Opinião – A rebeldia amazônica

É possível entregar mais Amazônia e mais PIB à próxima geração. Mas o fabrico do futuro é fruto do planejamento e trabalho de todos, já dizia o amazônida Samuel Benchimol. Escreve Denis Minev.

27/06/2024 06:18

“Está na hora de pensar grande novamente, com apoio internacional”

Foto: Antonio Lacerda/EFE

A Amazônia fervilha com vitalidade humana. A floresta fervilha com vida, o verde aqui cresce mais rápido, com maior diversidade e mais pujante do que em qualquer outro lugar do mundo. Entretanto, não conseguimos fazer essa energia convergir. Desperdiçamos capacidade humana por todos os lados na região, enquanto continuamos a perder cobertura verde. O destino da região reside na canalização da energia que o povo amazônico dispõe em amplitude em conjunto com a pujança da natureza para atividades que tragam prosperidade para a região e além.

Coloque-se no lugar de um jovem amazônico, nascido em alguma cidade secundária à beira de um rio ou uma estrada. O que você vê ao seu redor? Quais as suas possibilidades de emprego ou de empreender?  Você vê muita informalidade.

Comerciários, pedreiros, pescadores, garçons, motoboys, feirantes, dentre outros, sem carteira assinada. Todas profissões honrosas, mas nenhuma delas oferecendo ascensão a um módico de prosperidade, a uma classe média. Todos esses recebendo bolsa família, os mais velhos com aposentadoria rural. O auge tende a ser um emprego público. Se você olha fora da área urbana, vê garimpo em alguns casos, gado em todos os casos, agricultura familiar de subsistência em geral e madeireiras ilegais. Nada promissor. Quanto talento humano mal empregado…

E quando ele decide empreender, de que alternativas ele dispõe? Aqueles com maior energia encontram um pedaço de terra inabitado (há muitos) com floresta. Com alguma ajuda e equipamento emprestado, desmata e, com alguma sorte, se depara com algumas espécies de madeira de bom valor. Ele vende essa madeira, informalmente, para a serraria da cidade (toda cidade tem uma, em geral informal). Pronto, agora ele tem capital de giro e tem um terreno onde fazer mineração.

Chamo de mineração, apesar de que ele vai plantar algum capim, comprar uns bezerros e fazer pecuária, pois na prática ele está minerando os nutrientes do solo que a floresta removida deixou para trás. Inicialmente o capim cresce bem, mas dentro de 2-3 anos, esse terreno será de baixa produtividade, comportando 0,5 cabeças de gado por hectare, o suficiente para viver levemente acima da subsistência. Se ele fizer esse mesmo processo algumas vezes, chegará à classe média. Ele venderá esse gado para o açougue da cidade, que o abaterá no matadouro do município informalmente. Ele será um vilão aos olhos do mundo e da Polícia Federal.

O trabalho necessário para fazer essa história acontecer é enorme e reflete a tenacidade do sonho moderno, onde um jovem esperançoso busca conquistar seu contexto, não como proletário, mas como pequeno burguês. Essa é a essência do sonho amazônico. Esse cenário, que se repete inúmeras vezes na Amazônia, é indesejado pela sociedade como um todo. A Amazônia e o Brasil desejam uma Amazônia próspera mas também conservada. Como fazê-lo?

Tento oferecer algumas respostas. Antes de tudo, com ambição. A última vez que alguém criou uma ambição empolgante para a Amazônia foi nos anos 60, os militares. Milhões de brasileiros se mobilizaram naquela visão, adequada para aquele momento. Mas em 2024, como seria uma visão e ambição adequada para 2030 na Amazônia? Proponho dois ingredientes (de muitos necessários) para debate, com a esperança de que sejam faíscas para um debate mais amplo e possível mobilização nacional.

Primeiro, ciência, tecnologia e inovação. É preciso investir bilhões de forma perene e com paciência. Assim como a EMBRAPA gerou um centro-oeste pujante, o ITA gerou um polo aeroespacial onde não havia nada, o IMPA (Instituto de Matemática Pura e Aplicada) gerou um Fields Medal (prêmio Nobel da matemática) e muitos outros benefícios, o Brasil deve pensar grande através do conhecimento na Amazônia. O Brasil já pensou grande e de forma estratégica no passado, quando criou o proálcool, política de hidrelétricas, Zona Franca de Manaus, desenvolveu Carajás, ocupou Rondônia, dentre outros.

Em todos esses casos mencionados, demorou décadas para que o resultado aparecesse. Está na hora de pensar grande novamente, com apoio internacional. Se os estrangeiros querem contribuir, que seja contribuindo para a expansão do conhecimento e incremento da produtividade na região, em meio a uma conservação próspera e transformadora. Só assim podemos sonhar com um 2040 ou 2050 melhor.

Segundo, um grande programa de utilização de áreas degradadas e de baixa produtividade. São cerca de 70 milhões de hectares desmatados e de baixa produtividade na Amazônia brasileira. Mais que uma França. Um milhão de hectares de piscicultura produziria 2kg de peixe para cada ser humano vivo por ano, cerca de 10% da proteína necessária no mundo.  Sistemas agroflorestais podem desde armazenar carbono a produzir comida e madeira em abundância tão grande que meros 20% dessas áreas, se ocupadas com alta produtividade, tornariam a região rica. Há inúmeras alternativas, mas que só são transformadoras no contexto de uma ambição enorme. Precisamos de políticas, regras e de leis que estimulem investimentos produtivos com impactos positivos no meio ambiente. Seria uma mobilização de guerra contra a baixa produtividade.

É possível entregar mais Amazônia e mais PIB à próxima geração. Mas o fabrico do futuro é fruto do planejamento e trabalho de todos, já dizia o amazônida Samuel Benchimol. Não há mais tempo, florestas, vidas humanas ou produtividade a perder.

 

 

 

 

Por Denis Minev é economista formado pela Universidade Stanford, diretor presidente da Bemol e co-fundador e conselheiro da Fundação Amazonas Sustentável.

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