilidade que teria se tal acidente não tivesse ocorrido”. Em contrapartida, o mais frívolo desastre que se abatesse sobre ele causaria uma perturbação mais real. Uma simples dor de dente poderia lhe incomodar de verdade mais que a ruína de centenas de milhares de pessoas distantes. Não adianta sonhar com um homem diferente, mas irreal.
A premissa de que o estado, formado por seres humanos igualmente imperfeitos – ou até piores, pela ambição desmedida muitas vezes – vai cuidar do indivíduo, proteger a democracia e evitar abusos não passa de uma perigosa falácia. “Quanto mais o estado intervém na vida espontânea da sociedade, mais risco há, se não positivamente mais certeza, de a estar prejudicando”, disse Fernando Pessoa.
O ministro Alexandre de Moraes afirma que o capitalismo não vai se autolimitar. Logo, precisa de limites externos. E estes, claro, virão do guardião da democracia, da Constituição, apesar de muitas vezes rasgá-la para atingir seus “nobres” objetivos. Diante de tamanha megalomania, cabe perguntar, com toda a humildade e respeito: e quem vai impor limites ao poder alexandrino, que também pode não desejar sempre o bem da humanidade?
Por Rodrigo Constantino, economista pela PUC com MBA de Finanças pelo IBMEC, trabalhou por vários anos no mercado financeiro. É autor de vários livros, entre eles o best-seller “Esquerda Caviar” e a coletânea “Contra a maré vermelha”. Contribuiu para veículos como Veja.com, jornal O Globo e Gazeta do Povo. Preside o Conselho Deliberativo do Instituto Liberal.