Opinião – A crise moral do Poder Judiciário brasileiro e a integridade das instituições

A moralidade e a ética precisam ser os pilares inegociáveis (…) Somente assim será possível reconstruir a confiança do povo brasileiro. Escreve Rafael Leite Mastronardi.

04/12/2024 10:20

“É necessário um esforço conjunto das instituições para promover a integridade no Judiciário”

Fachada do STJ| Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil

Nos últimos anos, o Brasil tem sido palco de uma série de escândalos envolvendo as mais diversas esferas do poder público. Se antes a crise de corrupção era associada predominantemente ao Executivo e ao Legislativo, hoje se torna evidente que o Poder Judiciário também não está imune às mazelas da falta de integridade. A revelação de esquemas de venda de sentenças e a suspeita de influência indevida em decisões judiciais colocam em xeque a credibilidade de uma instituição que deveria ser o último bastião da justiça e da moralidade.

Um dos casos mais emblemáticos que expõem essa crise moral no Judiciário envolve o Superior Tribunal de Justiça (STJ), a segunda mais alta corte do país. De acordo com investigações da Polícia Federal, reveladas após o assassinato do advogado Roberto Zampieri, um extenso esquema de corrupção e venda de decisões judiciais foi descoberto, comprometendo a imagem de um dos pilares do sistema judiciário.

O esquema, conforme revelado pelas mensagens e documentos encontrados no celular de Zampieri, envolvia advogados, lobistas e servidores de gabinetes de ministros do STJ. Os funcionários, em troca de pagamentos, antecipavam sentenças e influenciavam o resultado de julgamentos, beneficiando clientes de forma ilícita. O caso se agrava ainda mais com a suspeita de movimentações financeiras atípicas envolvendo o lobista Andreson Gonçalves e um ministro da própria Corte, fato que levou a investigação ao Supremo Tribunal Federal (STF). Embora ainda não haja provas diretas da participação de magistrados no esquema, o simples envolvimento de seus gabinetes e a descoberta de decisões manipuladas lançam uma sombra de desconfiança sobre a integridade da Justiça brasileira.

Esses episódios alimentam uma crescente desconfiança da população em relação ao Judiciário. Em um país onde a corrupção sistêmica já mina a confiança nos demais poderes, o Judiciário deveria ser a âncora da moralidade e da aplicação imparcial da lei. No entanto, quando surgem suspeitas de que sentenças podem ser compradas ou negociadas nos bastidores, o que resta para aqueles que buscam justiça? A percepção de que a Justiça pode ser manipulada em favor de interesses privados ou poderosos é devastadora para a sociedade como um todo. Ela enfraquece o estado de direito, mina a democracia e incentiva a impunidade, criando um ciclo no qual a corrupção se perpetua e a justiça se torna uma mercadoria.

A crise moral no Judiciário brasileiro não é um fenômeno isolado, tampouco recente. Ao longo dos anos, outras denúncias de corrupção envolvendo magistrados de diversas esferas surgiram, apontando para um problema estrutural. O sistema judicial, ao lidar com grandes interesses econômicos e políticos, muitas vezes se vê permeado por pressões e influências externas que ameaçam sua imparcialidade. A venda de sentenças, revelada no caso do STJ, é apenas uma das manifestações dessas pressões. Em outras instâncias, há relatos de favorecimento político, tráfico de influência e enriquecimento ilícito por parte de servidores e magistrados. Esses escândalos revelam não apenas falhas individuais, mas uma fragilidade institucional que permite que tais práticas ocorram

Diante dessa realidade, é urgente a implementação de reformas estruturais que garantam maior transparência, controle e accountability no Judiciário. A criação de mecanismos de controle mais rigorosos, tanto internos quanto externos, é crucial para evitar que episódios como o da venda de sentenças no STJ se repitam. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), responsável pela fiscalização da atuação de magistrados, precisa ser fortalecido e ter maior autonomia para investigar e punir desvios de conduta.

Além disso, é necessário um esforço conjunto das instituições para promover uma cultura de integridade no Judiciário. Isso inclui desde a formação ética de novos juízes e servidores, até uma maior transparência nos processos eleitorais para os cargos de maior influência, como o de ministros das Cortes Superiores.

A crise moral que assola o Judiciário brasileiro é, em última análise, uma crise de ética. A justiça, para ser efetiva, precisa ser percebida como imparcial e incorruptível. Sem esse compromisso inabalável com a moralidade, todo o sistema de justiça perde sua razão de ser. Nas palavras do filósofo Immanuel Kant, “a justiça é a condição pela qual a liberdade de cada um pode ser reconciliada com a liberdade de todos”. Quando a justiça é corrompida, a liberdade e a igualdade perante a lei se tornam ilusões.

Reforçar a integridade do Judiciário não é apenas uma questão de punir culpados ou de reformar processos – é um imperativo moral. A sociedade brasileira, marcada por profundas desigualdades, não pode se dar ao luxo de ter um sistema de justiça que privilegie os poderosos e deixe os mais vulneráveis à mercê de um sistema falho.

A crise moral do Judiciário brasileiro é um desafio que precisa ser enfrentado com celeridade e seriedade. A confiança da população no sistema de justiça está em jogo, e, sem ela, o próprio contrato social que sustenta nossa democracia se enfraquece. Cabe às instituições responsáveis, à sociedade civil e aos próprios magistrados atuarem com firmeza para restaurar a integridade e a credibilidade do Judiciário, garantindo que a justiça seja sempre feita em favor do bem comum, e não dos interesses particulares.

A moralidade e a ética precisam ser os pilares inegociáveis de qualquer sistema de justiça. Somente assim será possível reconstruir a confiança do povo brasileiro em suas instituições e garantir que a lei seja aplicada de forma justa, imparcial e igualitária, como deve ser em qualquer democracia sólida.

 

 

 

 

Por Rafael Leite Mastronardi, advogado, pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal, é sócio fundador do escritório Mastronardi Advocacia.

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