Opinião – A cúpula de paz e o Brasil do lado errado

Enquanto nossos maiores aliados estarão na Suíça, na cúpula pela paz na Ucrânia, estaremos do lado errado da história. Escreve João Alfredo Lopes Nyegray.

17/06/2024 07:03

“as Nações Unidas documentaram mais de 40 mil crimes de guerra cometidos pelos russos”

Em coletiva, Lula acusa ONU de ser “frágil” e diz que Netanyahu que “aniquilar” os palestinos na Faixa de Gaza| Foto: reprodução/Canal Gov

Após mais de dois anos da invasão russa à Ucrânia, o conflito no front europeu parece longe de acabar. Volodymyr Zelensky, o presidente ucraniano cujo mandato acabou — mas que não deve sair do poder porque a situação do país impede a realização de novas eleições — continua contando com o valioso apoio da União Europeia e da Otan. Apesar de alguns pacotes bilionários de apoio a Kiev terem demorado para ser aprovados no congresso estadunidense, a ajuda sempre foi enviada.

Mais recentemente, os EUA e a Ucrânia assinaram um acordo de defesa de dez anos à margem da atual cúpula do G7, iniciada neste 13 de junho na Itália. Nesse acordo, os EUA se comprometem a reforçar a defesa ucraniana contra os invasores russos. Trata-se, indubitavelmente, de mais um passo em direção à entrada da Ucrânia na Otan. No ano passado, o Brasil se recusou a vender blindados para os EUA ao saber que esses itens seriam enviados pelos EUA à Ucrânia, numa transação que poderia nos render bilhões de dólares.

Do outro lado do conflito, Vladimir Putin busca novas armas em uma situação de quase desespero. Drones iranianos e mísseis terra-ar norte coreanos têm feito parte da ofensiva russa, ainda que sejam pouco modernos quando comparados com o equipamento da Otan fornecido a Kiev. Além de armamentos e munições, os russos têm buscado apoio da China, Índia e Brasil — ainda que esse apoio seja apenas retórico. Os indianos dizem adotar uma posição neutra, e o país evita condenar diretamente a Rússia pela invasão. Os chineses não apenas seguem a mesma linha, como também têm criticado várias vezes as sanções ocidentais contra Moscou.

Da mesma forma que a suposta neutralidade indiana e chinesa é entendida como um aceno pró-Rússia, o Brasil também parece — na maior parte do tempo — excessivamente compreensivo em relação a Moscou. O presidente Lula da Silva, em diversas ocasiões, mencionou que tanto a Rússia quanto a Ucrânia têm responsabilidade pelo conflito (como se o lado atacado não pudesse se defender), e sugeriu que os Estados Unidos e a União Europeia também têm culpa por prolongar a guerra ao fornecer armamentos para a Ucrânia.

Essa postura relativizadora da responsabilidade russa ficou ainda mais clara com a resposta brasileira ao convite para participar da cúpula de paz que ocorrerá na Suíça entre 15 e 16 de junho deste ano. A reunião acontecerá após um pedido formal feito pelo presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, ao governo suíço em janeiro. Até agora, mais de 90 países confirmaram sua participação, incluindo os maiores parceiros econômico-comerciais do Brasil.

Convidado a participar, o Brasil chegou a afirmar que qualquer negociação de paz sem a Rússia — o lado agressor — “não teria sentido”. É importante destacar que Lula já estará na Europa nessas datas, pois participa não apenas de uma reunião da Organização Internacional do Trabalho (OIT), mas também como convidado da cúpula do G7 na Itália, nos dias 14 e 15. O Palácio do Planalto confirmou que em 10 de junho o presidente Lula da Silva falou por telefone com Vladimir Putin, supostamente para defender um acordo de paz.

Os suíços anunciaram que a pauta da cúpula de paz incluirá segurança alimentar, segurança nuclear para produção de energia e a libertação ou troca de prisioneiros de guerra. Estarão presentes na cúpula de paz o presidente francês, Emmanuel Macron, o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, e a vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris.

Há que se lembrar que uma das pautas mais antigas da diplomacia brasileira é um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Mesmo insistindo no mesmo assunto há tanto tempo, o país não parece ter nada além de pedidos a oferecer para a comunidade internacional. Ao simpatizar com o lado agressor, o Brasil não apenas ignora a Carta das Nações Unidas como desperdiça a chance de ser um importante mediador no cenário internacional.

Além disso, participar desse tipo de cimeira poderia nos auxiliar a destravar acordos comerciais importantes com a União Europeia — como o acordo de livre comércio Mercosul-UE. Enquanto nossos maiores aliados estarão na Suíça, na cúpula pela paz na Ucrânia, estaremos do lado errado da história. Até agora, as Nações Unidas documentaram mais de 40 mil crimes de guerra cometidos pelos russos. Que nunca nos esqueçamos: silenciar diante do agressor é estar do seu lado.

 

 

 

Por João Alfredo Lopes Nyegray é doutor e mestre em Internacionalização e Estratégia, especialista em Negócios Internacionais, advogado e graduado em Relações Internacionais. É coordenador do curso de Comércio Exterior e do Observatório Global da Universidade Positivo (UP). Instagram: @janyegray

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