Opinião – Melhores e maiores

Conheci os abnegados que realmente se preocupam com os pobres, os desamparados, os que temporariamente tombaram, gente de fibra. Escreve Stephen Kanitz.

31/10/2023 07:15

“Acho que foi o projeto que mais curti na minha vida”

Em setembro foi lançada a 50ª edição da Revista Exame, intitulada “Melhores e Maiores”, a qual analisa 23 setores da economia e as 500 maiores empresas do país. Este projeto foi criado por mim e oferecido à Editora Abril em 1974, algo que me enche de orgulho.

Hoje em dia, é raro ver algo durar 50 anos.

No início, enfrentamos o desafio de inovar e eu supervisionei o projeto nos primeiros 23 anos, com coordenação da Leila Lorenzi, que também se dedicou a ele por 23 anos.

Inovações

Essa edição trouxe várias inovações na época.

Primeiramente, foi a primeira do mundo a escolher “As Melhores” em vez de apenas listar “As Maiores”.

A pioneira Fortune 500, desde 1955, nunca desenvolveu essa tecnologia, e em 1990 criou ‘As Empresas Mais Admiradas’, onde um painel de notáveis as escolhe subjetivamente, o que é discutível.

“As Melhores”, até a minha saída, eram escolhidas de forma objetiva, com critérios transparentes e publicados.

Devido ao nosso ancoramento em critérios numéricos imutáveis e comprovados, a “Melhores e Maiores” ganhou muita credibilidade e nunca fomos criticados pelos critérios utilizados.

O que nunca revelei, mas farei agora, é a metodologia empregada como base, que foi o modelo de prever falências, quando introduzi a ideia de Credit Scoring no Brasil.

Isso ocorreu em um artigo na própria Revista Exame de dezembro de 1974 e rapidamente se tornou uma tendência. O método ficou conhecido como o “Termômetro de Kanitz” nos livros de Administração Financeira e foi amplamente usado por inúmeros bancos.

Nosso objetivo era prever quais empresas poderiam quebrar nos anos seguintes, chamadas de “as piores”. Eu buscava os demonstrativos financeiros de 1, 2 e 3 anos de empresas que pediam concordata para detectar sinais comprometedores. Com dezenas de casos, conseguíamos prever falências com uma probabilidade de 0 a 100%.

Por outro lado, tínhamos as empresas que dificilmente iriam quebrar, o que nos permitia escolher as melhores empresas do país.

O grande temor de quem produz uma publicação dessas é ter uma das Melhores escolhidas pedindo concordata no ano seguinte.

Para garantir que nenhuma de nossas empresas tinha chances de quebrar no ano da edição, passávamos para a segunda etapa, onde incluíamos critérios como Crescimento, Participação de Mercado e Rentabilidade para selecionar as melhores.

Houve uma única exceção quando a empresa Riachuelo, que havia sido eleita, pediu concordata preventivamente devido à situação de sua matriz, o Grupo Guararapes. No entanto, essa decisão foi compreendida pelos leitores.

Posteriormente, a lógica por trás de Melhores e Maiores foi desmontada por sucessores que introduziram critérios subjetivos, como “responsabilidade social” e critérios ESG, tornando a escolha menos precisa.

O termo “Maiores e Melhores” já existia no Brasil, mas não correspondia mais à realidade empresarial.

O nome “Melhores e Maiores” foi escolhido porque refletia melhor a visão estratégica das empresas na época, que buscavam ser as “Melhores” em vez de apenas as “Maiores”.

Essa visão se provou correta, como confirmado anos depois pelo livro “In Search of Excellence” de Tom Peters.

Introdução de Benchmarks Econômicos

Naquela época, já existia o “Quem é Quem da Economia”, que desde 1967 listava as 5.000 maiores empresas, elaboradas por um engenheiro da Politécnica.

Também existia a “Conjuntura Econômica 500”, elaborada por economistas da FGV. No entanto, essas edições se limitavam a publicar receitas, lucro, patrimônio e número de empregados, sem calcular indicadores de eficiência.

Com o advento da era do computador por volta de 1972, tornou-se possível calcular indicadores de eficiência, produção, produtividade, lucratividade, endividamento, liquidez, solvência e crescimento em vez de apenas dados brutos. Criamos assim os primeiros benchmarks de desempenho econômico do Brasil.

Além dos dados contábeis, acrescentamos indicadores de desempenho e publicamos totais ou médias no final das tabelas, algo que o jornalismo mundial raramente faz, mas que certamente acrescenta valor à publicação.

A publicação se tornou uma referência para estudantes e profissionais, e por muitos anos tivemos uma tiragem de 100.000 exemplares.

Em resumo, os critérios, metodologia e conceitos que introduzimos tornaram-se referência no mercado editorial brasileiro e ajudaram a moldar a maneira como as empresas eram avaliadas e classificadas no país.

Isso me enche de orgulho e me faz acreditar que a Revista Exame “Melhores e Maiores” deixou um legado duradouro na análise das empresas brasileiras.

Avalie Sua Empresa

Finalmente no Brasil, as empresas e não somente as 500, poderiam se avaliar e se compararem umas às outras em termos de margem, retorno, endividamento, segurança financeira, produtividade, crescimento etc.

Uma empresa do setor de comunicação que tivesse 30% de retorno, estaria na frente de 80% de seus pares em 1973, mas de somente 60% em 1974.

Vemos que 11% das empresas tiveram prejuízo em 1973, e quase 18% em 1974.

Contando os quadradinhos, vemos que as empresas que tiveram prejuízo anulam os lucros das empresas que tiveram 5% e 10% de retorno.

Esse fato não é ainda compreendido por economistas, que sequer quantificam essa perda de eficiência e poder de crescimento.

Que as melhores em 1973 melhoraram em média em 1974.

Agora imaginem esse gráfico de benchmark replicado para 20 indicadores e 32 setores, seriam 640 tabelas, que na época era impossível publicar.

Em 1974, nosso problema é que havia 1.000 vezes mais informações do que era possível publicar em papel impresso.

Hoje é possível publicar graças à internet.

Uma Revista Com Um Âncora

Uma das inovações de Melhores e Maiores é que a edição tinha um âncora, como nos programas de jornalismo na televisão.

Meu contrato com Roberto Civita era de direitos autorais, o que significava que recebia parte da venda da edição.

Isso gerava um incentivo de acrescentar sempre mais, por isso foi a edição que mais inovou, mais cresceu, que ficou a mais conhecida, e que sustentou a própria Exame que só dava prejuízo.

Fiz palestras pelo Brasil inteiro como coordenador de Melhores e Maiores, dei centenas de entrevistas a jornais e TVs comentando esses benchmarks que eu tinha e mais ninguém.

Todos sabiam que por trás de “Melhores e Maiores” havia alguém, personificando uma edição.

Um Banco de Dados de 50 Anos

Por meio do projeto, compilei um banco de dados de 50 anos com informações valiosas sobre cerca de 1.000 empresas.

Mantenho esse banco de dados até hoje e o considero uma das melhores fontes para análises macroeconômicas do país, que por sinal está à venda.

Muito poucas das 500 empresas sobreviveram na lista, apenas 83, muitas se tornaram insignificantes.

E a grande maioria das 83 eram multinacionais que possuíam suporte de suas matrizes ao longo de sete desastrados planos econômicos de combate à inflação.

Como atualizo esse banco todo ano, e o considero a melhor fonte de análises macroeconômicas desse país.

Vide as séries históricas que tornei públicas em https://blog.kanitz.com.br/artigos/benchmarks/

Enquanto os economistas tradicionalmente usavam juros, déficit, câmbio e inflação para analisar a economia brasileira, eu me concentrei em investimentos, capital de giro, rentabilidade operacional e estrutural, endividamento, liquidez e outros indicadores, bem como no termômetro de insolvência que desenvolvi.

Poucos Empregos Acrescentaram

Esse gráfico de 50 anos é um exemplo da necessidade de se manter um banco de dados como esses.

É assustador e explica o que ocorreu no Brasil. Em 50 anos somente acrescentamos 1 milhão de empregos com elevada produtividade.

Um único emprego nessa categoria custa de 1 milhão a 1,8 milhões por trabalhador.

Essa é a consequência de 50 anos de ênfase constante em políticas de governo em prol da “pequena e média empresa”.

Bastava consultar as 500 maiores empresas do mundo para saber que nossas 500 maiores são também médias e pequenas no contexto mundial.

Por isso não temos multinacionais brasileiras, somente exportamos commodities, não temos centros de pesquisa, só copiamos, não temos bons administradores.

Resultado da política econômica de “substituição das importações”, que prevaleceu por esses 50 anos, produzimos para os 10% mais ricos, aqueles que importam”, e não para os 6 bilhões de habitantes do mundo que poderiam comprar nossos produtos.

Empreender Não Compensa no Brasil

Uma das omissões mais assustadoras na economia, é que esse gráfico não é utilizado, nunca foi, em nenhuma reunião do COPOM (Comitê de Política Monetária do Banco Central.

Sempre a solução do BC foi reduzir a atividade aumentando os juros, e não a produção.

No Ministério da Economia não é conhecido que o retorno efetivo das 500 maiores empresas brasileiras não chega ao nível de seus custos de oportunidade.

Durante o governo militar, empreender era seguro e rentável.

Com a inflação do governo Itamar, e os juros extorsivos mantidos para “salvarem” o Plano Real, as empresas teriam tido melhor retorno comprando títulos do governo, que rendiam juros estratosféricos.

A edição tinha como artigo de fundo uma análise do desempenho das 500 maiores empresas, um belo pano de fundo para o desempenho da economia como um todo.

Essas análises “microeconômicas” traziam uma outra perspectiva do futuro desse país, bem diversa daquela dos famosos economistas da época.

Muitas, ou talvez todas, das minhas previsões certeiras, vinham desse poderoso banco de dados.

As Reuniões do COPOM

Como as 500 maiores empresas do Brasil estão se desempenhando até hoje nem é discutido nem avaliado nas reuniões do COPOM.

Um absurdo e uma falta de rigor científico injustificável. São as que mais modificam seus comportamentos com mínimas alterações da taxa de juros, imperceptíveis para o público consumidor.

Basta ler um relatório do COPOM.

Nenhuma referência sobre o custo de capital dessas empresas, sobre o endividamento, sobre a falta de capital de giro próprio, sobre o prazo de recebimento e financiamento, nada disso é levado em conta antes de decidirem a taxa de juros da economia.

A preocupação de todos nossos economistas do Banco Central foi sempre “o efeito na inflação”.

Nesses 50 anos nunca recebemos uma ligação de nenhum Presidente do Banco Central, buscando uma análise sobre o efeito de alguma medida em discussão nas 500 maiores.

Muito menos de um Ministro da Economia. O impacto de uma medida econômica nos 20% mais importantes do país, não é considerado necessário, até hoje.

Benchmarks em Vez de Dados

É interessante contar como o projeto “Melhores e Maiores” surgiu e as decisões estratégicas que tomamos em 1974 e que determinaram seu sucesso.

Tudo começou quando uma jornalista do “Quem é Quem na Economia” descobriu o que estavam fazendo com os dados deles e me apresentou ao editor Said Farhat. Na época, levei comigo pastas e pastas de benchmarks já calculados.

No entanto, Farhat não se interessou pela ideia, o que deixou a jornalista indignada. Ela então me apresentou ao jornalista Paulo Henrique Amorim, que na época era o editor da “Exame” junto com Rui Falcão, hoje deputado federal do PT.

Paulo Henrique Amorim, que mais tarde fez sucesso na Globo, conseguiu uma reunião para mim com Roberto Civita, o editor da Editora Abril, que era a proprietária da “Exame”.

Na reunião com Roberto Civita, ao invés de pastas de benchmarks setoriais, apresentei um benchmark próprio da Editora Abril. Um dos benchmarks mostrava que a Editora Abril era muito pouco endividada em comparação com suas concorrentes, já que apenas 30% delas se alavancavam mais.

Essa apresentação impressionou Roberto Civita, pois mostramos informações valiosas que a própria Abril não possuía. Foi essa possibilidade de divulgar centenas de benchmarks valiosos que as empresas não tinham que convenceu Roberto Civita a apoiar o projeto.

No entanto, seu irmão Richard, que era o diretor financeiro da empresa na época, era contra o projeto. Ele argumentava que todos os demonstrativos financeiros no Brasil não eram fidedignos devido aos padrões contábeis impostos pelo governo e pela inflação. No entanto, como nosso foco era criar rankings, parte do problema levantado por ele foi resolvido.

Roberto Civita ficou tão impressionado com os benchmarks que mostramos que se levantou, mostrou os gráficos ao seu irmão e o acusou de ser cauteloso demais nas finanças, como eu havia provado naquele momento.

Assim, conquistei Roberto Civita, mas também arrumei um inimigo no processo.

Dessa forma, nasceu o projeto “Melhores e Maiores”, que se tornou extremamente bem-sucedido e uma das edições mais longevas e rentáveis da Editora Abril.

Enquanto a Editora Abril enfrentou dificuldades financeiras, “Melhores e Maiores” permaneceu forte.

Muitas das empresas que faziam parte da lista em 1974 já não existem mais, e estimo que cerca de 70% delas não figurarão na lista de 2023 da “Exame”, mas isso precisa ser confirmado.

Foi uma época de grande inovação, e “Melhores e Maiores” foi pioneiro ao criar uma metodologia científica para escolher as melhores empresas do Brasil.

Ao contrário de seleções baseadas em opiniões subjetivas de jornalistas, empresários ou membros de associações, nós desenvolvemos um método objetivo para identificar as melhores empresas.

Modéstia à parte, a razão desse sucesso foi que o projeto foi extremamente inovador na época, inclusive internacionalmente, com tantos detalhes novos que foi praticamente impossível concorrer.

Fomos os primeiros a criar uma metodologia científica para escolher as Melhores empresas do Brasil.

Seleções das “melhores” são muitas vezes feitas consultando jornalistas, empresários, todos os membros de uma associação, algo totalmente subjetivo.

Consultados um mês depois, os resultados seriam totalmente diferentes.

Além do fato que ninguém conhece os detalhes de 500 empresas para escolher corretamente.

A edição “Balanço Anual”, uma concorrente posterior, fazia uma pesquisa de opinião entre seus leitores para determinar os Líderes Empresariais do Ano, ignorando o desempenho das empresas listadas. Um erro fatal.

Somente presidentes de empresas poderiam votar, e por quase 10 anos Antônio Ermírio de Moraes era o Líder eleito porque possuía 48 subsidiárias. Depois de 10 anos mudaram o critério para excluí-lo.

Até hoje a Fortune 500, nascida em 1955, não teve a coragem de nos copiar, e quando fomos visitá-los confessaram temer processos judiciais caso errassem.

Por isso eles criaram um ranking à parte chamado “As 500 Mais Admiradas”, cometendo o mesmo erro de questionários subjetivos por pessoas mal informadas do todo o universo.

Na época havia uma edição parecida, o “Quem É Quem Na Economia”, que ranqueava as empresas por Patrimônio, a riqueza acumulada ao longo da existência da empresa, mas que não retratava as atividades da empresa no ano anterior.

Essência de Uma Edição Jornalística

A FGV 500 elaborada por economistas, fez pior, classificava as Maiores por uma média de Patrimônio, Ativos, Receitas e Lucro.

Esse critério eliminava da lista todas as nossas maiores empresas que apresentavam prejuízo. E prejuízo não é um indicador de tamanho, e sim de eficiência.

Por isso nenhuma dessas edições vingaram por 50 anos. Quebraram.

“Melhores e Maiores” inovou classificando as empresas por Receitas do Ano Anterior, algo mais dinâmico e correto.

O pulo do gato foi que na época, 1974, somente 70% publicavam Receitas, considerada segredo concorrencial, e só publicavam o Lucro Bruto.

Com base na relação Receita/Lucro Bruto conseguimos estimar as Receitas dos faltosos e publicar as 500 maiores, muitas como estimativas.

Logo entramos em acordo com os 30% faltosos, eles davam o valor correto, mas nós continuaríamos a dizer que era nossa estimativa.

Outra inovação de “Melhores e Maiores” foi a introdução de Benchmarking, permitindo as empresas se compararem com as demais.

Quando fizemos a parceria com a Editora Abril, eles financiariam os pesquisadores de benchmarks que nos interessavam, eles supriram o computador, em troca deles terem a lista das 500 maiores para publicar.

Eu já havia elaborado dezenas de benchmarks, setor por setor, transcrevendo os dados do “Quem É Quem na Economia”, que somente apresentavam os dados dos demonstrativos sem calcular nenhum indicador de desempenho.

Para a primeira reunião de apresentação do projeto fiz o Benchmarking da Editora Abril, e uns dos itens mostrava que a Editora Abril era muito pouco endividada, 30% das suas concorrentes se alavancavam mais.

Roberto Civita, editor na época, ficou muito impressionado como nós de fora, produzimos informações valiosas para a Abril que eles não possuíam.

Foi essa possibilidade de divulgar centenas de benchmarks valiosas que as empresas não possuíam, é que fez a cabeça do Roberto.

Para toda empresa premiada, eu fazia um resumo de suas práticas administrativas das melhores, algo inédito na época. Como disse no início, a ênfase era analisar as maiores, o conceito de melhores não era comum na época.

Escrevia um box “O Segredo do Sucesso”, para as 25 empresas escolhidas todo ano.

Devo ter feito 200 análises das melhores empresas no Brasil até 1982.

Em 1982, oito anos depois, é publicado algo semelhante, quando o “In Search of Excellence” de Tom Peters and Robert H. Waterman Jr. em 1982.

Com um método um tanto questionável eles escolheram as “melhores empresas” da época e resumiram suas práticas.

O livro foi um enorme sucesso, vendeu 3 milhões de cópias, e Tom Peters virou guru mundial.

Pelo jeito eu era a pessoa certa, no momento certo, com a ideia certa, mas no país errado.

Não virei guru internacional nem nacional, mas fui um palestrante requisitado.

Outra inovação foi criar um âncora para a edição “Melhores e Maiores”.

Âncoras normalmente existem somente na televisão, mas graças às palestras fiquei conhecido como a pessoa por trás de “Melhores e Maiores”.

Isso deu vida à edição, todos sabiam com quem falar, e me tornei seu porta-voz, e sendo um administrador e formado em Harvard, dava muita credibilidade para a edição.

Os concorrentes na época eram engenheiros ou economistas, e até hoje muitos não sabem quem está por trás da “Valor 1000”, nossa concorrente, ou a própria “Melhores e Maiores” de hoje.

Me chama a atenção quão pouco editores de revistas e dos nossos jornais mais conceituados não são chamados para dar palestras, especialistas que são.

Somente jornalistas de televisão são chamados não pelo seu conteúdo, mas pela sua exposição mediática.

Conteúdo é o que editores de jornais e revistas deveriam possuir e o público ávido para ouvi-los.

No Brasil, não.

Eu havia trabalhado numa empresa de auditoria em Nova York, onde conheci o incrível trabalho da American Management Association, algo jamais criado no Brasil, e o American Enterprise Institute, um think tank voltado a administração dos Estados Unidos, algo que também ainda não criamos no Brasil.

Achei que “Melhores e Maiores” supriria think tanks com um material inexistente até então. Um diagnóstico macroeconômico, das empresas que controlam 30% do PIB diretamente, e mais 10% indiretamente.

Só a Petrobras era 10% na época, as três montadoras mais 10%.

Nenhum diagnóstico macroeconômico feito por economistas ou o próprio governo analisa o desempenho passado e futuro daqueles que realmente movimentam a economia.

Todos se restringem a analisar juros, câmbio, crescimento do PIB, exportações e assim por diante.

“Melhores e Maiores” começava com um longo resumo e diagnóstico meu sobre a macroeconomia das empresas, que era esperado por alguns poucos economistas e analistas.

Por exemplo, já na primeira edição de 1974, constatei um enorme problema que era a crônica falta de capital de giro das 500 maiores, imaginem as pequenas.

“Empresas Sem Capital de Giro”, foi uma estatística publicada todo ano, até recentemente.

Na época, o BNDES emprestava somente 80% das necessidades de investimento das empresas, exigindo 20% pelo menos dos empresários colocarem “o skin in the game”. Atitude sensata.

Só que a maioria das empresas na época eram familiares, sem condições de aportarem 20%. Por isso usavam seu Capital de Giro que se tornava negativo.

Na época 30% das empresas possuíam capital de giro negativo, o que significava que a maioria dos empréstimos do BNDES fracassavam.

As empresas construíam suas fábricas, mas não tinham o capital de giro necessário para “girar” as novas máquinas.

Economistas acham que bens de produção são a única necessidade para o crescimento, esquecendo que as empresas precisam uns outros tantos, quase 100%, de capital de giro, para financiar matérias primas, embalagens, o período de produção, o transporte para os lojistas, e o financiamento do prazo de vendas.

Apesar de alertar esse problema há mais de 50 anos, sua solução que seria estender o pagamento de impostos para 180 dias, como antigamente, jamais foi cogitado. Pior, nossos economistas fizeram o contrário.

Depois de 23 anos coordenando a edição, percebi que ela ocupava somente 20% do meu tempo, mas era 80% das minhas chateações.

Quando foi que Roberto Civita indicou seu amigo o jornalista Roberto Guzzo para ser editor da Revista Exame.

E como parte do pacote de remuneração lhe deu 3% do lucro auferido.

Nossa primeira reunião foi um desastre.

Levei comigo 12 estudos de benchmarks na área de produtividade, endividamento, despesas administrativas, despesas comerciais, enfim, para criar novas edições calcadas em benchmarks adicionais, dos quais eu já tinha um histórico de 25 anos, para mostrar.

A ideia era fazer a Exame crescer e lucrar ainda mais.

Porém, seu interesse foi discutir comigo redução de custos em 50%. Óbvio, afinal foi esse o incentivo que Roberto Civita lhe ofereceu.

Percebi que com essa atitude a Exame iria economizar e definhar, como de fato aconteceu.

A edição passou a ser coordenada por economistas, que mudaram os critérios de seleção, não sabendo a lógica por trás, sumiu “O Segredo do Sucesso”, o “Diagnóstico Macroeconômico”, os Benchmarks, as palestras e o âncora da edição.

Ninguém mais comenta sobre “Melhores e Maiores” comigo, que mesmo afastado muitos me achavam ainda o âncora.

Como tudo no Brasil, boas instituições são lentamente capturadas e passam a definhar.

Um dos economistas era marxista, e mudou um de nossos critérios de seleção para “Mais Valia Expropriada do Trabalhador”, não exatamente com essa denominação.

Mas permitia claramente ao trabalhador dessas empresas saber que o valor adicionado por trabalhador era cinco vezes o salário que recebiam.

Uma das constatações que “Melhores e Maiores” perderá prestígio é que nenhum empresário ficou sabendo desse absurdo, e contestou.

Numa das últimas premiações de “Melhores e Maiores”, eu vi uma cena que me comoveu.

Um dos homens mais ricos, Antônio Ermírio de Moraes feliz da vida esfregando seu troféu com o seu lenço.

E ao lado dele estava uma freira de uma associação beneficente que a Votorantim sustentava.

Foi aí que percebi que estávamos premiando as pessoas erradas.

Eles já haviam recebidos os seus prêmios, que eram os lucros que auferiram no ano. Nós estávamos premiando empresas já premiadas.

Quem precisaria de reconhecimento social deveriam ser justamente as associações beneficentes, que são sem fim lucrativos e, portanto, nunca “premiadas”.

Foi assim que surgiu o Prêmio Bem Eficiente, que identificava as instituições beneficentes mais eficientes.

Largamos “Melhores e Maiores” e criamos o site Filantropia.org e o Prêmio Bem Eficiente, para entidades beneficentes, um excelente jogo de palavras.

Premiávamos as 50 melhores, que pelo selo de qualidade conferido por nós, recebiam nos três anos seguintes 1 milhão de donativos adicionais, 500 milhões ao total de 10 anos.

Foi o projeto social com o maior retorno de investimento do meu conhecimento.

Nosso custo era em torno de R$ 250.000,00 por ano, mas as 50 instituições e ONGs premiadas recebiam R$ 50.000.000,00 de donativos adicionais.

Esse projeto ocupava também 20% do meu tempo, mas representava 80% das minhas alegrias.

Conheci os abnegados que realmente se preocupam com os pobres, os desamparados, os que temporariamente tombaram, gente de fibra.

Acho que foi o projeto que mais curti na minha vida.

 

 

 

 

Por Stephen Kanitz, é um consultor de empresas e conferencista brasileiro, mestre em Administração de Empresas da Harvard Business School e bacharel em Contabilidade pela Universidade de São Paulo.

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