A decisão de explorar a margem equatorial já foi tomada pela Guiana; ao Brasil resta somente decidir se irá participar. Escreve Adolfo Sachsida.
16/02/2024 06:11
“Caso o Brasil se recuse, as empresas de petróleo irão para a Guiana e irão explorar a Margem Equatorial de lá”
O governo federal, em sua política econômica, fortaleceu o papel do Estado como indutor do desenvolvimento. Em palavras simples, está usando o gasto público como variável chave de sua aposta de crescimento econômico. Ao gastar mais, o governo se obriga automaticamente a ter que arrecadar mais para manter a situação fiscal sob controle. A expansão atual do gasto público demanda que o governo federal aumente sua arrecadação em aproximadamente R$ 150 bilhões no ano que vem. Exatamente para obter essa arrecadação extra que vemos tantos projetos de lei sobre aumentos de tributação sendo enviados ao legislativo e tantas visitas sendo feitas ao STF (no caso de processos tributários com interesse arrecadatório para a União).
Atualmente a carga tributária brasileira encontra-se próxima de 33% do PIB. Carga essa elevada pelo padrão dos serviços oferecidos em contrapartida para a população, e igualmente elevada quando comparada a outros países em desenvolvimento. Em resumo, a tributação no Brasil é elevada e de baixo retorno. Quando o governo tenta elevar ainda mais essa carga tributária por meio de aumento de tributos, nos deparamos com duas considerações importantes: 1) a qualidade dos serviços irá aumentar?; e 2) qual será o efeito sobre o crescimento da economia? Me parece pouco provável que alguém aposte na melhora da qualidade dos serviços públicos, tanto é que esse tema sequer é citado nos argumentos para o aumento dos tributos. A pergunta 2 abordamos abaixo.
Toda vez que ocorre um aumento de tributos, o peso morto por ele gerado aumenta, isso quer dizer que a eficiência da economia é reduzida. A redução da eficiência gera uma redução no crescimento econômico. Isto é, não é possível ao governo ficar elevando demais a tributação. Aumentar a já elevada carga tributária brasileira terá consequências negativas sobre o crescimento. O efeito negativo que a tributação elevada exerce sobre a produtividade costuma ser danoso para o crescimento de longo prazo de um país. Mas então, dado que o governo federal decidiu aumentar de maneira expressiva o gasto público, qual a solução para as contas públicas? Como gerar arrecadação sem prejudicar a economia? Como aumentar a arrecadação para pagar o aumento de gasto público sem aumentar tributos? Sugiro abaixo três maneiras que podem ajudar ao menos no curto prazo.
A “mágica” aqui está em usar um truque econômico: toda vez que reduzirmos uma ineficiência alocativa, a arrecadação irá aumentar sem que seja necessário aumentar tributos. Esse aumento da arrecadação, ao contrário do aumento puro e simples de impostos, provém de uma redução na ineficiência, o que por sua vez aumenta a produtividade da economia, dinamizando o crescimento econômico, o investimento privado e gerando emprego e renda para a sociedade.
A primeira solução é criar uma força tarefa no governo federal para liberar a exploração da Margem Equatorial. Atenção: a decisão de explorar a margem equatorial já foi tomada pela Guiana; ao Brasil resta somente decidir se irá participar dessa oportunidade ou não. Caso o Brasil se recuse, as empresas de petróleo irão para a Guiana (como aliás já acontece) e irão explorar a Margem Equatorial de lá. A liberação para a exploração da Margem Equatorial traria bilhões de dólares em investimentos privados ao Brasil. As empresas pagariam ao governo federal bilhões de dólares tanto pelas concessões como em royalties de petróleo. Ou seja, o governo teria um alívio das contas públicas tanto no curto prazo (recebimento de valores referentes as concessões para exploração) como no longo prazo (fluxo contínuo de recebimento de royalties de petróleo). Notem que essa solução aumenta a arrecadação do governo sem aumentar tributos. O aumento vem da permissão de exploração de petróleo em uma área em que hoje isso não é permitido. Isto é, o aumento da arrecadação tem origem numa melhora da eficiência alocativa, o que em si além de gerar aumento de arrecadação gera também crescimento econômico.
A segunda solução refere-se a venda dos recebíveis da PPSA. Essa solução já tem projeto de lei pronto (PL 1583/22), e um esforço concentrado do governo pode viabilizar a aprovação desse projeto de lei ainda esse ano. O valor total da venda dos recebíveis, que deve girar acima de R$ 100 bilhões, poderia ser compartilhada com estados e municípios nos mesmos moldes que foi feita a cessão onerosa dos excedentes do pré-sal em 2019. Por exemplo, 25% dos recursos poderiam ser destinados a municípios, 25% a estados, e o 50% restante ficaria com a União. Isso abasteceria o caixa tanto do governo federal como de governos estaduais e municipais, ajudando a manter a dívida pública sob controle num ano que tem tudo para ser muito difícil. Afinal, como já disse antes, o ano de 2024 tem desafios e riscos elevados tanto para o Brasil como para a maioria dos países desenvolvidos.
A terceira solução refere-se à abertura total do mercado de energia elétrica. É possível abrir totalmente o mercado de energia elétrica a partir de 2028. Com essa sinalização, veríamos uma série importante de ajustes sendo feitos no mercado de energia que resultariam em mais competição, mais eficiência, e preços mais competitivos para todos. Energia é um insumo básico no processo de produção, a simples sinalização de abertura do mercado poderia ter impactos benéficos mesmo no curtíssimo prazo via melhorias regulatórias e aumento dos investimentos no setor. Energia mais barata significa mais produção, mais investimentos, mais empregos, mais renda e mais arrecadação para o governo.
Enfim, é necessário deslocar a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda para passar um pente fino em todos os projetos de receitas extraordinárias (que não envolvam o aumento puro e simples de tributos) e em projetos de melhorias de eficiência alocativa. A chance de bons resultados nessa iniciativa vale o esforço.
Por Adolfo Sachsida possui doutorado em Economia pela Universidade de Brasília (2000), e pós-doutorado na Universidade do Alabama (2005). Também é advogado. Foi ministro de Minas e Energia no período maio a dezembro de 2022 e secretário de Política Econômica, no Ministério da Economia, no período janeiro de 2019 a abril de 2022. Tem experiência nas áreas de macroeconomia, política econômica, política energética e política mineral.