Opinião – Drogas: graves equívos do STF

Não se pode sucumbir à síndrome da avestruz quando o que está em jogo é a vida das pessoas. O hediondo mercado das drogas está dizimando a juventude. Escreve Carlos Alberto Di Franco.

22/08/2023 08:50

“Não existe consumidor ocasional. Existe, sim, usuário iniciante que, frequentemente, engrossa as fileiras dos dependentes crônicos”

Plantas de maconha. Foto: Rex Medlen/Pixabay

O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) do recurso extraordinário sobre o porte de drogas para consumo pessoal está gerando grande confusão.

A entrada de carrinho da corte suprema em seara do Legislativo chegou a provocar reação inusual do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco: Trata-se de “equívoco grave” a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal descriminalizar o porte de drogas para uso pessoal. Segundo ele, a discussão sobre a lei que trata de punições para usuários de entorpecentes cabe exclusivamente ao Legislativo e não ao Judiciário. “Não posso deixar de apontar aquilo que reputo um equívoco grave, uma invasão de competência do Poder Legislativo”, sublinhou Pacheco.

O presidente do Senado tem razão. Na verdade, há 17 anos o Congresso reduziu notavelmente a pena do crime de porte de drogas para consumo pessoal. Segundo o artigo 28 da Lei 11.343/2006, “quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: (i) advertência sobre os efeitos das drogas; (ii) prestação de serviços à comunidade; (iii) medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”.

Resumo da ópera: não é a decisão do STF que fará com que o porte de drogas para consumo pessoal não leve à cadeia. Isso já foi claramente definido pelo Congresso. O Judiciário, no entanto, tem resistido a obedecer a decisão do legislador. Juízes passaram a condenar como crime de tráfico de entorpecentes o que antes era mero porte de drogas para consumo pessoal. O problema não é, insisto, a lei vigente. Em vez de promover o ativismo judicial e invadir a competência do Congresso, o STF deveria proteger a vontade do Legislativo, assegurando a aplicação efetiva da lei por todos os juízes e tribunais do país.

Os ministros do STF não param no equívoco institucional. Vão além. Chegam ao ponto de estabelecer regras exatas para separar o usuário do traficante, como o limite de 60 gramas sugerido por Alexandre de Moraes. Como sublinhou editorial da Gazeta do Povo, “chega a surpreender que tal ideia tenha vindo de alguém com passagem pela Secretaria de Segurança Pública do maior estado do país, sede de facções criminosas poderosíssimas do crime organizado, e que deveria conhecer o grau de engenhosidade do tráfico”. Seria a institucionalização daquilo que um procurador-geral da República, Rodrigo Janot, definiu como “exército de formigas”, em que os traficantes passariam a circular com quantidades de drogas que lhes permitissem ser tidos como usuários, e não pelo que realmente são.

Mas a pergunta que mais preocupa a sociedade, visceralmente contrária à liberação das drogas, fato medido em inúmeras pesquisas, é simples e direta: onde o usuário vai comprar os 60 gramas? Nas Pernambucanas? Dos traficantes, por óbvio. Ou seja, o equívoco do STF, embora involuntariamente, pode beneficiar o crime organizado. O tráfico de drogas aumentará.

Multiplicam-se, paradoxalmente, declarações otimistas a respeito das estratégias de redução de danos. O essencial, imaginam os defensores da nova política, não é a interrupção imediata do uso de drogas pelo dependente, mas que ele tenha uma melhora em suas condições gerais. A opção pela redução de danos pode ser justificada em determinadas situações, mas não deve ser guindada à condição de política pública. Afinal, todos sabem que, assim como não existe meia gravidez, também não há meia dependência. Embora alguns usuários possam imaginar que sejam capazes de controlar o consumo, cedo ou tarde descobrem que, de fato, já não são senhores de si próprios. Não existe consumidor ocasional. Existe, sim, usuário iniciante que, frequentemente, engrossa as fileiras dos dependentes crônicos. Afinal, a compulsão é a marca do usuário de drogas. Um cigarro de maconha pode ser o começo de um itinerário rumo ao desespero.

Recomendo um excelente filme sobre drogas: Ben is back (“Ben está de volta”), com Julia Roberts e Lucas Hedges. Ele mostra o impacto das drogas no âmbito de uma família. Interpretação carregada de realismo e sem fugas politicamente corretas. Vale a pena.

Bandeira frequentemente agitada em certos setores, a descriminalização não ajudará nada. Ao contrário. Alerta o respeitado psiquiatra Ronaldo Laranjeira, professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp): “Artigos recentes mostram de uma forma inquestionável que o consumo de maconha aumenta em muito o risco de os jovens desenvolverem doenças mentais. Essa geração que consome maiores quantidades de maconha do que a geração anterior pagará um alto preço em termos de aumento de quadros psiquiátricos”.

A verdade precisa ser dita. Não se pode sucumbir à síndrome da avestruz quando o que está em jogo é a vida das pessoas. O hediondo mercado das drogas está dizimando a juventude. E a coisa pode piorar. Ofereço estas reflexões aos ministros de STF e a todos que se preocupam com o futuro do Brasil.

 

 

 

 

 

Por Carlos Alberto Di Franco é bacharel em Direito, especialista em Jornalismo Brasileiro e Comparado, doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, diretor do programa Estratégias Digitais para Empresas de Mídia do ISE, professor convidado da Faculdade de Comunicação Social Institucional da Pontifícia Universidade da Santa Cruz (Roma), diretor da Di Franco Consultoria em Estratégia de Mídia e consultor de Empresas Informativas.

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