Se não aceitarem discutir uma solução própria para a regulação das redes sociais, os parlamentares vão deixar a questão para o STF legislar. Escreve Diogo Schelp.
10/04/2024 07:19
“O melhor caminho para combater a desinformação ainda é o da informação, ainda que seja o mais trabalhoso e lento.”
O bilionário Elon Musk acusou o ministro do STF Alexandre de Moraes de censura, ameaçou desobedecer ordens judiciais e pediu sua renúncia ou seu impeachment. Moraes respondeu incluindo Musk no inquérito das milícias digitais sob a acusação de um crime que não existe (“dolosa instrumentalização criminosa”), além de mandar a Polícia Federal investigá-lo por obstrução de justiça. O embate entre Musk e Moraes é briga de cachorro grande e não terá vencedor. Nem Musk vai pra Papuda, nem Moraes vai sair de onde está ou deixar de fazer o que Moraes faz como juiz.
Interessante — e desolador — é o que o embate entre Musk e Moraes revela sobre a pobreza do debate público no Brasil, em especial no que se refere à questão da liberdade de expressão. Poucos protagonistas desse debate conseguem evitar uma visão maniqueísta dos desafios impostos pela tentação de censura judicial. Com honradas exceções, quem é de esquerda defende as ações de Moraes como necessárias para “defender a democracia” e “combater a desinformação da extrema direita”; enquanto a direita bolsonarista se apresenta como única e exclusiva vítima da censura e do autoritarismo, omitindo as tentativas reais de seus líderes de romper com as regras da democracia.
Um olhar mais cético, independente e ponderado pode ser capaz de reconhecer tanto que as redes sociais se tornaram terreno preferencial do jogo sujo do bolsonarismo, quanto os excessos judiciais que resultaram em censura durante a campanha presidencial e que continuam tolhendo o livre mercado de ideias políticas no país. Com seus abusos, o STF e o TSE deixaram de ser respeitados para ser apenas temidos por uma boa parcela da população.
O melhor caminho para combater a desinformação ainda é o da informação, ainda que seja o mais trabalhoso e lento. Suspender perfis de forma sumária ou proibir conteúdos antecipadamente é censura prévia. Exigir que as plataformas forneçam dados pessoais de usuários sem sequer ter uma justificativa legal é violação do direito à privacidade.
O embate entre Musk e Moraes também incentivou um novo ponto de tensão entre Congresso e STF. No Congresso, isso ocorre em duas frentes. Na primeira, parlamentares de oposição querem dar visibilidade ao caso dos arquivos do Twitter para retomar a tentativa de afastar Alexandre de Moraes do cargo. Isso não vai acontecer, pelo menos não com as atuais lideranças das duas casas legislativas. Na segunda frente, tenta-se recolocar para discussão na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei das Fake News, que já foi aprovado no Senado. O relator na Câmara, deputado Orlando Silva, quer que o assunto seja pautado por Arthur Lira, presidente da casa.
Apesar de a oposição se opor ao projeto, trata-se de uma forma de tirar a questão da regulação das redes sociais de um limbo jurídico que dá margem a abusos da Justiça como os que vêm sendo denunciados por Musk e pelos jornalistas, inclusive da Gazeta do Povo, que divulgaram os arquivos do Twitter.
O senador Alessandro Vieira, em janeiro deste ano, disse o seguinte sobre o PL das Fake News, do qual é autor: “É uma regulamentação da ferramenta, não do conteúdo, que segue livre como reza a Constituição, vedando o anonimato, vedando contas falsas, vedando impulsionamento não declarado.”
Se não aceitarem discutir uma solução própria para a regulação das redes sociais, os parlamentares vão deixar a questão para o STF legislar. E é o que já está prestes a acontecer, ainda mais depois do embate entre Musk e Moraes.
Há duas ações no tribunal sobre o assunto. A regra atual, contida no Marco Civil da Internet, é que as empresas na internet só são responsabilizadas se não cumprirem uma decisão judicial de retirar um conteúdo do ar. Alguns ministros do STF querem instaurar o princípio do “dever de cuidado”, que nada mais é do que a obrigação das plataformas de remover por conta própria, de forma preventiva, conteúdos que geram desinformação, discurso de ódio ou ataques à democracia.
Isso, sim, é um perigo, porque cria uma enorme insegurança para as redes sociais, que vão ter que decidir por conta própria o que é fake news, o que é discurso de ódio e o que é ataque à democracia. Obviamente, por medo das consequências, vão pecar pelo excesso de zelo. Isso vai amarrar o discurso público, pois vai restringir não apenas fake news, mas também críticas legítimas. É a censura por atacado.
É preferível que o assunto seja discutido no Congresso, mesmo que a oposição torça o nariz para o texto do senador Vieira, do que deixar para os ministros do STF, que não foram eleitos pelo povo, tomar uma decisão final com repercussão tão séria para o tema da liberdade de expressão no país. O retrospecto não é bom. Recentemente, a corte criou uma jurisprudência que responsabiliza veículos de comunicação por aquilo que seus entrevistados dizem. Um desastre.
Por Diogo Schelp, jornalista, foi editor executivo da revista Veja, onde trabalhou durante 18 anos. Fez reportagens em quase duas dezenas de países e é coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto), finalista do Prêmio Jabuti 2017, e “No Teto do Mundo” (Editora Leya).