Opinião – Cuba, a nova ilha chinesa

A espionagem chinesa é uma realidade cuja intensidade e implicações deveriam ser objeto de reflexão. Os governos locais querem interromper isso ou amplificar? Questiona Leonardo Coutinho.

19/07/2024 06:31

Desde que a Venezuela quebrou, Cuba vive pendurada na China como um parasita

Foto: Miguel Díaz-Canel/Reprodução X

O líder cubano Miguel Díaz-Canel postou em sua conta no X uma piada. Pelos menos ele quer que seja uma piada. Trata-se da imagem que ilustra esta coluna. Díaz-Canel publicou uma base de beisebol dizendo ser esta a “base chinesa” em Cuba. O autocrata chistoso quis menosprezar um relatório recente do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), sediado em Washington, D.C., que afirma que a China está por trás de uma série de instalações em construção ou já em operação em Cuba.

O relatório intitulado “Sinais Secretos: Decodificando as Atividades de Inteligência da China em Cuba”, afirma que os chineses estão usando a ilha caribenha como um posto avançado para suas atividades de espionagem no Ocidente. O documento é resultado da análise de várias imagens de satélites que mostram uma sequência de instalações de interceptação de comunicações.

A menos de 160 quilômetros ao sul da Flórida, Cuba é para os adversários dos Estados Unidos o melhor lugar do planeta. Não por acaso, o mundo esteve à beira de uma guerra nuclear quando, em 1962, a então União Soviética desencadeou uma crise com a instalação de mísseis na ilha.

A descoberta de instalações com a capacidade de interceptar as comunicações em Cuba permite à China bisbilhotar uma sequência de informações estratégicas americanas, considerando que somente na Flórida há uma série de bases militares, sedes de comandos, centros de lançamentos de foguetes, grupamentos de forças e espaciais e áreas de testes militares.

O conjunto de imagens de satélite e análises do CSIS indicam que há pelo menos quatro locais ativos em Cuba capazes de realizar operações de vigilância eletrônica. Díaz-Canel faz piada, mas ele sabe muito bem o que está fazendo.

China e Rússia há tempos trabalham para gerar instabilidade no continente americano e até mesmo “exportar” conflitos tentando direcioná-los para a região. O tour recente de navios militares iranianos e russos são os eventos mais evidentes, porém não os únicos.

Putin armou a Venezuela de Hugo Chávez. Tentou fazer o mesmo no governo Dilma Rousseff.

Xi Jinping também conquistou parte do mercado militar venezuelano, mas foi além. Muito além. Ergueu na Argentina uma base colossal. Sob o pretexto de estudar o espaço, fincou no deserto uma antena gigante que tem mil e uma capacidades. Entre as quais a de espionar.

A China nega. Diz que a instalação é de uso civil e que seu uso é exclusivamente científico.

Construída no governo de Cristina Kirchner, sob um arranjo do então embaixador Yang Wanming, que fez fama no Brasil nos tempos de pandemia, a instalação é protegida ao ponto que nem os argentinos podem entrar para inspeções ou sequer fazer uma visitinha.

Díaz-Canel faz piada porque sabe que pode usar do mesmo artifício: negar, negar e negar. “São instalações civis”. “É ciência”. São tantas desculpas. Ele também sabe que há formas alternativas de guerra. E para isso não precisa sequer de um tanque.

Nos tempos de Pablo Escobar, por exemplo, Fidel Castro transformou a ilha de Cuba em um entreposto de cocaína. Ofereceu para ser depósito e ponto logístico para ajudar a droga vinda da Colômbia a chegar nos Estados Unidos. Era uma operação na qual ele ganhava duas vezes. Além do pedágio que cobrava pelo apoio, ele atacou a América por meio do tráfico. Receita que, vinte anos depois, ensinaria a Hugo Chávez. O venezuelano colocou as Forças Armadas de seu país para servir ao tráfico de drogas sob o pretexto moral de que “não era tráfico”, mas um instrumento de guerra assimétrica.

Não estava errado na teoria e prática que repassou para Chávez. O tráfico de drogas é sim um instrumento de guerra assimétrica e se transformou em um dos componentes das guerras híbridas. Apesar disso, cocaína segue sendo cocaína e tráfico segue sendo tráfico.

O uso do tráfico de drogas como política de Estado, ato de guerra e fonte de receitas ensina que Díaz-Canel sabe que não é preciso um quartel, soldados uniformizados, blindados armados e mísseis apontados ao Norte para configurar a presença e ação de seus novos patronos.

Ao ceder seu território como posto avançado para China, o regime cubano dá ao seus aliados chineses a oportunidade de colocar, de maneira ostensiva, seus olhos e ouvidos sobre os Estados Unidos – algo que era feito no varejo, com a infiltração de espiões, instalação de antenas piratas de celular e até o sobrevoo de balões.

Da Patagônia ao Caribe, a espionagem chinesa é uma realidade cuja intensidade e implicações deveriam ser objeto de reflexão. Os governos locais querem interromper isso ou amplificar? Cuba já fez sua escolha.

 

 

 

 

Por Leonardo Coutinho, escreve semanalmente, desde Washington, D.C.

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