Opinião – Nem esquerda nem direita: jornalismo verdadeiro

Há um crescente distanciamento entre o que jornalistas veem e reportam e o que se consolida paulatinamente como fatos ou percepções de suas próprias audiências. Escreve Carlos Alberto di Franco.

24/06/2024 09:55

“Uma coisa é o apoio editorial que pode ser legítimo. Outra, bem diferente, é a militância informativa”

Imagem ilustrativa por Marcio Antonio Campos/Midjourney

Proliferam notícias falsas. Vivemos sob o domínio das narrativas. Mentiras são compartilhadas acriticamente com a compulsão de um clique. Fazem muito estrago. Confundem. Enganam. Desinformam.

Tem muita gente desencantada com o jornalismo e fascinada com as redes sociais. Acham que o jornalismo tradicional deixou de ser um porto seguro. Acreditam, ingenuamente, que a balbúrdia do mundo digital vai resgatar a verdade perdida. Como se as redes fossem um espaço plural que se contrapõe a uma suposta hegemonia da chamada grande imprensa. Não percebem que a internet tende a criar redutos fechados, bolhas impermeáveis ao contraditório, um ambiente embalado ao som do Samba de uma nota só.

A mentira, por óbvio, precisa ser enfrentada. As narrativas ideológicas devem ser desmascaradas com a força dos fatos.  A informação confiável é um grande desafio. O combate às fake news, importante e necessário, não deve justificar censura, limitações abusivas à liberdade de expressão, intimidações, prisões ilegais e arbitrárias.

Quem vai definir o que é ou não fake news? O governo? O Supremo Tribunal Federal? Transferir para o Estado a tutela da liberdade é muito perigoso. Só o Congresso Nacional, com os olhos postos na Constituição, tem legitimidade para estudar assunto tão sensível às liberdades democráticas.

Mas voltemos, amigo leitor, ao nosso tema: o desafio da busca da verdade. A perda de confiança no jornalismo está ligada ao abandono da informação factual e ao avanço do subjetivismo engajado. Quase sem perceber, alguns jornais sucumbem à síndrome da opinião invasiva, do contrabando opinativo na informação. Ganham traços de redes sociais. Nos Estados Unidos o engajamento dos jornais com a candidatura democrata causou imensa corrosão na sua credibilidade. Uma coisa é o apoio editorial que pode ser legítimo. Outra, bem diferente, é a militância informativa.

Precisamos, todos, apostar na qualidade, na ética e na capacidade de ouvir e dialogar. Devemos investir na busca da verdade. Podemos, pessoalmente, ser de esquerda ou de direita. Mas não devemos algemar a verdade. Ela é soberana. Está na essência da nossa missão.

É preciso apostar na informação. Sentir o cheiro da notícia. Persegui-la. Buscar novas fontes e encaixar as peças de um enorme quebra-cabeças para apresentá-lo o mais completo possível. Dentre as competências necessárias para exercer um bom jornalismo, algumas parecem ser inatas e, por mais que se tente aprender, inútil será o esforço. É assim o tal “faro jornalístico”.

Nunca se pôs em xeque o papel essencial do instinto jornalístico. Nem eu pretendo fazê-lo agora. Como já venho reiterando há tempos neste espaço, apenas essa vibração será capaz de devolver a alma que, por vezes, percebo faltar ao trabalho das redações. O que quero é acrescentar um aspecto que julgo importante nesta discussão: na era digital, a intuição pode e deve ser apoiada pelos números. A informação precisa ser bem fundamentada.

A cada dia os acessos digitais aos portais de notícias geram quantidades incríveis de dados sobre o comportamento de nossas audiências, mas ainda não fomos capazes de enxergar o potencial que há por trás dessa montanha de informação desestruturada. Nas redações brasileiras, multiplicam-se as telas coloridas que trazem, minuto a minuto, indicadores e gráficos mirabolantes. Ao fim de um dia de trabalho, qualquer editor está habilitado a responder quais foram as reportagens mais lidas. Mas e depois disso?  Já não basta que definamos nós o que precisam os consumidores de informação. É preciso ouvir o que eles têm a dizer.

O ambiente digital rompeu a comunicação unidirecional que, por muitas décadas, imperou nas redações. O fenômeno das redes sociais estourou a bolha em que se confinavam alguns jornalistas que produziam notícias para muitos, menos para o seu leitor real. Além disso, perdemos o domínio da narrativa. Chegou a hora das pautas com pegada.

Alguns jornalistas da grande mídia, sobretudo na cobertura de política, em nome de suposta independência, têm enveredado excessivamente pelo que eu chamaria de jornalismo de militância. E isso não é legal. Não fortalece a credibilidade e incomoda seus próprios leitores. Na verdade, há um crescente distanciamento entre o que veem e reportam e o que se consolida paulatinamente como fatos ou percepções de suas próprias audiências, posto que a estas foi dado o poder de fazer suas reflexões e até mesmo apurações, facilitadas e potencializadas pela internet.

É necessário perceber, para o bem e para o mal, que perdemos a hegemonia da informação. Impõe-se um jornalismo menos anti e mais propositivo. Precisamos olhar para nossas coberturas e questionar-nos se há valor diferencial naquilo que estamos entregando aos nossos consumidores. Sabendo que, se a resposta for negativa, poucas serão as possibilidades de monetizar nosso conteúdo. Afinal, ninguém pagará pelo que pode encontrar de forma similar e gratuita na rede. O jornalismo precisa recuperar a vibração da vida, o cara a cara, o coração e a alma. O consumidor precisa sentir que o jornal é um parceiro relevante na aventura cotidiana.

 

 

 

Por Carlos Alberto Di Franco é bacharel em Direito, especialista em Jornalismo Brasileiro e Comparado, doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, diretor do programa Estratégias Digitais para Empresas de Mídia do ISE, professor convidado da Faculdade de Comunicação Social Institucional da Pontifícia Universidade da Santa Cruz (Roma), diretor da Di Franco Consultoria em Estratégia de Mídia e consultor de Empresas Informativas.

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