Opinião – Haddad versus Pacheco versus Alckmin e o lobby contra a responsabilidade fiscal

Transparência nas “relações governamentais” é essencial para que a sociedade entenda melhor como são formuladas determinadas políticas públicas. Escreve Diogo Schelp.

29/04/2024 15:34

“O problema é que os métodos de convencimento nem sempre são transparentes.”

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco| Foto: Edilson Rodrigues/Senado

O lobby no Congresso age contra ou a favor da responsabilidade fiscal? Na sexta-feira passada, Fernando Haddad, ministro da Fazenda, fez uma crítica a medidas do Legislativo que estão criando problemas para as contas do governo. São medidas como a Proposta de Emenda à Constituição 10/2023, conhecida como “PEC dos Penduricalhos”, que concede um bônus salarial para o Judiciário e Ministério Público a cada cinco anos, e a desoneração da folha de pagamentos de algumas empresas e municípios — que foi suspensa temporariamente depois de o governo recorrer ao STF em uma manobra polêmica. Só com essas medidas, o governo perde dezenas de bilhões de reais por ano em gastos adicionais ou em renúncia fiscal.

Haddad disse o seguinte sobre o impasse: “Ninguém quer retirar a prerrogativa de ninguém. Mas não pode um Poder ficar submetido a regras rígidas, e o outro, não. Se a exigência de equilíbrio fiscal valer só para o Executivo, ele não será alcançado nunca.” Ou seja, ele estava basicamente dizendo que o Parlamento não está tendo responsabilidade fiscal, deixando apenas para o governo o ônus de se preocupar em equilibrar as contas públicas.

Como as duas medidas que estavam sob os holofotes na semana passada tinham nascido ou recebido forte apoio no Senado, o presidente da casa, Rodrigo Pacheco, tomou as dores e respondeu ao ministro, em nota divulgada no sábado. Disse que “uma coisa é ter responsabilidade fiscal, outra bem diferente é exigir do Parlamento adesão integral ao que pensa o Executivo sobre o desenvolvimento do Brasil”. O vice-presidente Geraldo Alckmin colocou sua colher no assunto no dia seguinte, em evento na Agrishow: “A responsabilidade fiscal é um dever de todos (…) e o caminho é o diálogo.”

Até certo ponto, Pacheco havia feito uma crítica correta ao governo Lula, que foca demais ou apenas em aumento de arrecadação de impostos e não em outras medidas para conter o rombo nas contas públicas, como a redução de despesas.

Mas tem outro tópico na fala de Pacheco que merece atenção. É quando ele menciona o que o Executivo ou o Parlamento pensam sobre o desenvolvimento do Brasil. A questão que se coloca é a seguinte: até que ponto medidas como os penduricalhos que inflam o salário de juízes e promotores ou a desoneração da folha de pagamento, que beneficia apenas dezessete setores da economia, contribuem de fato para o desenvolvimento do país? Justifica-se estourar os gastos ou penalizar com impostos trabalhistas altos a maioria das empresas apenas para beneficiar alguns setores (alguém sempre paga a conta da renúncia fiscal) em troca dos supostos benefícios que essas políticas trazem para a economia?

Os argumentos técnicos para medidas como essas são robustos e realmente explicam a necessidade de sua aprovação? Ou será que, na verdade, tudo se resume ao lobby bem sucedido dessas categorias profissionais ou empresariais?

O lobby no Brasil está cada vez mais organizado e sofisticado. Isso é positivo, porque em uma democracia é natural que grupos de empresas, de categorias profissionais e de movimentos sociais façam o trabalho de convencimento de agentes públicos para defender seus interesses. Muitas empresas, por exemplo, estão investindo em departamentos de “relações governamentais” — que, entre outras coisas, fazem circular entre formuladores de políticas públicas as informações que ajudam a influenciar em decisões que as afetam direta ou indiretamente.

O problema é que os métodos de convencimento nem sempre são transparentes. A sociedade precisa saber quem se reuniu com quem, quem forneceu quais informações aos parlamentares, até para entender como certas leis, como a dos penduricalhos salariais, surgem ou como privilégios para alguns setores escolhidos a dedo, como a desoneração da folha de pagamentos, se perpetuam.

O Senado precisa se debruçar sobre o PL 2914/22, que regulamenta o lobby no Brasil. O projeto foi aprovado em 2022 na Câmara dos Deputados depois de 15 anos de discussão. Transparência nas “relações governamentais” é essencial para que a sociedade entenda melhor como são formuladas determinadas políticas públicas, principalmente aquelas com alto impacto sobre a gestão do dinheiro público — o dinheiro dos nossos impostos. São políticas para promover o desenvolvimento do país ou para concentrar benefícios na mão de poucos?

 

 

 

 

Por Diogo Schelp, jornalista, foi editor executivo da revista Veja, onde trabalhou durante 18 anos. Fez reportagens em quase duas dezenas de países e é coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto), finalista do Prêmio Jabuti 2017, e “No Teto do Mundo” (Editora Leya).

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