Opinião – As 10 faces diferentes da censura

O futuro e a história são incensuráveis”. Porém, ainda que temporariamente, a censura não é aceitável em um Estado de Direito. Escreve Luan Sperandio.

07/03/2024 05:35

Imagem ilustrativa.

A liberdade de expressão, um dos pilares mais preciosos das sociedades democráticas, está constantemente ameaçada por diversas formas de censura que corroem a diversidade de pensamento e tolhem o progresso. Em um mundo onde a troca livre de ideias é fundamental para o crescimento e a evolução, é imperativo compreender os dez tipos distintos de censura que minam a “mãe de todas as liberdades”, nas palavras de um dos pais fundadores dos Estados Unidos, Benjamin Franklin. Abaixo, estão 10 faces diferentes da censura.

1. Censura governamental: Em muitos cantos do globo, governos autoritários manipulam informações para controlar as narrativas e inibir o questionamento. É a forma de censura mais clássica, e geralmente, quando utilizada, contribui para o crescimento de abusos de poder por parte dos governantes.

2. Autocensura: O receio de consequências adversas pode levar indivíduos a silenciar suas próprias opiniões. A partir de 2006 na Venezuela, por exemplo, o regime de Hugo Chávez tornou-se mais repressivo. O governo iniciou os ataques a veículos de comunicação críticos ao governo. Algumas das mídias, acuadas, praticaram a autocensura. A Venevisión, anteriormente considerada como pró-oposição, mal cobriu a oposição durante a eleição de 2006, dando ao presidente Chávez 84% do tempo de cobertura — quase cinco vezes mais do que aos seus rivais —, o que contribuiu para sua vitória. Posteriormente, a emissora decidiu interromper as coberturas políticas e optou por programações de entretenimento. Entender esse fenômeno ajuda a criar ambientes seguros onde todos possam contribuir com suas perspectivas únicas e enriquecer o diálogo público.

3. Censura de mídia: Uma imprensa livre é essencial para manter os governos responsáveis e informar o público e cumpre seu papel de ser “o quarto poder”. Governos autocráticos buscam justamente mitigar a liberdade da imprensa. Também na Venezuela, a Globovisión era um dos veículos mais contrários ao governo de Chávez. O governo acusou Guillermo Zuloaga de irregularidades financeiras e este foi obrigado a fugir do país para não ser preso. Sob intensa pressão, vendeu o veículo a valores descontados para um simpatizante do governo, que alterou o editorial jornalístico que tornou-se favorável ao regime. Compreender como a censura de mídia ocorre é necessário para melhor defender a integridade jornalística e garantir a circulação de informações verdadeiras.

4. Censura religiosa: A maior pauta de quem apreciava liberdade no século XVII, que tem como grande expoente o filósofo inglês John Locke, era a separação entre Estado e igreja para possibilitar liberdade de pensamento e crença, além de tolerância religiosa. Desde então, a liberdade de crença se consolidou gradativamente no Ocidente, mas atualmente ainda há dezenas de países em que preconceitos e discriminações religiosas se transformam em políticas de Estado graças à força e ao aparato estatal. Segundo o relatório anual do World Watch List, cerca de 3 mil praticantes do cristianismo foram mortos e mais de 700 igrejas são depredadas por ano em países cujos governantes buscam censurar a religião de opositores políticos.

5. Censura corporativa: A censura nem sempre parte do Estado. É comum empresas exercerem controle sobre informações, opiniões ou conteúdos de diversas formas, a fim de promover seus próprios interesses, proteger sua imagem ou evitar críticas negativas. Isso pode ocorrer em várias situações, como na mídia, nas redes sociais, em publicações, em filmes ou em outras formas de comunicação. Em geral, são utilizadas técnicas de controle de informações, censura de funcionários, patrocínios e financiamentos condicionais a projetos e filtragem de conteúdos on-line. A censura corporativa levanta preocupações sobre a liberdade de expressão, a transparência e a integridade das informações disponíveis ao público, pois pode impactar a diversidade de vozes e perspectivas no discurso público e influenciar a forma como as pessoas compreendem o mundo ao seu redor.

6. Censura de livros e literatura: A proibição de livros limita o acesso a ideias desafiadoras e restringe o potencial de aprendizado. Um exemplo clássico se deu pelo “Index Librorum Prohibitorum”, que consistiu em uma relação de publicações consideradas como heresias, anticlericais ou que colidiram com os dogmas da Igreja Católica. Ele surgiu em 1559, pelo Papa Paulo IV, e teve fim somente em 1966, pelo Papa Paulo VI. Conhecer essa forma de censura é essencial para salvaguardar a liberdade intelectual e a busca por conhecimento.

7. Censura na Internet: O bloqueio e a filtragem na internet prejudicam o acesso à informação global. O país com mais censuras à Internet é a Coreia do Norte. No regime, somente uma pequena minoria é autorizada a acessar uma rede de intranet administrada e monitorada pelo governo, e uma parcela ainda menor, composta somente de autoridades e seus familiares, possui acesso à internet, tornando o país com o menor número de usuários do planeta. O controle é tão restrito que a maioria da população norte-coreana sequer sabe da existência da internet.

8. Censura Artística: A supressão da expressão artística limita a liberdade criativa e restringe o diálogo sobre questões sociais e políticas, sendo uma das formas mais clássicas de censura em regimes ditatoriais.

9. Censura política: A repressão à dissidência política silencia a voz dos cidadãos e prejudica a participação ativa na vida política. O AI-5, ao longo da ditadura militar no Brasil, inaugurou a fase mais repressiva dos 21 anos do regime. Somente em seus primeiros dois dias de vigência, presos políticos processados nas auditorias da Justiça Militar denunciaram mais de 2.200 casos de tortura. Foram punidas, com perda de direitos políticos, cassação de mandato, aposentadoria e demissão, 4.841 pessoas —513 deputados, senadores e vereadores perderam os mandatos. Entender essa forma de censura é essencial para defender a democracia, Estado de Direito e assegurar que todos tenham a oportunidade de se envolver no processo político.

10. Censura Cultural: A censura de elementos culturais limita a diversidade cultural e impede a compreensão intercultural. Conhecer essa forma de censura permite celebrar e respeitar a riqueza de diferentes tradições e identidades. Um exemplo histórico significativo de censura cultural é a “Queima de Livros” que ocorreu na China durante a dinastia Qin (221-206 a.C.). O primeiro imperador da China unificada, Qin Shi Huang, ordenou a supressão de obras literárias e filosóficas que ele considerava ameaçadoras ao seu regime e à sua visão de governo centralizado. Nessa campanha de censura, muitos textos clássicos foram destruídos e inúmeros estudiosos e intelectuais foram perseguidos. O objetivo era eliminar ideias que pudessem questionar ou desafiar a autoridade do imperador, bem como promover uma forma de pensamento que apoiasse o governo centralizado e a unificação do império. Essa censura cultural teve um impacto profundo no desenvolvimento intelectual da China na época, influenciando a direção da filosofia, da literatura e do pensamento político.

Considerações finais

O ex-presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães, dizia que “A verdade poderá ser temporariamente ocultada, nunca destruída. O futuro e a história são incensuráveis”. Porém, ainda que temporariamente, a censura não é aceitável em um Estado de Direito. Ao identificar e compreender as diferentes faces da censura, a sociedade se prepara melhor para enfrentar tentativas de censura, ainda que temporariamente, e defender a liberdade de expressão.

 

 

 

 

Publicado em 29/02/2024 por , Luan Sperandio, é analista político, colunista de Folha Business. Foi eleito Top Global Leader do Students for Liberty em 2017 e é associado do Instituto Líderes do Amanhã. É ainda Diretor de Operações da Rede Liberdade, Conselheiro da Ranking dos Políticos e Conselheiro Consultivo do Instituto Liberal.

Tags: