Opinião – Volta do DPVAT é uma prova de que dinheiro do contribuinte é mal gasto

O DPVAT era um ótimo exemplo da ineficiência e de falta de governança no Brasil. E mesmo assim foi recriado. Escreve Diogo Schelp.

13/05/2024 11:38

“E o dinheiro arrecadado não vai servir apenas para sua finalidade declarada, que é indenizar acidentados”

O Senado aprovou a volta da cobrança do DPVAT| Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Um exemplo de como o poder público no Brasil é eficiente em arrecadar impostos e taxas e ineficiente nos gastos é o seguro DPVAT, que foi ressuscitado por iniciativa do governo Lula e aprovado pelo Senado na semana passada, depois de já ter passado pela Câmara dos Deputados. O Projeto de Lei Complementar (PLP) 233/23 agora vai para sanção presidencial.

O DPVAT foi criado em 1974 com o objetivo de indenizar vítimas de acidentes de trânsito, em caso de morte ou invalidez, e para reembolso de despesas médicas. A ideia em si era boa — ou pelo menos a intenção era boa. O Brasil tem, e ainda tem, um alto índice de mortos e feridos no trânsito. Alguns anos atrás, rivalizava com homicídios como maior causa de mortes violentas no país. Nos últimos anos, houve uma gradual redução nas mortes em acidentes viários, mas o número ainda está na indecente casa das 30.000 vítimas fatais.

O DPVAT (Danos Pessoais por Veículos Automotores Terrestres) obviamente não se propunha a evitar acidentes, mas a promover algum tipo de reparação por suas consequências. A taxa provou-se ineficiente por dois motivos. Primeiro, havia fortes indícios de era um benefício subutilizado. Ou seja, todo dono de veículo pagava a taxa anualmente, mas nem todos os acidentados solicitavam a indenização. Seja por desconhecimento, por falta de divulgação, por esquecimento, por achar que seria muito burocrático ou por considerar o valor da indenização irrisório, muitos acidentados que teriam direito ao pagamento do seguro não o acionavam.

Em 2020, quanto o ex-presidente Jair Bolsonaro acabou com o DPVAT, pagava-se 13.500 reais por morte e por invalidez permanente, e 2.700 para despesas médicas em casos menos graves. Era um dinheiro que podia até ajudar em alguns casos, mas certamente não resolvia a vida de ninguém. Para se ter uma ideia de como o DPVAT era subutilizado, entre 2014 e 2017 houve uma redução de 62% nos pedidos de indenização por invalidez permanente. No mesmo período, porém, o número de acidentes com vítimas não diminuiu na mesma proporção.

O segundo motivo para a ineficiência do DPVAT era a corrupção. Ao longo dos anos, o DPVAT foi administrado diferentes órgãos ou entidades. Quando foi encerrado, estimava-se que cerca de 5 bilhões de reais do seguro obrigatório tinham sido desviados em fraudes ou casos de corrupção. Mais de 40 pessoas foram indiciadas.

O DPVAT, além de ganhar um novo nome (SPVAT – Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidente de Trânsito), renasce com algumas modificações que mostram o DNA arrecadatório do governo Lula. Além de pagar as indenizações por morte e invalidez e as despesas médicas, uma parte do prêmio do seguro vai ser repassado para o SUS (Sistema Único de Saúde) e para o Coordenador do Sistema Nacional de Trânsito. Além disso, prefeituras que têm sistemas de transporte público também vão receber repasses do novo DPVAT.

Ou seja, a taxa obrigatória que os motoristas pagam todo ano com certeza vai ser mais cara do que quando foi extinta, quatro anos atrás. E o dinheiro arrecadado não vai servir apenas para sua finalidade declarada, que é indenizar acidentados. Os motoristas vão passar a sustentar também serviços para os quais eles já contribuem como pagadores de impostos.

O DPVAT era um ótimo exemplo da ineficiência e de falta de governança no Brasil. E mesmo assim foi recriado.

 

 

 

 

Por Diogo Schelp, jornalista, foi editor executivo da revista Veja, onde trabalhou durante 18 anos. Fez reportagens em quase duas dezenas de países e é coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto), finalista do Prêmio Jabuti 2017, e “No Teto do Mundo” (Editora Leya).

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