Na cultura política machista, as mulheres que ousam transitar nesses territórios de poder são sempre focos de ataques cruéis do machismo estrutural. Escreve Suelme Fernandes
07/02/2024 23:58
“Da Nova República até hoje, Mato Grosso teve sete primeiras-damas, falaremos rapidamente sobre elas”
As quatro primeiras, esposas dos ex-governadores do período de 1982-2010: Julio Campos- Isabel Campos, Carlos Bezerra – Teté Bezerra, Jaime Campos -Lucimar Sacre de Campos, Dante de Oliveira -Telma de Oliveira, Blairo Maggi- Terezinha Maggi, Silval Barbosa com Roseli Barbosa assumiram postos nos governos como manda a tradição política na área de assistência social.
De uma maneira geral, todas essas primeiras-damas foram muito discretas nas opiniões e discussões políticas tomadas pelos maridos, dedicadas mais ao colunismo social, cerimoniais e as agendas de solidariedade e assistência social.
A sua maneira é característica pessoal, todas elas deixaram um grande trabalho social, seja através da Fundação de Promoção Social de Mato Grosso- PROSOL, na LBA Legião Brasileira de Assistência (1942-1995) e na Liga de Amigas das Primeiras-damas, espécie de entidades filantrópicas paraestatais.
Em 2003, com Terezinha Maggi, essas entidades se transformaram na Secretaria de Trabalho Emprego e Assistência Social ganhando relevância política.
O trabalho no social foi tão forte que três das sete primeiras-damas desse período seguiram carreira política solo depois que deixaram os governos.
Teté Bezerra foi deputada estadual; Lucimar S. Campos foi prefeita de Várzea Grande e Telma de Oliveira virou deputada federal por duas vezes e prefeita de Chapada dos Guimarães.
As esposas dos dois últimos governadores não quiseram assumir a Secretaria de Estado de Assistência Social, Samira Martins no governo Pedro Taques e Virgínia Mendes com Mauro Mendes.
Virgínia Mendes preferiu criar a Unidade de Ações Sociais e Atenção à Família (Unaf) onde ela atua voluntariamente. Assim como atuou fortemente na prefeitura de Cuiabá.
Por seu protagonismo e articulação política posicionou Mato Grosso no centro das discussões globais sobre sustentabilidade, na COP 28 em Dubai, nos Emirados Árabes, assumindo lugar de destaque na mídia internacional como representante das mulheres dos estados subnacionais da região Centro-Oeste do Brasil.
Desde a entrada de Mauro Mendes na política como candidato a prefeito de Cuiabá em 2008, Virginia Mendes sempre foi vista em todas as rodas mais importantes de decisão política de Mato Grosso sentada ao lado de Mauro Mendes, tendo voz e vez nas reuniões, como nunca nenhuma outra esposa de político jamais atreveu-se a fazer.
O universo político machista foi aos poucos aceitando e se acostumando com a presença de Virgínia nas principais rodas e decisões da política que envolvia indiretamente os destinos de sua família.
Em vários momentos importantes da história política recente de Mato Grosso o casal anunciou a decisão dos Mendes juntos e de mãos dadas: Na decisão da candidatura de prefeito de 2008; De governador de Mauro Mendes em 2010; De prefeito de Cuiabá em 2012 e depois novamente para governador em 2018 e 2020.
Mauro Mendes sempre deixou muito claro publicamente que a decisão dele passava em última instância por sua esposa e sua família.
Ao contrário dos que diziam alguns críticos, essa parceria com sua esposa, só fortaleceu e muito a imagem de Mauro Mendes, como um político diferente que preza a família e isso muito antes de Bolsonaro construir sua plataforma eleitoral com esses valores.
Na cultura política machista, as mulheres que ousam transitar nesses territórios de poder são sempre focos de ataques cruéis do machismo estrutural.
Por isso, as primeiras-damas são excessivamente elogiadas quando praticam ações sociais, mas muito criticadas ou ignoradas quando se posicionam nos espaços de poder. É desafiador esse lugar para qualquer mulher.
A presença de Virgínia Mendes nas rodas de homens poderosos nunca foi apenas figurativa, sempre teve uma participação ativa, opinando, fazendo análises e cobrando lealdade nos acordos, surpreendendo sempre a todos pela franqueza e coragem.
Virgínia não se contentou em ser apenas a anfitriã da casa do governador definindo cardápios de convescotes com taileurs da moda, por mais que assim o faça, preferiu tornar-se uma grande mulher líder política no Estado ao lado do Governador, seu marido.
Mostrou-se diferente não só na política, mas também na área social, ao invés dos gabinetes luxuosos de primeira-dama, preferiu estar na ponta, junto com as pessoas mais humildes, andou nos lixões, nas aldeias indígenas, nos quilombolas, em lugares onde nenhuma outra primeira-dama tinha pisado antes, viu de perto a fome e a pobreza e soube estender a mão para ajudar através de seu empenho pessoal e de políticas públicas.
Por intermédio de Virgínia Mendes, a área social do Governo teve nos últimos anos o maior orçamento de sua história, além de outras ações que a fortaleceram muito como líder política principalmente entre os mais humildes e mulheres.
O programa social idealizado por ela, denominado “Ser Família” tornou-se no maior investimento per capta de transferências de renda do Brasil, depois do Bolsa Família.
E mais, ainda atuou ativamente na implementação do plantão de atendimento 24 horas para vítimas de violência doméstica que estava há 10 anos parada na gaveta do Governo.
Idealizou o projeto referência nacional “SER Família Mulher” que é executado pela SETASC e que oferece auxílio moradia a mulheres em situação de violência doméstica.
Na semana passada, sob sua influência política foi criada a Superintendência de Políticas Públicas para as Mulheres na Secretaria de Assistência Social e Cidadania SETASC, sob a gestão de Grasielle Bugalho e a Coordenadoria de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher e Vulneráveis na Polícia Judiciária Civil (PJC-SESP). Instituições importantes no combate a violência doméstica contra mulheres.
Num ato político de filiação, ano passado, Virgínia espantou a todos por sua força política, quando filiou mais de 4 mil mulheres no UB, União Brasil. Nesse ato, Virginia Mendes emocionou os presentes quando revelou em público pela primeira vez, sua comovente história pessoal.
Contou sobre sua adoção e sua infância pobre e afirmou que não tinha remorso de sua mãe biológica por ter sido abandonada, porque a mesma, ao invés de fazer um aborto por causa da gravidez indesejada, preferiu dar à luz e doar a criança para outra família criar.
Disse de maneira emocionada que se isso não tivesse ocorrido, talvez ela não teria tido o direito de nascer e estar ali e muito menos de ter se tornado uma primeira-dama de Mato Grosso.
E que sua mãe do coração, Dona Eurídice, uma mulher simples, trabalhadora da zona rural que lhe criou, lhe ensinou algo muito importante, muito mais que alcançar o poder, que devemos sempre lembrar de nossas origens e ajudar outras pessoas, outras filhas de Eurídice que nascem todos os dias órfãs na pobreza, para que outras Virgínias anônimas, também possam ter o direito de nascer e sonhar em um dia vencer na vida!
Acredito que o espaço ocupado por Virgínia Mendes, está muito além da sua imposição enquanto mulher do governador que diz o que pensa, ou de empresária bem-sucedida, num espaço tradicionalmente de poder masculino.
Sua força, resiliência de saúde e liderança política está intimamente ligada a essa trajetória peculiar de superação de vida, esse propósito maior que comove e conecta as pessoas e sobretudo por sua causa inabalável de amor fraternal aqueles que mais precisam.
Por Suelme Fernandes, analista político e historiador.