Opinião – A hora da política e do diálogo

A busca da isenção enfrenta a sabotagem da manipulação deliberada, da falta de rigor e do excesso de declarações entre aspas. Escreve Carlos Alberto Di Franco.

21/10/2024 08:45

“Se a ditadura politicamente correta constrange a cidadania, não pode, por óbvio, acuar jornalistas e formadores de opinião”

Foto: Marcio Antonio Campos com Midjourney

Escrevo este artigo antes de saber o resultado do primeiro turno das eleições municipais. Mas a temperatura política, marcada por preocupante radicalização, ausência de propostas e demonização do adversário, transmite a urgente necessidade de repensar muitas coisas.

O adversário não é um inimigo a ser extirpado. Todos, à esquerda ou à direita, deveriam saber que é típico do pensamento totalitário reivindicar o monopólio da verdade. Não há democracia sem diálogo. Só as ditaduras podem prescindir do debate livre e civilizado. O Brasil está cansado do radicalismo que mata a política e abre as portas para os aventureiros.

A maioria dos brasileiros, mesmo os que foram seduzidos pelas lantejoulas do marketing político, não está disposta a renunciar aos valores que compõem a essência da nossa tradição: a paixão pela liberdade e a prática da tolerância. É preciso investir na convivência pacífica e plural.

A radicalização ideológica, de direita ou de esquerda, não tem a cara do Brasil. Tenta-se dividir o país ao meio. Jogar pobres contra ricos, negros contra brancos, homos contra héteros. Querem substituir o Brasil da alegria pelo país do ódio e da divisão. Tentam arrancar com o fórceps da intolerância o espírito aberto dos brasileiros. Procuram extirpar o DNA, a alma de um povo bom, aberto e multicolorido. Não querem o Brasil café com leite. A miscigenação, riqueza maior da nossa cultura, evapora nos rarefeitos laboratórios do fanatismo ideológico.

Está surgindo, de forma acelerada, uma nova “democracia” totalitária e ditatorial, que pretende espoliar milhões de cidadãos do direito fundamental de opinar, elemento essencial da democracia. Se a ditadura politicamente correta constrange a cidadania, não pode, por óbvio, acuar jornalistas e formadores de opinião.

O primeiro mandamento do jornalismo de qualidade é a independência. Não podemos sucumbir às pressões dos lobbies direitistas, esquerdistas, de orientação sexual ou racial. O Brasil sempre lutou contra a censura. E só há um desvio pior que o controle governamental da informação: a autocensura. Para o jornalismo não há vetos, tabus e proibições. Informar é um dever ético. E ninguém, ninguém mesmo, impedirá o cumprimento do primeiro mandamento da nossa profissão: transmitir a verdade dos fatos.

A preservação da democracia, sempre acossada por projetos autoritários, depende, e muito, da qualidade técnica e ética da informação. Um exercício de autocrítica do nosso trabalho é necessário e conveniente.

As virtudes e as fraquezas dos jornais não são recatadas. Registram-nas fielmente os radares dos consumidores de informação. Precisamos, por isso, derrubar inúmeros desvios que conspiram contra a credibilidade do noticiário.

Um deles, talvez o mais resistente, é o dogma da objetividade absoluta. Transmite, num pomposo tom de verdade, a falsa certeza da neutralidade jornalística. Só que essa separação radical entre fatos e interpretações simplesmente não existe. É uma bobagem.

Jornalismo não é ciência exata e jornalistas não são autômatos. Além disso, não se faz bom jornalismo sem emoção. A frieza é anti-humana e, portanto, antijornalística. A neutralidade é uma mentira, mas a isenção é uma meta a ser perseguida. Todos os dias. A imprensa honesta e desengajada tem um compromisso com a verdade. E é isso que conta.

Mas a busca da isenção enfrenta a sabotagem da manipulação deliberada, da falta de rigor e do excesso de declarações entre aspas. O jornalista engajado é sempre um mau repórter. Militância e jornalismo não combinam. Trata-se de uma mescla que traz a marca do atraso e o vestígio do sectarismo. O militante não sabe que o importante é saber escutar. Esquece, ofuscado pela arrogância ideológica ou pela névoa do partidarismo, que as respostas são sempre mais importantes do que as perguntas.

A grande surpresa no jornalismo é descobrir que quase nunca uma história corresponde àquilo que imaginávamos. O bom repórter é um curioso essencial, um profissional que é pago para se surpreender. Pode haver algo mais fascinante?

O jornalista ético esquadrinha a realidade, o profissional preconceituoso constrói a história. É necessário cobrir os fatos com uma perspectiva mais profunda. Convém fugir das armadilhas do politicamente correto e do contrabando opinativo semeado pelos profetas das ideologias.

Veículos de comunicação tradicional e produtos digitais de credibilidade oxigenam a democracia. As tentativas de controle da mídia tradicional e também do mundo digital, abertas ou disfarçadas, são sempre uma tentativa de asfixiar a liberdade. Num momento de crise no modelo de negócio, evidente e desafiante, o que não podemos é perder o norte. E o foco é claro: produzir conteúdo de alta qualidade técnica e ética. Somente isso atrairá consumidores em qualquer plataforma. E só isso garantirá a permanência da democracia.

Vivemos tempos de forte polarização, de afirmações superficiais, carentes de profundidade e de saudável visão crítica. Tempos de cancelamentos, uma atmosfera viciada que pode desembocar em rupturas e fraturas sociais.

Chegou a hora da política e do diálogo.

 

 

 

Por Carlos Alberto Di Franco é bacharel em Direito, especialista em Jornalismo Brasileiro e Comparado, doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, diretor do programa Estratégias Digitais para Empresas de Mídia do ISE, professor convidado da Faculdade de Comunicação Social Institucional da Pontifícia Universidade da Santa Cruz (Roma), diretor da Di Franco Consultoria em Estratégia de Mídia e consultor de Empresas Informativas.

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