Opinião – Os riscos do imposto seletivo para os consumidores

O mais cruel, no entanto, é que mais de cem milhões de brasileiros serão afetados em seus bolsos, milhões de empregos, de bares e restaurantes, serão atingidos. Escreve Percival Maricato.

02/11/2023 09:15

“É dever das autoridades que não estão envolvidas por visões preconceituosas pensar como decidir essa questão da reforma tributária”

Aguinaldo Ribeiro: relator da Reforma Tributária incluiu bares e restaurante no grupo da alíquota diferenciada. Foto: Zeca Ribeiro/Agência Câmara

A reforma tributária pode ser aprovada no Senado mantendo a norma que permite aumentar impostos de produtos com “externalidades negativas”, o que em princípio parece correto, mas cujos resultados, dependendo do produto, podem ser negativos. Um dos riscos de aumento de impostos de forma excessiva sobre esses produtos decorre da possibilidade de as autoridades constatarem que a reforma vai gerar um IVA muito elevado e, então, cederem à tentação de aumentar a tributação desse tipo de produtos com aspectos “negativos” para arrecadar mais com os mesmos e, assim, poder evitar o aumento excessivo do IVA.

Cigarros pode ser um exemplo da complexidade dessa questão. Sabe-se que, atualmente, quase metade dos produtos tabagistas vendidos no mercado são contrabandeados. Há, assim, perda de tributos e aumento expressivo da criminalidade. Por sua vez, não há fiscalização sanitária sobre os produtos vendidos e então corre-se grande risco de prejudicar o consumidor.

Mas há outro produto socialmente mais importante e visado pelos conservadores: a bebida alcoólica. Difícil saber o quanto o poder público poderá aumentar de imposto em uma cachaça, já que atualmente a carga tributária é de 81,9%. E sobre a caipirinha essa carga chega a 76,7% e no chope a 76,7%. Pode-se dizer que os consumidores já bebem impostos. Um novo aumento da carga tributária sobre bebidas alcoólicas seria, pois, um equívoco e um abuso. A Constituição prevê que os impostos não podem ter efeito de confisco, veda a imposição de carga tributária que o contribuinte não possa pagar.

Evidente também que novos aumentos irão estimular a informalidade, já imensa, e de mais fábricas de fundo de quintal, que tantos males já causaram aos consumidores.  Ou seja, aumentos abusivos podem de um lado aumentar a informalidade e reduzir a receita e, de outro, causar males à saúde do consumidor e aumentar os gastos no sistema de saúde. Podem também fechar empresas, reduzir empregos, acabar com as exportações, já tão difíceis devido ao preço que acabam tendo os produtos brasileiros no exterior. Acrescente-se que ainda dificultará a importação de produtos legalizados, aumentando o contrabando.

O mais cruel, no entanto, é que mais de cem milhões de brasileiros serão afetados em seus bolsos, milhões de empregos, de bares e restaurantes, serão atingidos. Todos os que gostam de degustar esses produtos, tão atingidos por leis e políticos preconceituosos, leis que geralmente são aprovadas com base em acusações que levam em conta uma ínfima minoria que bebe em excesso. Com o aumento do preço, até tomar um chopinho no final da tarde ficará mais difícil. As bebidas alcoólicas produzidas legalmente vão se tornando artigos de luxo, as batizadas e contrabandeadas vão retomar o mercado.

É dever das autoridades que não estão envolvidas por visões preconceituosas pensar como decidir essa questão da reforma tributária, mantendo o direito do brasileiro de poder erguer um brinde no final de um dia de trabalho e comemorar a existência, a amizade, o namoro, o emprego, o nascimento de uma criança, a alegria de viver. Este é o outro lado da vida e tem que ser defendido.

 

 

 

 

Por Percival Maricato, advogado, é sócio do Maricato Advogados Associados e diretor institucional da ABRASEL.

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