Opinião – A certeza da punição é a melhor prevenção

Punir criminosos com rigor é a receita mais eficiente contra o crime porque impede o criminoso de continuar agindo e dá o exemplo a outros criminosos. Escreve Roberto Motta.

21/10/2024 07:22

“A missão de impedir que criminosos dominem territórios e se tornem uma força política”

Divulgação/reprodução

A penitenciária não foi criada para ser um local de estudo ou de “capacitação profissional”. A função da penitenciária é manter criminosos isolados da sociedade como punição por seus crimes. Por isso não é correto argumentar que uma penitenciária não é adequada se não oferece ensino aos presos. Aq

ueles que realmente desejam estudar não cometem crimes.

É claro que criminosos podem se arrepender e decidir estudar e aprender uma profissão. É mérito deles. Mas, se isso não for possível na penitenciária onde os criminosos estão presos, paciência. Essa é exatamente uma das desvantagens de cometer um crime: existe a possibilidade de ser privado de algumas oportunidades que você teria se não tivesse cometido crime algum.

Um criminoso preso, naturalmente, não pode ter acesso aos mesmos serviços e oportunidades que um cidadão de bem, que nunca cometeu um crime.

Além disso, é absurdo exigir da sociedade, que já foi vítima do crime e que já arca com todo o custo de manutenção do sistema de justiça criminal, que ela também assuma a responsabilidade pela “reciclagem” do bandido – a expressão usada para essa reciclagem é “ressocialização”, uma construção ideológica fantasiosa.

Não é correto dizer que “apenas” punir não adianta. Punir criminosos com rigor é a receita mais eficiente contra o crime porque impede o criminoso de continuar agindo, dá o exemplo a outros criminosos potenciais e promove o sentimento de justiça. Não existe democracia desenvolvida que não puna seus criminosos com prisão. A maioria delas tem penas de morte, de prisão perpétua e de prisão por longos períodos sem qualquer benefício. Nenhuma das três penas existe no Brasil. Aqui o autor de um assassinato brutal, em geral, não fica nem dez anos preso.

Com a aproximação das eleições algumas autoridades deram declarações de preocupação com o crime organizado. Mas a preocupação é seletiva; ela só aparece no período eleitoral. No resto do ano o crime está livre para dominar milhares de territórios pelo país. Só no Rio de Janeiro são mais de 1.700 comunidades controladas pelo narcotráfico.

Não faz muito tempo uma ministra de Estado nos informou que andava de moto em uma “comunidade” sem usar capacete porque “essa é a regra por aqui”. Na quarta feira, 18 de setembro, a menina Valentina, de 14 anos, foi baleada no Complexo da Maré, no Rio. Valentina estava no carro do pai, que errou o caminho, entrou na comunidade por engano e, por não obedecer a uma ordem dos traficantes de parar o carro, recebeu uma sentença de morte. Mas como o episódio nada tinha a ver com eleições o Estado brasileiro não viu nada, não disse nada, e não fez nada.

A missão de impedir que criminosos dominem territórios e se tornem uma força política é do sistema de justiça criminal. Ele é composto pela polícia, pelo Ministério Público, pelo Judiciário e pelo sistema prisional.

Todas essas instituições estão sob ataque no Brasil. O próprio governo federal trabalha para derrubar a lei que acabou com as saidinhas. As operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro estão suspensas desde 2020, por determinação judicial no contexto da ADPF 635.

A pergunta é: o que falta para o narcotráfico começar a assumir o controle de cidades inteiras? O professor Pery Shikida, doutor em economia, publicou recentemente um estudo científico realizado com criminosos presos no estado de São Paulo. A pesquisa fez uma descoberta espantosa: a renda mensal obtida pelos criminosos, com suas atividades no crime, era de R$46.333,00.

O professor perguntou aos criminosos: que tipo de medidas poderiam diminuir a atividade criminosa? O que o Estado poderia fazer para dissuadir você de continuar a cometer crimes? Os criminosos responderam: pena de morte (29,7% das respostas), prisão perpétua (22,5%) e penas longas sem qualquer benefício (8,8%). Nenhuma das três penas é permitida pela legislação.

Na verdade, o que existe no Brasil é uma campanha permanente pelo desencarceramento. Isso significa soltar criminosos presos. Qualquer desculpa vale. Uma das desculpas usadas com mais frequência para libertar criminosos é o estado dos presídios brasileiros. De uma forma geral, os presídios do Brasil são mesmo muito ruins. Isso acontece de propósito.

O Estado brasileiro já gastou 100 bilhões de reais na construção da refinaria Abreu e Lima, que ainda não está pronta. Com esse dinheiro seria possível construir um novo sistema prisional em todo Brasil a partir do zero, dobrando o número de vagas existentes. Mas por que o Estado brasileiro, que tem vários órgãos que vivem de defender os direitos dos criminosos presos, não constrói novas prisões?

Vou explicar contando um caso.

Em novembro de 2018, uma sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, um tribunal internacional criado como parte da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica) da qual o Brasil é signatário, determinou que fosse contado em dobro cada dia de pena cumprido pelos detentos no Complexo do Curado, em Pernambuco, porque as condições do presídio foram consideradas como “degradantes”.

Muitos juristas argumentam que essa decisão é absolutamente ilegal – uma invenção jurídica – já que o Pacto de San José da Costa Rica não contém nenhuma previsão de contagem de pena em dobro. A polêmica decisão provocou uma discussão a respeito dos limites da ingerência de uma organização internacional, composta por tecnocratas estrangeiros e não eleitos – e muitas vezes com posições abertamente marxistas – sobre o sistema de justiça do nosso país.

Ainda assim, STF e STJ entenderam que as sentenças emitidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos têm eficácia obrigatória e vinculante no Brasil, e produzem autoridade de coisa julgada internacional. Todos os órgãos e poderes internos do país são obrigados a cumpri-las.

Como consequência dessa decisão, centenas de homicidas, assaltantes, sequestradores e estupradores presos em Pernambuco tiveram as suas penas reduzidas pela metade. Eu aposto que você não sabia disso.

 

 

 

Por Roberto Motta é pesquisador da área de segurança pública, ex-consultor de tecnologia do Banco Mundial e ex-Secretário de Estado do Conselho de Segurança do Rio de Janeiro. É autor de 4 livros: “Ou Ficar A Pátria Livre”,  “Jogando Para Ganhar: Teoria E Prática da Guerra Política”, “Os Inocentes do Leblon” e “A Construção da Maldade: Como Ocorreu a Destruição da Segurança Pública Brasileira”. É graduado em engenharia pela PUC-RJ, tem mestrado em gestão pela Fundação Getúlio Vargas. Foi um dos fundadores do Partido Novo e é comentarista na Jovem Pan News.

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