A tendência é a radicalização extremista dessas posições (…) a extrema esquerda e a extrema direita ficam cada vez mais próximas. O mundo se nazifica. Escreve Jonas Rabinovitch.
01/02/2024 07:29
“Alguns argumentam que o Qatar estaria enviando bilhões para universidades americanas para influenciar essa maneira de pensar”
As batalhas antigas eram curiosas: os soldados tinham uniformes coloridos e galantes, alguns tocavam tambor ou corneta, outros seguravam bandeiras. As tropas se alinhavam no campo de batalha vendo o inimigo. Ao receber ordens, atacavam. A guerra era transparente e sangrenta. Hoje, a guerra ainda é sangrenta, mas perdeu sua transparência. A Terceira Guerra Mundial, por exemplo, já existe, mas é gradual, hipócrita e indireta. Em um mundo globalizado e altamente conectado, conflitos mundiais são a regra, não a exceção. Muitos historiadores confirmam que a Segunda Guerra Mundial foi uma continuação da Primeira, depois de um intervalo de 20 anos. A Primeira Guerra Mundial foi causada pela competição por mercados, expansionismo e nacionalismo; a Segunda Guerra Mundial adicionou três fatores: o nazifascismo, o comunismo e as democracias ocidentais. O comunismo da União Soviética acabou se unindo ao capitalismo americano e europeu para derrotar um mundo nazifascista.
A Terceira Guerra Mundial parece misturar todos os elementos anteriores, com uma grande diferença: não é mais uma guerra entre países, mas entre visões de mundo diferentes. E cada uma delas necessita expandir-se por razões econômicas, todas com o mesmo objetivo: poder. Se a Segunda Guerra Mundial estabeleceu a hegemonia da chamada “civilização ocidental”, a Terceira Guerra Mundial combate isso. E há estratégias inteligentes e financiamentos por trás disso. O mundo parece estar multipolarizado entre pelo menos 4 grupos: 1) civilização ocidental (EUA, Europa, Canadá, Austrália etc.); 2) capitalismos autoritários (China, Rússia); 3) islamismo e seus conflitos internos: sunita x xiita, extremistas x moderados etc.; 4) mercados em países emergentes (África, América Latina, Ásia e Pacífico) oscilando entre “esquerda” e “direita” e vários níveis de repressão ou liberdade.
Nas últimas décadas tivemos uma gradual, visceral e inútil polarização entre “esquerda” e “direita” dividindo o mundo.
Por incrível que pareça, depois da Segunda Guerra em 1945, da queda do muro de Berlim em 1989, do fim da União Soviética em 1991, foi necessário que o economista Milei, presidente da Argentina, fosse em janeiro de 2024 ao Fórum Econômico Mundial em Davos para defender o capitalismo! Notem que o mundo nunca teve outro modelo econômico produtivo que funcione. Gostem ou não do Milei, isso é fato: o capitalismo retirou 90% da população mundial da pobreza extrema. Milei evitou os rótulos “esquerda” e “direita” e preferiu ressaltar o contraste entre o “coletivismo”, onde os meios de produção têm grande controle estatal como China, Rússia e vários países emergentes e o “libertarianismo” do ocidente com economias de mercado livres. Países livres são 12 vezes mais ricos que países reprimidos. Reparem que nos países livres a riqueza se socializa, enquanto nos países reprimidos a riqueza se concentra nas mãos de poucos e vai parar em contas secretas.
Chamem de “choque de civilizações” ou de “guerra fria”, essa rivalidade global continua cada vez mais quente. Há uma aceleração de conflitos que fazem parte do mesmo processo: a invasão da Ucrânia pela Rússia desafiando a OTAN; o bárbaro ataque do grupo terrorista Hamas a Israel, aparentemente motivado por uma tentativa de paz de Israel com a Arábia Saudita; a guerra em Gaza; os ataques do grupo terrorista Hezbollah financiados pelo Irã ao norte de Israel; os recentes ataques de mísseis e drones feitos por rebeldes Houthi baseados no Iêmen, também apoiados pelo Irã, aterrorizando a navegação mundial; a formação de uma frota com dez países organizada pelos EUA para atacar os Houthis no Iêmen; mais de 130 ataques feitos pelo Irã a bases americanas no Iraque desde outubro de 2023.
Esses conflitos armados refletem uma aceleração de disputas geopolíticas: a competição interdependente entre as economias americana e chinesa, a expansão do “capitalismo autoritário” da China e Rússia em busca de novos mercados, a rivalidade entre o Irã de orientação xiita e a Arábia Saudita de orientação sunita disputando a hegemonia islâmica e mundial, o extremismo islâmico do Irã contra os valores do ocidente, entre outros. O fato é que durante disputas internacionais ações de empresas de defesa e segurança cibernética valorizam. Na segunda-feira, após o ataque do Hamas contra Israel no dia de 7 de outubro, as ações das companhias Lockheed Martin, RTX Corporation, Northrop Grumman e General Dynamics experimentaram aumentos significativos nos preços de suas ações. Não há paz mundial que resista a uma indústria bélica global que movimenta US$ 2 trilhões por ano e emprega centenas de milhões de pessoas. O maior empregador do mundo não é a Apple, Walmart, McDonald’s ou Coca-Cola, mas o Ministério de Defesa da Índia, que emprega quase 3 milhões de pessoas, seguido de perto pelo Departamento de Defesa Americano e pelo Exército Comunista Chinês.
Mas, semanticamente, a “democracia” venceu. Um dos países mais fechados do mundo, a Coreia do Norte, se chama “República Popular Democrática da Coreia”. A Algéria, Congo, Cuba, Etiópia, Laos, Nepal, Venezuela e outros não são reconhecidos como democracias, mas se chamam de democracias. Ao comentar a Venezuela, o presidente Lula disse que o “conceito de democracia é relativo”. Ele também disse que “tem orgulho em ser chamado de comunista” e “feliz por ter colocado um ministro comunista no STF”. Vemos que o próprio conceito de democracia e nacionalismo não são mais definidos por fronteiras nacionais, mas por uma cartilha de fidelidades ideológicas internacionais.
O grande desafio é implantar um programa de governo eficaz que seja democrático e comunista ao mesmo tempo. Só que isso nunca aconteceu na prática em nenhum lugar do mundo. Comunismo e democracia sempre foram incompatíveis. Detesto rótulos, mas nas últimas décadas tivemos uma gradual, visceral e inútil polarização entre “esquerda” e “direita” dividindo o mundo. Por mais inútil que seja, essa polarização acaba definindo políticas públicas bilionárias que afetam a vida de milhões de pessoas. Como sempre, há ganhadores e perdedores.
No Brasil, por exemplo, polariza-se tudo: vacina contra Covid, agronegócio, estatais, sentenças jurídicas, destino de traficantes e terroristas internacionais, liberdade temporária para presos que escapam e matam, até iniciativas contra a corrupção. Mas a partir do instante em que essa polarização atinge a mídia e as universidades, então não há mais polarização, mas talvez um caminho sem volta para uma unanimidade pouco inteligente. Que “diversidade” é essa que favorece uma maneira única de pensar? Isso é totalitarismo, não democracia.
Imitando o ministro de Propaganda de Hitler, Joseph Goebbels, as narrativas são repetidas até virarem verdade. Por exemplo, acusar alguém ou um país de genocida virou moda. Em 1948, a Convenção das Nações Unidas sobre Genocídio definiu 5 indicadores concretos para definir genocídio. Qualquer pessoa que use a palavra “genocida” sem compreender isso, demonstra ignorância e preconceito. Segundo esse critério – o único existente – uma lista com pelo menos 50 genocídios na história já foi documentada. O maior foi o Holocausto, uma palavra em grego que significa “sacrifício pelo fogo”. Foi o extermínio sistêmico de 6 milhões de judeus pela Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial. Só para entendermos a escala: se na final do campeonato brasileiro fizessem um minuto de silêncio para cada vítima, o jogo só começaria onze anos depois.
No dia 7 de outubro de 2023 tivemos um segundo holocausto em Israel. Há provas concretas, inclusive vídeos feitos pelos próprios terroristas do Hamas mostrando decapitações, assassinatos de bebês, estupros, e mais de 200 civis inocentes levados como reféns para Gaza, inclusive crianças. Qual a resposta de boa parte da humanidade? Silêncio e cumplicidade. Os movimentos feministas fizeram vista grossa para os estupros selvagens. Psicanalistas e cientistas sociais que já escreveram muito sobre o Holocausto, dissecando as raízes do mal, agora estão mudos. A África do Sul se transformou em braço legal do grupo terrorista Hamas e acusou Israel de “genocida” na Corte Internacional de Justiça, tendo sido vergonhosamente apoiada até pelo Brasil e por cerca de 15 outros países, quase todos ditaduras.
Nos meios acadêmicos é bom falar mal da “direita”. Falar mal da “esquerda” é proibido. Por quê? Acadêmicos se sentem bem criticando uma ditadura de direita. Mas já que a esquerda, por razões geopolíticas, resolveu apoiar os terroristas do Hamas, a produção acadêmica parece ter decidido relativizar o mal ou ficar em silêncio. A cartilha da esquerda, por definição, antagoniza os EUA e Israel, vistos como “capitalistas”. A China exerce um capitalismo autoritário de Estado, mas é bem aceita pela “esquerda” porque se define como “comunista”. A mídia reflete o mesmo fenômeno. E tem sido assim por várias décadas após a Segunda Guerra. A “esquerda” se mostra hipocritamente como “defensora de fracos e oprimidos” e isso atrai seguidores ignorantes.
Recentemente, as universidades de Harvard, MIT, Penn, Columbia etc. fizeram demonstrações a favor do Hamas – um grupo genocida (esse sim), antissemita, machista e terrorista. Alguns argumentam que o Qatar estaria enviando bilhões para universidades americanas para influenciar essa maneira de pensar. Ou seja, a Terceira Guerra Mundial também acontece pela exportação proselitista de uma visão de mundo. A tendência é a radicalização extremista dessas posições segundo a “teoria da ferradura”: a extrema esquerda e a extrema direita ficam cada vez mais próximas. O mundo se nazifica. A memória de 75 milhões de mortos na Segunda Guerra se banaliza. Quando um jornalista perguntou a Einstein quais seriam as armas usadas na Terceira Guerra Mundial ele respondeu: “Na Terceira Guerra Mundial eu não sei. Mas na Quarta serão paus e pedras.”
Por Jonas Rabinovitch é arquiteto urbanista com 30 anos de experiência como Conselheiro Sênior em inovação, gestão pública e desenvolvimento urbano na ONU em Nova York.