Opinião – O que explica apoio cada vez menor a Lula em votações na Câmara dos Deputados

Um dos grandes culpados dessa situação é o próprio Lula, que, até agora (…) não entrou ele próprio de cabeça na articulação. Escreve Diogo Schelp.

10/06/2024 11:24

“Os responsáveis pela articulação política de Lula são frequentemente criticados”

Presidente Lula conversa com os presidentes da Câmara, Arthur Lira e do Senado, Rodrigo Pacheco| Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

Dois levantamentos sobre votações nominais da Câmara dos Deputados mostram que o apoio ao governo Lula entre parlamentares, que já não era dos melhores, está em queda livre. Votações nominais são aquelas em que é possível saber como votou cada deputado. Um dos estudos, feito pela consultoria Arko Advice e divulgado no jornal Estadão, revela que, em maio deste ano, 46,47% dos votos na Câmara acompanharam a orientação do governo. É o índice mais baixo desde abril de 2023, quando o apoio foi de 46,39%. Naquela ocasião, Senado e Câmara disputavam o protagonismo no rito de aprovação de medidas provisórias, e isso afetou as votações de interesse do governo.

Curiosamente, o auge de votações favoráveis aos interesses do governo Lula foi em fevereiro deste ano, quando chegou a 70,72%. Ou seja, ocorreu uma queda abrupta no apoio dos deputados às pautas do governo nesses poucos meses.

Em maio, houve um fator que certamente impactou nesse levantamento: a chamada “superterça de vetos”. No dia 28, o Congresso analisou diversos vetos presidenciais, e o governo foi derrotado em quase todos. Isso aconteceu em parte porque muitos deles diziam respeito à pauta dos costumes, ou seja, a temas fortemente associados a posições ideológicas bem definidas, de direita ou de esquerda, como a questão da proibição à saidinha dos presos.

Como era de se esperar, os deputados de partidos de esquerda, em especial PCdoB, Rede e PT são os que mais votam a favor do governo. Na outra ponta, os que mais votam contra são o Novo, o PL e o União Brasil, nesta ordem. Detalhe: o governo tem três ministros indicados pelo União Brasil. É, digamos assim, o partido mais desobediente dentre aqueles que integram o governo.

O outro levantamento foi feito pelo jornal O Globo e aborda justamente a rebeldia de partidos supostamente governistas — aqueles que compõem o que se convencionou chamar de centrão. Os dados, nesse caso, indicam que esses partidos não abrem mão do seu naco no gabinete ministerial, mas estão votando menos este ano segundo a orientação do governo do que faziam no ano passado.

Assim, segundo o jornal do Rio, o PSD, que tem três ministérios, teve uma média de votações com o governo de 74% este ano, contra 86% em 2023. Os deputados do MDB, que também comanda três ministérios, acompanharam o governo em 81% das votações nominais no ano passado. Este ano, o índice caiu para 69%. No caso do PP de Arthur Lira, presidente da Câmara, com um ministro, o apoio caiu de 75% para 65%.

A explicação mais comum para um desempenho ruim do governo em apoios na Câmara ou no Congresso em geral costuma ser a da crise no presidencialismo de coalizão. Esse foi o modelo que norteou a busca por governabilidade no Brasil por mais de duas décadas depois da redemocratização. Consiste em o presidente formar uma coalizão com vários partidos no Congresso por meio da distribuição de cargos em ministérios e emendas para os parlamentares.

Desde o segundo mandato de Dilma Rousseff, esse modelo começou a se esvaziar. Um dos primeiros sinais desse esvaziamento foi que a presidência da Câmara passou a ser ocupada não mais por um político alinhado ao governo e, sim, por lideranças que perseguiam a própria agenda ou do seu grupo político. Esse fenômeno se materializou ao longo dos anos no maior controle do parlamento sobre o orçamento federal.

Para se ter uma ideia, o valor das emendas passou de 10 bilhões de reais em 2014 para 50 bilhões de reais este ano. Isso em valores atualizados. Ou seja, o montante do orçamento que os parlamentares controlam quintuplicou. Com isso, o governo tem menos recursos para barganhar com o Congresso.

Mas existem outros fatores que dificultam a articulação política do governo.

Um deles é a força numérica da oposição. O PT e outros partidos de esquerda só conseguiram uns 25% das cadeiras no Congresso nas eleições de 2022. Já o PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, tem a maior bancada da Câmara dos Deputados, por exemplo. Há situações em que os deputados do PL agem como governistas? Sim, sem dúvida, pois uma ala do partido tem DNA de centrão. E acaba votando com o governo, principalmente em pautas econômicas. Mas é exatamente por isso que a agenda de costumes acaba impactando tanto na queda de apoio às orientações de Lula.

O segundo fator, que tem a ver com o apoio decrescente dos últimos meses, é que este é um ano de eleições municipais e também um ano de campanha para a sucessão na presidência da Câmara e do Senado.

As eleições municipais fazem com que os parlamentares do centrão, que são conhecidos por serem mais fisiológicos e menos definidos do ponto de vista ideológico, fiquem mais sensíveis à repercussão de seus votos nas redes sociais. Eles podem não querer que fique fresco na memória dos eleitores que votaram por pautas consideradas progressistas, por exemplo. Caso contrário, vão ter que se explicar aos eleitores no segundo semestre.

Já a campanha para as presidências na Câmara e no Senado faz com que os atuais mandachuvas dessas casas, que querem indicar seus sucessores, se aproximem mais das numerosas bancadas da oposição e cedam a muitas das suas exigências. Isso impacta nas votações de interesse do governo.

A terceira explicação para as dificuldades do governo no Congresso diz respeito às próprias falhas do governo e dos seus líderes no Senado e na Câmara em negociar e dialogar com os parlamentares, para defender suas posições. Os responsáveis pela articulação política de Lula são frequentemente criticados por ficarem batendo cabeça entre si, por não terem autonomia para cumprir acordos e por serem inflexíveis.

Um dos grandes culpados dessa situação é o próprio Lula, que, até agora, aproximando-se da metade do mandato, ainda não entrou ele próprio de cabeça na articulação com o Congresso. Será que mudaria muita coisa?

 

 

 

 

Por Diogo Schelp, jornalista, foi editor executivo da revista Veja, onde trabalhou durante 18 anos. Fez reportagens em quase duas dezenas de países e é coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto), finalista do Prêmio Jabuti 2017, e “No Teto do Mundo” (Editora Leya).

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