Opinião – O Código Penal só se aplica ao brasileiro de direita

São duas categorias diferentes de cidadão, dois tratamentos diferentes perante a lei, dois tipos de lei e dois tipos de crime. É a democracia brasileira. Escreve J.R. Guzzo.

06/10/2023 07:41

“Os atos de violência da esquerda não resultaram em nenhuma punição legal para absolutamente ninguém”

Brasília: Polícia Militar e manifestantes entram em confronto na Esplanada dos Ministérios durante protesto contra o governo do presidente Temer e reformas trabalhista e da Previdência. Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasi

A Constituição Federal diz que a lei é igual para todos no Brasil. Todo mundo sabe que não é – e que nunca foi assim. Quem é mais pobre é tratado de um jeito, muito pior, e quem é mais rico é tratado de outro, muito melhor. Com a transformação cada vez mais rápida do Sistema Judiciário em partido político, está em vigor agora mais uma diferença.

Os crimes são punidos de uma maneira se os acusados são de direita, ou de extrema direita, como dizem o STF, a esquerda e a maior parte da imprensa. São punidos de maneira oposta se são de esquerda ou considerados como tal. No primeiro caso, podem levar 17 anos de cadeia, sem direito a nenhum recurso, por participarem de um quebra-quebra. No segundo caso, simplesmente não são punidos – não acontece nada, nunca, com eles. Nem quando fazem o mesmo quebra-quebra? Nem assim. O Código Penal só se aplica ao brasileiro de direita. Os brasileiros de esquerda, como os pródigos, os loucos ou os silvícolas, são “inimputáveis” – ou seja, legalmente não podem ser condenados pelos crimes que cometem.

A Gazeta do Povo acaba de publicar um levantamento mostrando cinco episódios em que militantes de esquerda, com camisa vermelha e tudo, destruíram espaços públicos. Não é uma “narrativa”, como se diz hoje – é a apresentação de fatos indiscutíveis e idênticos, do ponto de vista criminal, aos atos de depredação cometidos contra os edifícios dos Três Poderes no 8 de janeiro, em Brasília. Não vale dizer que essa última baderna foi “mais grave” que as outras, porque houve uma tentativa de “golpe de Estado” e de “abolição violenta do estado de direito”.

Não houve tentativa nenhuma de “golpe”, como provam as evidências mais elementares – e muito menos de se cometer os dois crimes ao mesmo tempo, algo materialmente impossível. Os atos de violência da esquerda, porém, não resultaram em nenhuma punição legal para absolutamente ninguém. Os atos de violência da direita, em que não houve um único ferido, estão sendo punidos pelo STF com penas que só são aplicadas nas piores ditaduras – e num processo integralmente ilegal.

Está sendo assim em tudo. O STF mantém aberto há mais de quatro anos um inquérito policial, algo que pelas leis brasileiras jamais poderia ter feito, contra “fake news”, “atos antidemocráticos” e seja lá o que, ou quem, os ministros resolvam punir. O inquérito é perpétuo, os delitos são sempre cometidos em flagrante e não há o pleno direito de defesa para os perseguidos – às vezes não há direito algum. Mas nunca, desde o primeiro minuto de existência dessa aberração, foi indiciado um único “ativista” de esquerda.

O desordeiro que invadiu uma igreja católica de Curitiba e interrompeu com violência uma missa, conta com a proteção explícita do presidente da República. O mesmo presidente chama de “animais selvagens” os envolvidos num suposto bate-boca com o ministro Alexandre de Moraes no aeroporto de Roma (as imagens que provariam com absoluta certeza esse ato de lesa-pátria não apareceram até hoje), mas declara como herói um sindicalista do PT processado por tentativa de homicídio. A coisa vai daí para baixo.

São duas categorias diferentes de cidadão, dois tratamentos diferentes perante a lei, dois tipos de lei e dois tipos de crime. É a democracia brasileira.

 

 

 

 

Por J.R.Guzzo é jornalista. Começou sua carreira como repórter em 1961, na Última Hora de São Paulo, passou cinco anos depois para o Jornal da Tarde e foi um dos integrantes da equipe fundadora da revista Veja, em 1968. Foi correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita pioneira do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Foi diretor de redação de Veja durante quinze anos, a partir de 1976. Nos últimos anos trabalhou como colunista em Veja e Exame.

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