Não vejo como pode alguém se exclamar (…) a fala do ex-presidente no dia 18 de julho de 2022 como ato de abuso de poder político para fins eleitorais. Escreve Percival Puggina.
05/07/2023 06:07
“É uma realidade que faz seu próprio clima, põe barbas de molho e torce narizes de dezenas de milhões de cidadãos. E isso não é bom.”
Acordamos de manhã e olhamos a previsão do tempo. Como será o clima? E amanhã? No jornal, o “El niño” preocupa os produtores rurais no sul do Brasil. É o clima. Aliás, a sexualidade humana ganha ânimo quando “pinta um clima”.
Por extensão, usa-se essa mesma palavra para designar o ambiente em que transcorrem os fatos, mostrando que o clima se inclui entre os fatores determinantes dos acontecimentos e da própria História.
Disputas eleitorais majoritárias criam seu clima. Tradicionalmente, no nosso presidencialismo malnascido e malcriado, com a proximidade de um pleito, o ambiente político é de frontal antagonismo. Coíbam-se os excessos, mas não se pretenda acabar com o passado e com o contraditório para um conforto geral das arbitragens e da República.
Parcela expressiva dos eleitores vê com desagrado as composições de nossas cortes superiores que concedem ampla maioria a ministros indicados pelos governos petistas. Os petistas aplaudem, claro, e la nave va. Privilégio do PT, reconheçamos, que lhe foi proporcionado por sucessivos mandatos presidenciais. No Brasil é assim: o presidente da hora indica quem quer. Bolsonaro fez o mesmo e errou. Já o desequilíbrio da balança da Justiça é obra dos indicados.
É uma realidade que faz seu próprio clima, põe barbas de molho e torce narizes de dezenas de milhões de cidadãos. E isso não é bom.
Assim, não vejo como pode alguém se exclamar, em tom escandalizado e considerar a fala do ex-presidente no dia 18 de julho de 2022 como ato de abuso de poder político para fins eleitorais, tendo sido aquele evento uma resposta à apresentação feita pelo ministro Fachin aos mesmos embaixadores. Menos ainda parece adequado e proporcional que lhe sejam tomados os direitos políticos por oito anos.
“La madre della Prudenza non piangeva mai” (a mãe da Prudência nunca chorou) diz um provérbio que aprendi ser de origem italiana. Pois essa prudência e moderação no agir e falar falta nos momentos em que mais necessária se faz. Então, as “excepcionalidades” se tornam rotineiras pelas facilidades que proporcionam. As pessoas veem, as pessoas sentem, as pessoas se angustiam, as pessoas sofrem e se percebem discriminadas em seu livre pensar e livre expressar.
Por Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.