Opinião – História e farsa

A conversa entre militares não chega a ser um planejamento, e muito menos execução de planos. E confessam que esperavam uma ação que o presidente não adotou. Escreve Alexandre Garcia.

26/11/2024 06:14

“Como Marx qualificaria essa insistência?”

Foto colorizada artificialmente mostra o ditador Getúlio Vargas (ao centro, na fileira da frente) durante comemorações dos 50 anos da proclamação da República, em 1939. (Foto: Departamento de Imprensa e Propaganda/Domínio público)

A história do Brasil se encaixa bem no pensamento de Marx, segundo o qual, quando uma tragédia histórica se repete, vem como farsa. Novembro nos faz lembrar tempos do caudilho Vargas. Em 1935, o levante comunista que começou em 23 de novembro, em Natal, continuou no Recife no dia seguinte e eclodiu no Rio de Janeiro no dia 27, ensejou que já em 26 de novembro Getúlio decretasse estado de sítio, dando mais poderes ao Estado brasileiro para que Vargas pegasse não apenas os comunistas, mas também os demais adversários. Em 1937, também em novembro, Getúlio ganhou outro pretexto para dar outro golpe. Usou um documento, um estudo, de autoria do capitão Olympio Moura Filho, sobre uma hipótese de insurreição popular, que passou a ser chamado de “Plano Cohen” – um judeu-comunista fictício. Getúlio cercou e fechou o Congresso; decretou o Estado Novo, pondo interventores nos estados (menos Minas Gerais); e passou a governar sozinho, por decretos-leis.

Até na pátria-mãe novembro teve tentativa de golpe comunista. No dia 25, em 1975, um grupo de oficiais da Polícia do Exército e Cavalaria, com paraquedistas, ocupou quartéis; capitães barbudos como Fidel transmitiram manifestos por emissoras de rádio, mas o Regimento de Comandos agiu a tempo e, no mesmo dia, mesmo com a morte de três dos seus, afagou o movimento e pôs fim ao período revolucionário que começou no 25 de Abril e ensejou o enquadramento de Portugal num Estado Democrático de Direito.

Neste novembro vivemos de sobressaltos numa repetição de histórias que viram narrativas terminadas em farsas. Governantes usam isso para se impor e eliminar adversários ou lideranças consideradas perigosas. A história mostra como Getúlio procurou unir o país em torno de si, com o pretexto de ameaças à democracia; o general Galtieri invadiu as Malvinas para tentar unificar o povo argentino em torno de sua ditadura; Maduro “anexou” parte da Guiana ainda apenas no mapa. E agora dizem que Lula se prepara para anunciar que, diante da trama golpista, ele é a solução democrática.

A conversa entre militares não chega a ser um planejamento, e muito menos execução de planos. E confessam que esperavam uma ação que o presidente não adotou. Mas forneceram munição para quem quer anular Bolsonaro, um líder que a história contemporânea demonstra que cresce quando é atacado. A facada, que foi cogitada, planejada e executada, foi um golpe que não se consumou, porque não o matou. Mas foi tão extremo que o elegeu. Ele não se reelegeu, foi feito inelegível, e está em curso mais uma ação contra ele. São repetições sucessivas da mesma história. Como Marx qualificaria essa insistência?

 

 

 

 

Por Alexandre Garcia, colunas sobre política nacional publicadas de domingo a quinta-feira.

Tags: