Opinião – Gasto não é Vida e Austeridade pode não matar

O novo arcabouço fiscal, pelo que encontraram vários pesquisadores, têm um risco não-desprezível de estimular o ajuste pelo aumento de receita tributária. Escreve Claudio Shikida e Ari Francisco de Araujo Jr.

23/08/2023 07:03

“Seríamos o país com a maior alíquota de um imposto de valor agregado (IVA) do mundo.”

Cédulas de real ao lado de calculadora. Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Após anos de debates, chegamos à proposta de uma reforma tributária. Diga-se de passagem, o assunto não é somente uma sensação jornalística. Uma busca rápida por “reforma tributária” no Google Acadêmico retornou cerca de 220 mil entradas, das quais podemos dizer que, pelo menos, alguns milhares devem ser artigos científicos, livros ou capítulos de livros. Contando apenas os indexados na plataforma desde 2023, temos 7.920 artigos, até o dia 02 de Agosto. Sem dúvida, o tema está na ordem do dia.

Outro aspecto da reforma tributária é que ela não faz sentido sem uma discussão sobre a quantidade e a qualidade dos gastos públicos (e o novo “arcabouço fiscal” não parece ir muito longe nisso). É inevitável que este tema seja colocado na mesa em algum momento. Por mais que se tente empurrar com a barriga, temos políticas públicas que são avaliadas negativamente, mas não são encerradas; por exemplo, servidores com disparidades salariais imensas (inter e intra os três poderes); gastos elevados, até para o padrão da OCDE, como é o caso da educação que tem, sabidamente, baixo retorno social, etc.

É certo que há muito o que se discutir sobre receitas e gastos do governo, e não apenas sobre o aspecto contábil. A função econômica (ou social, para alguns) do gasto, se assim podemos dizer, deveria ser a de não endividar aqueles que ainda não nasceram. Ou, se optamos por elevada dívida pública, pelo menos deixamos prontas opções de arrecadação que não sufoquem o crescimento econômico. Afinal, não adianta espernear por igualdade se esta for obtida com crescimento econômico zero, ou seja, com todos igualmente pobres.

Austeridade, ou, em inglês, Austerity, é o título de um livro publicado pela Princeton University Press em 2019 por três economistas: o falecido Alberto Alesina, Carlo Favero e Francesco Giavazzi. Trata-se de um estudo feito para 16 países da OCDE no qual os autores estudam o impacto de duas diferentes estratégias de ajuste fiscal: austeridade por meio do aumento de receita tributária e os que se baseiam na austeridade com os gastos públicos.

Não é segredo para ninguém que aumentos de impostos ou cortes de gastos não afetam apenas a demanda agregada de uma sociedade: existem efeitos do lado da oferta também e não é difícil entender este aspecto. O leitor pode se perguntar se teria investido mais em um curso privado se tivesse uma isenção maior em seu imposto de renda, por exemplo. Isto para não falar das expectativas acerca do aumento de impostos que, ainda que sejam boatos, já fazem com que todos nós alteremos nossos padrões de gastos em alguma medida esperando pagar a conta em algum momento no futuro.

Um dos resultados importantes do estudo de Alesina, Favero e Giavazzi é que um choque de austeridade pelo lado do aumento da receita gera uma recessão prolongada, enquanto que o esforço na contenção dos gastos públicos gera recessão de curta duração (em média, dois anos). Mais ainda, estes comportamentos se mantêm, mesmo quando se considera o período pós-crise financeira de 2007.

É verdade que não sabemos se estes resultados, encontrados para países da OCDE, seriam os mesmos em um país como o Brasil que, até há pouco tempo, postula um lugar na famosa organização e parecia encaminhar reformas modernizadoras compatíveis com uma economia do padrão das da OCDE, mas não se fala muito sobre o assunto desde o início da nova administração, mais preocupada em criar uma moeda nova com um grupo de países não lá muito democráticos… Apesar disso, inspirado em trabalhos de Alesina e Giovazzi, André Diniz, publica artigo em 2018 na IMF Economic Review sobre a experiência de consolidação fiscal na América Latina a partir dos anos 1990.

Vinte países são analisados (incluindo Brasil). Ajustes fiscais baseados em elevação de arrecadação tem impacto mais contracionistas do que o plano de consolidação fiscal baseado em despesas. Entre os componentes da demanda, os resultados sugerem que que o consumo é geralmente menos afetado pelas consolidações do que a investimentos (afetando a produtividade ou lado da oferta). Em comparação com as evidências da OCDE, os países latino-americanos apresentam consolidações maiores e intermitentes.

O novo arcabouço fiscal, proposto pelo governo, pelo que encontraram vários pesquisadores, têm um risco não-desprezível de estimular o ajuste pelo aumento de receita tributária. Além disso, a reforma tributária parece criar um novo imposto com alíquota elevada. É o que encontraram um estudo do IPEA (uma alíquota de 28%) e uma nota do Instituto Mauro Borges, think tank do governo goiano (uma alíquota entre 27 e 31%). Nos dois casos, seríamos o país com a maior alíquota de um imposto de valor agregado (IVA) do mundo. Não nos parece uma estratégia promissora…

 

 

 

 

Por Claudio Shikida é professor do curso de Ciências Econômicas do Ibmec-BH. Ari Francisco de Araujo Jr é coordenador do curso de Ciências Econômicas do Ibmec-BH.

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