Opinião – Se não funciona nas empresas, não funciona em política

Os ideais têm de fazer as contas com a realidade. Ideias como essas não funcionam nem em empresas, nem em pequena escala. Escreve Adriano Glanturco.

05/08/2024 11:03

“Os ideais (ingênuos) têm de fazer as contas com a realidade”

Restaurante “marxista” deixou funcionários escolherem as próprias escalas de trabalho (imagem ilustrativa).| Foto: Marcio Antonio Campos com Midjourney

Várias empresas tentaram e tentam aplicar valores, lógicas e estruturas diferentes, consideradas mais “justas”, igualitárias, com mais empatia e amor que o cruel e “malvadão” capitalismo.

Em 2003, em Salt Lake City, a ONG One World Everybody Eats abriu uma cozinha comunitária no estilo “pague quanto quiser”, sem menu fixo; os ingredientes vinham de doações. Ela fechou depois de anos de prejuízo.

A rede de padarias Panera Bread criou um sistema “pague quanto quiser” sob o lema “Panera cares” (“Panera se importa”). O fundador, Ron Shaich, apresentou seu modelo inovador até em um TED Talk. Os clientes podiam pagar quanto quisessem, ou até não pagar quando não tivessem dinheiro. Muitos estudantes universitários com boas condições financeiras não pagavam nada e iam comer mais de uma vez por dia; vários moradores de rua passaram a comer ali; a empresa colocou seguranças e o custo aumentou. Depois de alguns anos, tiveram de fechar, pois operavam com receita média 60% inferior aos custos.

Samantha Brick tinha o emprego dos sonhos, mas sentia que tudo seria ainda melhor sem colegas homens. Deixou o emprego, refinanciou o apartamento e fundou uma empresa de produção televisiva composta só por mulheres. Ela mesmo conta que em uma semana o time se dividiu em grupos (de quem usava maquiagem e quem não) que mal conversavam entre eles. Havia muitos comentários ácidos sobre a forma de as outras se vestirem, o bronzeamento e aparência física. Uma gerente geral não quis contratar a pessoa mais qualificada porque ela não conseguia distinguir entre as marcas Missoni e Marc Jacobs. Um dia, uma funcionária pegou o notebook de outra e não queria devolvê-lo; a chefe se recusou a intervir porque não queria ser a bad cop. Os comentários eram tão frequentes e malignos que acabavam em gritaria, palavrões e prantos. A fundadora teve até de escrever um manual sobre como se comportar de forma respeitosa, mas não funcionou. Muitas faltavam, chegavam atrasadas ou iam embora antes da hora por marcar tratamentos de beleza, por encontros românticos ou por questões hormonais. Quando tinham reuniões com homens de outras empresas, as funcionárias entravam em uma competição de sensualidade. As coisas mudaram quando dois diretores homens foram contratados temporadiamente; o ambiente ficou mais calmo e trabalhando mais, em parte porque começaram os flertes; duas funcionárias tentaram seduzir um dos diretores, até que uma delas conseguiu. Em menos de dois anos, a empresa foi à bancarrota.

O restaurante vegano e marxista Garden Diner, no Michigan, tentou implementar um sistema sem chefes e gerentes, em que cada funcionário podia decidir o horário de trabalho e ganhava uma renda mínima básica igual para todos, com um sindicato forte. As paredes tinham fotos de Che Guevara, Karl Marx e Mao Tse-tung, mas o lugar não deu lucro: os funcionários mudavam constantemente o horário de abertura, havia longas filas e as gorjetas eram proibidas para que funcionários não tivessem remunerações diferentes. O restaurante também fechou.

O britânico Calvin Belton abriu a empresa de consultoria psicológica Spill, com salários iguais e “decentes” para todos, independentemente de cargo, currículo e performance. Recebiam muitos candidatos a cargos menos qualificados, pois o salário era muito acima do mercado; por outro lado, não conseguiam atrair desenvolvedores de software, pois o pagamento era inferior ao do mercado, e nem vendedores do setor comercial, acostumados a receber uma porcentagem variável com base nas vendas. Alguns trabalhadores faziam mais horas e outros, menos; alguns tinham performances melhores e outros, piores. Isso gerou descontentamento e, depois de um ano, Belton teve de rever sua política salarial e pagar salários compatíveis com o mercado.

Os ideais (ingênuos) têm de fazer as contas com a realidade. Ideias como essas não funcionam nem em empresas, nem em pequena escala, nem de forma voluntária; imaginem, então, em política, em larga escala e de forma compulsória!

 

 

 

 

Por Adriano GIanturco é professor e doutor em Ciência Política. Coordenador do curso de Relações Internacionais do IBMEC. Autor dos livros “A Ciência da Política” e “O empreendedorismo de Israel Kirzner”.

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