Opinião – MP da desoneração da folha: um retrocesso de 15 anos

Impor regras não condizentes com a realidade, sem debate e de maneira autoritária é algo a ser rechaçado justamente por esses motivos. Escreve Sergio Sgobbi.

24/01/2024 07:36

“Enquanto a avaliação e as ações forem de impor ao setor produtivo obrigações maiores às atuais (…) terá resistências e enfrentamentos que poderiam ser evitados”

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

O setor produtivo foi tomado de assombro com a Medida Provisória 1202/23, que reonera a folha de pagamentos, editada no apagar das luzes do ano que se findou. Além de afrontar o debate e a vontade do Congresso Nacional que, por duas vezes, com amplo apoio, manifestou-se favorável à postergação do prazo de vigência da política da desoneração, a medida incorre em futuras consequências desorganizadoras das estruturas e processos empresariais e que merecem a citação.

O eSocial, sistema unificado de recebimento das informações empresariais do trabalho e previdência, com suas respectivas tributações, terá que ser redesenhado em um prazo exíguo. Readequar individualmente os trabalhadores de acordo com os salários e a proporcionalidade das alíquotas, conforme os CNAEs das atividades, ensejará uma lógica que os sistemas atuais, públicos e privados, não possuem e a custos nada módicos.

Em uma sociedade cada vez mais digital, é necessário ter o entendimento de que os prazos para que as mudanças sejam feitas são outros, pois as adequações sistêmicas requerem tempo. Esta tem que ser uma variável a ser contemplada pelos tomadores de decisão, não é somente apertar um botão e tudo acontece. Outrossim, a transformação digital em curso na sociedade não permite mais arroubos regulatórios “essa lei entra em vigor na data da sua publicação”. Os efeitos são múltiplos, impactam milhares de pessoas, impõem custos extraordinários e precisam minimamente de um planejamento e previsibilidade, a fim de que, mesmo que discordantemente, possam ser implementadas.

A informalidade laboral, fruto da alta carga tributária e de encargos sobre o emprego formal empurra o empresário a contratar trabalhadores em modelos alternativos, mesmo incorrendo na irregularidade e no sempre presente passivo trabalhista, advindo desta contratação. Mas isto não é exclusividade dos empresários, também os trabalhadores preferem aceitar esses “contratos”, pois desacreditam no modelo de previdência social e têm a visão imediatista de mais dinheiro em suas mãos para suas necessidades cotidianas. Esta é uma chaga ainda não resolvida e que a MP 1202/2023 a potencializa. Ao retornar a tributação sobre a folha de pagamento, institui novamente um custo fixo para as empresas, que mesmo sem faturamento terão que pagar o tributo, e eleva no tempo a tributação sobre o emprego, ou seja, é um tiro certeiro e definitivo que impacta negativamente na competitividade dos setores que são intensivos em mão de obra. A política da desoneração tem o mérito de tornar a tributação sobre o emprego variável, sobre a atividade econômica, estabelecendo a lógica de que quanto maior a movimentação (faturamento), maior contratação e maior arrecadação. Lógica enterrada pela citada MP.

Em um momento em que é comemorada a redução do nível de desemprego, a MP endereça um caminho contrário ao dinamismo econômico e a geração de empregos formais, mas perpetua a lógica da informalidade e da precarização das relações de trabalho, e isto patrocinado justamente por quem tem a responsabilidade de combater estas irregularidades. De acordo com dados registrados pela Brasscom, de 1.625 trabalhadores entrevistados durante a entrada ou saída de empresas de TIC, 180 profissionais migraram do trabalho informal para o trabalho formal, enquanto 83 foram desligados do trabalho formal e passaram a trabalhar informalmente – alcançando o índice de 16,3% de outubro de 2021 a outubro de 2023. Ainda segundo a Associação, o índice de informalidade de profissionais desligados que foram para empresas que não têm sede no Brasil alcançou 4,1%, e superou em 1 ponto os profissionais contratados que vieram de empresas que não possuem sede no país.

Adicionalmente, a referida MP, eleva os encargos sobre a folha de pagamento, pois acaba com a Contribuição de Pagamento sobre a Receita Bruta – CPRB, instituindo uma reoneração gradativa no tempo apenas para o primeiro salário-mínimo e alíquota de 20% para o restante do salário de cada trabalhador. A consequência é a de que a partir de 01/04/2023, caso a MP avance no Congresso Nacional, demitir o trabalhador ficará mais caro. Neste sentido a decisão acerca do seguimento da MP é um elemento essencial sobre o que as empresas farão em relação as suas decisão de contratação ou demissão. A previsibilidade desejada, fica sendo uma utopia. Em resumo, a MP irá trazer o aumento dos custos no emprego e a consequente aumento dessa precarização, recordando: em dezembro de 2010, portanto antes da política da desoneração, o setor de tecnologia tinha 513 mil carteiras assinadas e em dezembro de 2023 ultrapassou 2 milhões de trabalhadores nesta modalidade formal de emprego.

A precarização das relações de trabalho é nefasta à sociedade, pois não dá segurança previdenciária ao trabalhador, reduz o valor das empresas em função dos seus passivos adquiridos ao longo de anos com contratação de modelos alternativos, diminui a arrecadação da previdência social e desorganiza a equidade concorrencial, pois o que se aplica como contratação laboral não necessariamente é o correto e legal.

Impor regras não condizentes com a realidade, sem debate e de maneira autoritária é algo a ser rechaçado justamente por esses motivos. Olhar para as estruturas de Estado, avaliá-las sem paixão e tomar decisões no sentido de uma racionalidade administrativa/financeira é um bom caminho e uma sinalização clara da busca necessária pelo equilíbrio econômico-financeiro entre receita e despesas. Enquanto a avaliação e as ações forem de impor ao setor produtivo obrigações maiores às atuais sem uma clara perspectiva de solução, terá resistências e enfrentamentos que poderiam ser evitados.

 

 

 

 

Por Sergio Sgobbi, graduado em Ciências Sociais e Administração,foi consultor em gestão empresarial para micro e pequenas empresas para o SEBRAE/SP e facilitador de cursos nas áreas de RH e Gestão Estratégica de Negócios. É diretor de relações institucionais da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e de Tecnologias Digitais (Brasscom).

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