Opinião – A Amazônia ainda é nossa?

Quem defende hoje a soberania do Brasil, e não os interesses internacionais, é simplesmente ridicularizado e rotulado como negacionista e inimigo da floresta” Escreve Luciano Trigo.

21/07/2023 14:39

“A fake news de 2001 foi premonitória, mas não é necessário alterar o mapa do continente para que se roube a Amazônia dos brasileiros: basta alterar a consciência das pessoas”

imagem: reprodução/divulgação instagram

Em 2001, viralizou na internet (e o verbo viralizar nem existia) um boato que causou indignação entre os brasileiros: integraria livros didáticos adotados nas escolas dos Estados Unidos um mapa da América do Sul mostrando a Floresta Amazônica como uma “reserva internacional”, sob tutela do governo americano e da ONU.

A reprodução de uma página com esse mapa circulou em inúmeras correntes de e-mail (ainda não existiam grupos de WhatsApp). Nela se via uma imensa mancha, correspondente à floresta, identificada com a legenda: “Former International Reserve of Amazon (UN)”.

O texto explicava: “Desde meados dos anos 80 a mais importante floresta tropical do mundo passou à responsabilidade dos Estados Unidos e das Nações Unidas. Ela foi nomeada como FINRAF (em português, ‘Antiga Reserva Internacional da Floresta Amazônica’). Sua fundação se deve ao fato de que a Amazônia está situada na América do Sul, uma das regiões mais pobres do planeta, cercada por governos cruéis e autoritários. A floresta faz parte de oito diferentes países, que, na maioria dos casos, são impérios de violência, tráfico de drogas, analfabetismo, com um povo primitivo e iletrado”.

Era fake news, claro (aliás, a expressão fake news tampouco existia). De qualquer forma, o pequeno escândalo provocado em 2001 entre os brasileiros comuns pelo boato do livro escolar é revelador do espírito da época.

Pouco mais de 20 anos atrás, qualquer ameaça de ataque à soberania brasileira na Amazônia era vigorosamente rechaçada por qualquer brasileiro – e mais ainda pelos brasileiros de esquerda, que eram orgulhosamente nacionalistas e gostavam de bater no peito atacando o imperialismo americano e berrando a plenos pulmões: “A Amazônia é nossa!”

Eu me lembrei dessa história ao assistir ao depoimento de Aldo Rebelo na CPI das ONGs, na última terça-feira, disponível na íntegra no Youtube. Vale a pena assistir: em sua fala inicial, do minuto 11 ao minuto 74 do vídeo, Aldo dá uma verdadeira aula sobre a História recente e a situação atual da Amazônia – e traz informações bem diferentes daquelas contidas na narrativa globalista-ambientalista que prevalece na grande mídia.

(Parênteses: homem de esquerda, Aldo Rebelo foi deputado federal durante cinco mandatos pelo PcdoB – hoje está no PDT. Foi secretário de Coordenação Política e Relações Institucionais no primeiro Governo Lula. Foi também Ministro em três pastas (Esportes, Ciência e Tecnologia e Defesa) no segundo Governo Dilma. Imagino que essas credenciais o tornem insuspeito para quem gosta de rotular como fascista qualquer contestação ao pensamento hegemônico.)

Como as coisas mudaram. Se Aldo Rebelo estiver certo, o que era fake news em 2001 pode estar se tornando verdade em 2023 – ironicamente, sob aplausos da esquerda progressista. Pois ele afirma, com todas as letras, que a Amazônia é hoje governada, na prática, não mais pelo Estado brasileiro, mas por um consórcio de ONGs ligadas a interesses econômicos internacionais. É um verdadeiro Estado paralelo, ao qual não faltam recursos – inclusive recursos públicos – e que não presta contas a ninguém.

Em um país normal e em tempos normais, as afirmações de Aldo Rebelo causariam escândalo e receberiam destaque na grande mídia. São denúncias gravíssimas. Mas não estamos em um país normal, nem em tempos normais. Sobre diversos assuntos, já nem podemos mais falar. Talvez em breve também não possamos falar mais sobre a Amazônia. Mas Aldo Rebelo ainda pode falar. E o que ele diz é muito sério.

Ele afirma, por exemplo, que na Amazônia existem hoje três Estados: “O primeiro Estado é o oficial, das prefeituras, das agências e órgãos do governo. Um estado anêmico, deficitário em tudo. O segundo é Estado paralelo do narcotráfico que está dominando tudo. Eles têm poder social e econômico. Há cidades em que o prefeito já não é mais o maior empregador. Perdeu para o narcotráfico. Há cidades em que toda a semana temos notícias de jovens trucidados nas chacinas. Parecem cidades em guerra”.

Mas o Estado “mais importante e dominador”, segundo Aldo Rebelo, é o terceiro: “É o Estado paralelo das ONGs, governando a Amazônia de fato, governando com o auxílio formal do Estado brasileiro, do Ministério Público Federal, da Polícia Federal, do Ibama, da Funai e do Ministério dos Povos Originários”.

Em um determinado momento, Aldo pergunta: “Você acha que, se 14% do Estado nacional estão imobilizados nas áreas indígenas, as áreas mais ricas de minério do País, isso é por acaso? Não! Isso é planejado! Essas ONGs são apenas um instrumento, os interesses que elas representam estão lá fora. Se alguém perguntar se isso não é teoria da conspiração, a história da Amazônia é de conspiração, a Amazônia é cobiçada desde antes de ser conhecida”.

Igualmente graves são as denúncias sobre a miséria dos indígenas, que seriam supostamente beneficiados pela ação das ONGs nacionais e internacionais que tomaram conta da floresta: falta de saneamento, epidemias, pobreza, subnutrição, falta de transporte e energia elétrica são rotineiras.

Mas, sempre segundo Aldo Rebelo, não há um projeto sequer de uma ONG que seja voltado para o saneamento, a saúde e a melhoria das condições de vida dos amazônidas. A única preocupação é com a biodiversidade. Enquanto americanos e europeus, que estão entre os maiores poluidores do planeta, ditam regras ao Brasil, impedindo o desenvolvimento do país, indígenas continuam morrendo por falta de saneamento, estradas e até mesmo luz elétrica.

Qualquer pessoa que acompanhe com um mínimo de interesse o noticiário internacional e o avanço coordenado da Agenda ESG sabe que o processo de internacionalização da Amazônia é real. Há quem diga que ela pode representar até mesmo um atalho para um Prêmio Nobel.

A ideia, aliás, nem é tão nova, como demonstram este artigo, de 2002, e este artigo, de 2004. Segundo os dois articulistas, em 1975 Henry Kissinger, preocupado com a futura escassez de recursos naturais no planeta, sugeriu que os Estados Unidos deveriam obter o controle desses recursos oferecendo um acordo: o perdão da dívida em troca de concessões relativas à soberania na Amazônia.

Em 1983, Margaret Thatcher retomou a ideia: “Se os países subdesenvolvidos não conseguem pagar suas dívidas externas, que vendam suas riquezas, seus territórios e suas fábricas”. Em 1989, François Mitterrand declarou que o Brasil precisava aceitar uma “soberania relativa” sobre a Amazônia. No mesmo ano, Al Gore afirmou: “Ao contrário do que os brasileiros pensam, a Amazônia não é deles, mas de todos nós”. Em 1992, foi a vez de Mikhail Gorbachev sugerir: “O Brasil deve delegar parte de seus direitos sobre a Amazônia a organizações Internacionais competentes”. Etc.

Por fim, em visita ao Brasil em março passado, John Kerry, assessor especial do governo americano para o clima, afirmou sem qualquer cerimônia que a Amazônia é “um tesouro extraordinário que pertence a todos”.

A fake news de 2001 foi premonitória, e o cenário que ela anunciou pode se tornar realidade em um prazo bastante curto. Nem será necessário alterar oficialmente o mapa do continente para que se roube a Amazônia dos brasileiros: basta alterar a consciência das pessoas, por meio da reiteração de narrativas e da desqualificação brutal e sistemática de qualquer crítica.

O debate, porém, está interditado: quem defende hoje a soberania do Brasil, e não os interesses internacionais, é simplesmente ridicularizado e rotulado como negacionista e inimigo da floresta. Infelizmente, ninguém vai prestar atenção no que Aldo Rebelo tem a dizer. Ao contrário: muita gente “do bem” vai comemorar quando ele for perseguido, cancelado e esquecido.

 

 

 

 

 

Por Luciano Trigo é escritor, jornalista, tradutor e editor de livros. Autor de ‘O viajante imóvel’, sobre Machado de Assis, ‘Engenho e memória’, sobre José Lins do Rego, e meia dúzia de outros livros, entre eles infantis.

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