O bem comum não chega pela mão de salvadores da pátria. Ele é fruto de um consenso que demanda autoridade, serenidade e capacidade de negociação. Escreve Carlos Alberto di Franco.
23/07/2024 06:05
“Há uma demanda por um estadista com autoridade, serenidade e capacidade de sonhar”
Acredito no Brasil. Aposto na democracia. Considero que o diálogo honesto é sempre o melhor caminho para solucionar conflitos. Só ele é capaz de acomodar as abóboras em meio aos naturais solavancos da carroça política.
Minhas críticas ao ativismo judicial, à politização e aos excessos monocráticos de alguns ministros do Supremo Tribunal Federal são construtivas. Não são e nunca serão um ataque à instituição. Refletem minha convicção da importância inestimável da corte na defesa da Constituição e da segurança jurídica.
Escrevo este artigo num ano desafiador. A temperatura das eleições municipais, um ensaio para o grande embate de 2026, vai sendo marcada por preocupante radicalização. Observa-se, mais uma vez, um país dividido pela incapacidade de estabelecer um diálogo que, ao fim e ao cabo, está na essência do exercício da política. É preciso recuperar a capacidade de conversar, de exercitar a forma mais simples da humildade: saber ouvir.
Os cidadãos têm saudade de um Brasil aberto, miscigenado, livre, sem repressões infundadas e à margem da lei. Querem respeito à Constituição, à liberdade de expressão e às leis. Estão cansados de uma corda permanentemente esticada e nostálgicos de uma liderança que seja capaz de devolver aos brasileiros a capacidade de sonhar com um projeto grande de país.
O presidente Juscelino Kubitschek enfrentou dois levantes militares no amanhecer de seu governo. Sufocou a tentativa de golpe e anistiou os sublevados. Construiu Brasília. Depois, rasgou a floresta com uma obra grandiosa: a rodovia Belém-Brasília. Era um visionário. Tinha grandeza de alma. Nunca ficou aprisionado no rarefeito ambiente do nós contra eles. Há, estou certo, uma demanda por um estadista com autoridade, serenidade e capacidade de sonhar.
Vem-me à cabeça, mais uma vez, um livro que permaneceu um bom tempo na lista dos best-sellers do The New York Times: Um Cavalheiro em Moscou. Seu autor, Amor Towles, apresenta com humor e leveza um elogio aos valores e tradições deixados para trás pelo avanço da história.
Nobre acusado de escrever uma poesia contra os ideais da Revolução Russa, Aleksandr Ilitch Rostov, “o Conde”, é condenado à prisão domiciliar no sótão do Hotel Metropol, lugar associado ao luxo e sofisticação da antiga aristocracia de Moscou. Mesmo após as transformações políticas que alteraram para sempre a Rússia no início do século 20, o hotel conseguiu se manter como o destino predileto de estrelas de cinema, aristocratas, militares, diplomatas, bon-vivants e jornalistas, além de ser um importante palco de disputas que marcariam a história mundial.
Mudanças, crises e questionamentos não paravam de entrar pelo saguão do hotel, criando um desequilíbrio cada vez maior entre os velhos costumes e o mundo exterior. Graças à personalidade cativante e otimista do Conde, aliada à gentileza típica de suas origens, ele soube lidar com a sua nova condição.
O clima é tenso, as relações vão se complicando, as ironias e os julgamentos precipitados contaminam o ambiente e a capacidade de dialogar vai desaparecendo no ralo das paixões humanas. Com sua experiência de vida, carregada de sabedoria, Rostov comenta com um de seus interlocutores: “Se um homem não dominar suas circunstâncias, ele é dominado por elas”. Uma pérola de realismo e de capacidade de liderança. Tem tudo a ver com o dramático momento que estamos vivendo.
Seria bom que nossas lideranças, muito especialmente os representantes do Judiciário, os políticos e os governantes meditassem no conselho do prisioneiro do Hotel Metropol. A perda de domínio das circunstâncias pode transformar a liderança em algo vazio, contestado e perigoso.
Como já escrevi neste espaço opinativo, os ministros do STF não parecem realizar o quanto estão testando os limites da obediência e do respeito às autoridades instituídas, que são muito comuns e arraigados na população brasileira. Parecem não perceber que algumas de suas decisões e atos são cada vez menos vistos como justos, legítimos e constitucionais e podem provocar um desfecho muito perigoso: uma atitude crescente de enfrentamento e desrespeito à corte. Se o cidadão sente que o Estado não lhe representa, que afronta a Constituição em benefício de um grupo que o domina, e que crescentemente lhe oprime, pode cair na tentação da desobediência civil ou, pior, da transgressão. E isso é muito preocupante. O Brasil, um país polarizado e radicalizado, precisa recuperar a tranquilidade e a segurança jurídica.
A agressividade como forma de intimidação e de comunicação pode dar resultado no curto prazo. Mas desgasta, e muito, numa perspectiva de médio prazo. Provoca antipatia e acaba transferindo o controle da narrativa para as mãos dos que se apresentam como vítimas da comunicação metralhadora giratória. Em política, o mocinho pode virar vilão muito rapidamente. No mundo da pós-verdade, o que importa não é a objetividade dos fatos, mas a força emocional das percepções.
Saudade do diálogo, da liberdade, da tolerância. O bem comum não chega pela mão de salvadores da pátria. Ele é fruto de um consenso que demanda autoridade, serenidade e capacidade de negociação. O Brasil precisa de um estadista.
Por Carlos Alberto Di Franco, é bacharel em Direito, especialista em Jornalismo Brasileiro e Comparado, doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, diretor do programa Estratégias Digitais para Empresas de Mídia do ISE, professor convidado da Faculdade de Comunicação Social Institucional da Pontifícia Universidade da Santa Cruz (Roma), diretor da Di Franco Consultoria em Estratégia de Mídia e consultor de Empresas Informativas.