Opinião – As 24 horas mais tensas deste século

Talvez você não faça ideia do perigo que o planeta enfrentou neste último fim de semana. Nós literalmente ficamos a um fio de uma 3ª Guerra Mundial. Escreve Daniel Lopez.

30/06/2023 13:41

“O fim de semana que quase nos levou à 3ª Guerra Mundial”

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, conversou nesta terça-feira (27) no Kremlin com unidades militares do país, que, segundo ele, garantiram a “ordem e a legalidade” durante o motim do Wagner. Foto: EFE/EPA/SERGEY GUNEEV/SPUTNIK/KREMLIN

Talvez você não faça ideia do perigo que o planeta enfrentou neste último fim de semana. Nós literalmente ficamos a um fio de uma 3ª Guerra Mundial. Isso porque um grupo militar privado se levantou contra o detentor do maior arsenal nuclear do mundo. E o grupo que liderava esse motim chegou bem perto de Moscou, obrigando Putin a deixar a capital de seu país às pressas. Porém, toda a empreitada teve um desfecho repentino, inesperado, mas que ainda lança muitas dúvidas sobre o que acontecerá daqui para frente. Ainda não podemos ter certeza que o perigo foi sanado. Alguns desenvolvimentos das últimas horas mostram que um grande expurgo pode estar acontecendo neste momento na Rússia, criando ainda mais divisão em meio a uma estrutura de poder já rachada. Vou explicar tudo em detalhes para vocês neste artigo.

A título de contextualização, gostaria de retomar uma fala recente do senador americano Marco Rubio. Cabe ressaltar que não confio muito nas opiniões de Rubio, mas, como ele é vice-presidente da Comissão de Inteligência do Senado, assim membro sênior da Comissão de Relações Exteriores, julgo ser válido aproveitar o resumo que ele fez sobre o que aconteceu na Rússia neste fim de semana.

Em vídeo publicado nas suas redes sociais, o senador explicou que, para entendermos o que realmente aconteceu, é necessário conhecer mais a fundo a empresa privada paramilitar “Wagner”, dirigida por Yevgeny Viktorovich Prigozhin, que é (ou era) muito próximo de Putin. A história de Prigozhin é recheada de fatos mirabolantes. Hoje, ele é um oligarca russo muito poderoso, mas já atuou como chefe de cozinha e conselheiro de Putin.

Ele atuava como assaltante em São Petersburgo, quando acabou sendo condenado a 13 anos de prisão. Quando saiu, abriu uma barraquinha de cachorro quente e acabou atingindo um sucesso tão grande que o negócio se transformou num restaurante chique de São Petersburgo. O então prefeito da cidade costumava almoçar lá, e levava sempre um de seus secretários mais importantes, o jovem Vladimir Putin. Quando Boris Yeltsin deixou o poder e Putin assumiu, Prigozhin passou a organizar os banquetes presidenciais. Porém, em 2013, com o início dos conflitos entre Rússia e Ucrânia, Prigozhin passou a oferecer marmitas para os soldados. Entretanto, das marmitas ele passou a oferecer também paramilitares. E assim surgia o grupo Wagner.

Putin utilizou os mercenários do Wagner para missões em todo o mundo, pois era uma maneira conveniente de “fazer o serviço sujo sem sujar suas mãos”. No caso da Guerra na Ucrânia, Putin decidiu utilizar também o grupo paramilitar porque o exército regular russo não estava indo muito bem na empreitada.

Cabe lembrar que o grupo Wagner é composto por criminosos condenados, assim como é o caso do próprio Prigozhin. Mas o efetivo também é integrado por soldados profissionais bem alimentados, bem equipados e que, segundo muitos especialistas, superam em muito os militares russos. Segundo Rubio, Prigozhin gosta de atenção. Ele dirige, por exemplo, a Agência de Pesquisa na Internet, que foi indiciada por atrapalhar as eleições dos EUA em 2016. O problema se inicia quando ele começou a postar vídeos mostrando como seus homens eram muito superiores em comparação aos militares russos. Com essa atitude, começou a gerar um grande atrito com Segey Shoigu, o ministro da defesa russo desde 2012 e membro do círculo íntimo de Putin.

Nesse contexto, Putin precisou tomar uma decisão: atender Prigozhin e trocar o ministro da Defesa, ou ficar ao lado de Shoigu e esmagar o grupo Wagner. O líder de Moscou preferiu acabar com o grupo paramilitar. O caso atingiu um ponto de inflexão quando Prigozhin afirmou que seus soldados foram atacados com mísseis pela própria força aérea russa. Neste ponto, o oligarca deve ter pensado: “Eles virão atrás de mim, então é melhor eu ir atrás deles antes que eles me peguem”. E foi exatamente isso que ele fez.

Prigozhin saiu do campo de batalha e seguiu para a Rússia, tomando a importante cidade de Rostov do Don, onde fica o quartel-general dos esforços militares na Ucrânia. O senador Rubio acredita que o objetivo do oligarca era capturar, pelo menos, o general encarregado do exército, ou talvez até o ministro da Defesa, que estaria lá no início do dia. Mas ambos conseguiram fugir.

Em seguida, Prigozhin decidiu marchar em direção a Moscou. Rapidamente ele chegou à periferia da capital russa. Esse foi o momento mais tenso deste fim de semana. Se ele decidisse encarar um confronto aberto para dominar a sede do governo Putin, poderíamos ter um desfecho inesperado, e sinistro. Imagine a possibilidade de o oligarca assumir o controle de locais onde materiais nucleares são guardados. Isso, levando em consideração que, internamente na Rússia, Putin é considerado um líder moderado, enquanto Prigozhin é mais radical, defendendo a ideia da utilização de armas nucleares tácticas na Ucrânia. O cenário estava em nível máximo de tensão.

Quando todos estavam tensos esperando qual seria o próximo passo, repentinamente, começaram a chegar notícias de que as colunas do Wagner estavam recuando. Ninguém sabia o que estava acontecendo. Em seguida, chegaram notícias de que o presidente da Bielo-Rússia havia conseguido convencer Prigozhin a recuar. Tudo muito estranho. Não sabemos quais promessas foram feitas. O senador Marco Rubio acredita que Prigozhin imaginou que o recado já havia sido dado a Putin. Ele teria envergonhado o ministro da Defesa e o exército russo suficientemente, uma vez que tomou o quartel-general de Rostov e os forçou a fugir, conseguindo chegar aos arredores de Moscou sem qualquer dificuldade. O oligarca teria mostrado ao líder russo que seu sistema de defesa oficial não era capaz de proteger a Rússia, muito menos teriam força para vencer na Ucrânia. Para Rubio, Prigozhin deve ter imaginado que aquilo seria suficiente para convencer Putin a demitir Shoigu.

Não sabemos que tipo de promessa foi feita a Prigozhin. Mas fato é que, hoje, Shoigu ainda está no cargo. O problema é que Putin começou a dar uma série de declarações contraditórias. Primeiro, teria sido informado que o processo contra o oligarca havia sido cancelado. Porém, depois, o líder russo grava um vídeo dizendo mais ou menos o seguinte: “Não estamos cumprindo nenhuma promessa de que você não enfrentará a Justiça. E seus lutadores, se eles não se separarem de você, também enfrentarão as consequências, então, eles terão uma escolha a fazer”. Ontem, foi informado novamente de que o processo contra Prigozhin estava encerrado, e que os membros do Wagner poderia passar a integrar o exército oficial.

É tudo muito confuso na comunicação de Moscou. Porém, no meio de tantas incertezas, parece que tudo pode ser resumido a um motim contra o ministério da Defesa russo na esperança de que Shoigu e sua cúpula fossem demitidos, e que uma nova liderança mais alinhada com Prigozhin fosse colocada em seu lugar. Mas tudo indica, pelo menos até agora, que o plano não funcionou. O clima permanece tenso, pois existe a certeza de que Putin não irá engolir calado essa revolta.

Algumas informações dão conta de que o líder russo já teria prendido alguns generais que poderiam estar colaborando secretamente com Prigozhin. Tudo muito nebuloso. Existem até mesmo aqueles que acreditam que tudo não passou de uma encenação, com a concordância de Putin. O tempo dirá. O que você acha? Foi um motim real ou tudo fez parte de uma grande jogada de Putin? Deixe sua opinião nos comentários.

 

 

 

 

Por Daniel Lopez é jornalista, formado pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É doutor em Linguística (UFF), mestre em Linguística (UERJ), bacharel em Teologia (UMESP) e licenciado em Letras. Tem especialização em Teoria da Arte, Crítica de Arte, Filosofia, Sociologia e Antropologia. Foi professor nas áreas de Filosofia da Educação, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e de Linguística, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É pastor na Igreja Bola de Neve Sede, na cidade de São Paulo, desde 2014. É escritor, tradutor e professor universitário. Mantém o canal no YouTube “Daniel Lopez” e o site www.daniellopez.com.br.

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