Opinião – Quem autorizou o STF a ser um “poder político” neste país?

O que parece ser o raciocínio básico de Barroso para justificar as ações do STF tem a profundidade de uma poça d’água, das rasas. Escreve J.R. Guzzo.

12/07/2023 07:10

“Os ministros do Supremo deram a si próprios o poder de decidir que a Constituição pode ser desrespeitada praticamente todos os dias.”

O ministro do STF Luís Roberto Barroso. Foto: Nelson Jr./STF

Todo mundo, salvo os que não se interessam por esse tipo de coisa, sabe que não existe no Brasil o que nos regimes democráticos normais é conhecido como “segurança jurídica” – a expectativa racional, por parte dos governados, que as leis em vigor no país serão aplicadas quando a Justiça decide alguma questão. É uma noção que desapareceu por aqui, por ação direta do STF e dos galhos mais altos do Poder Judiciário.

Ninguém sabe, hoje, quais as leis que estão ou não estão valendo, porque são o STF e os seus subdepartamentos que decidem quais as leis que se aplicam e quais as que não se aplicam; depende de quem está acionando, ou de quem está sendo acionado. À insegurança jurídica se junta agora a insegurança auditiva – ninguém mais sabe o que vai ouvir dos ministros quando eles falam fora dos autos, e eles passam a vida falando fora dos autos, principalmente em Nova York, Lisboa etc. e tal.

A última surpresa nos foi oferecida pelo ministro Luís Roberto Barroso. Ele revelou, em mais um dos seus pronunciamentos à nação, que o STF passou, sim, a ser um “poder político” do Brasil, depois de “um vertiginoso processo de ascensão” – mas não faz “ativismo político”. É mesmo? Como o STF pode ser uma coisa e não fazer a outra? Pois aí está, exatamente, a fotografia do Brasil de hoje. Os ministros do Supremo deram a si próprios o poder de decidir que a Constituição pode ser desrespeitada praticamente todos os dias; basta ver as decisões que tomam. Também deram a si próprios a licença de dizer coisas que não fazem nexo.

Quem autorizou o STF a ser um “poder político” neste país? Alguma emenda constitucional, aprovada por três quintos da Câmara e Senado? Foi algum plebiscito, ou coisa parecida? Não se sabe; foi, segundo Barroso, uma ascensão “vertiginosa”, apenas, e é com isso que o público pagante tem de se contentar. O ministro, como quase sempre acontece quando a “suprema corte” quer lançar algum manifesto, não apresentou nada que possa ser qualificado como argumento. Foi, mais uma vez, o costumeiro angu mental que o STF consegue produzir, com muito palavrório e poucas ideias, quando quer dar instruções ao povo brasileiro. Ao fim, sobrou unicamente um atestado do subdesenvolvimento generalizado da atividade intelectual no Brasil deste 2023.

Barroso tentou explicar o verdadeiro significado da palavra “ativismo”. Segundo ele, o que as pessoas comuns consideram ativismo não é ativismo. Pronto: fica resolvido assim, com uma canetada oral, o problema de explicar que diabo ele quis dizer quando afirmou que o STF “não pratica” ativismo político.

O que parece ser o raciocínio básico de Barroso para justificar as ações do STF tem a profundidade de uma poça d’água, das rasas. Ele diz, basicamente, que as críticas às decisões do Supremo são feitas porque as pessoas “não gostam” do que foi decidido; nesse caso, Barroso diz que “sente muito”. É uma bula do Papa. Não existe, por este modo de ver as coisas, a possibilidade de alguém discordar do STF com algum fundamento racional. E quanto alguém critica as barbaridades do Supremo da Venezuela, por exemplo – ou da Coreia do Norte, ou de qualquer das outras aberrações que existem por aí? Será, também, uma questão de torcida? O ministro acha que sim. Ele sente muito.

 

 

 

 

Por J.R.Guzzo é jornalista. Começou sua carreira como repórter em 1961, na Última Hora de São Paulo, passou cinco anos depois para o Jornal da Tarde e foi um dos integrantes da equipe fundadora da revista Veja, em 1968. Foi correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita pioneira do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Foi diretor de redação de Veja durante quinze anos, a partir de 1976. Nos últimos anos trabalhou como colunista em Veja e Exame

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