Opinião – “Ainda Estou Aqui”: guerrilheiros e revolucionários não foram heróis

É justo que se discuta a importância de penalizar todos aqueles que foram responsáveis por vitimar inocentes e arrasar famílias. Aléxis Melo Nepomuceno.

07/03/2025 06:36

“Não se pode agir com “dois pesos e duas medidas”.”

O diretor do filme “Ainda Estou Aqui”, Walter Salles Jr., e a atriz indicada Fernanda Torres (Foto: Raphael Pour-Hashemi/Wikimedia Commons)

O filme Ainda Estou Aqui ganhou destaque por suas três indicações ao Oscar, premiação que será entregue no dia 2 de março. A história, como se sabe, trata da família de Rubens Paiva, ex-deputado federal pelo PTB, morto durante a ditadura militar, e mostra como a esposa de Rubens, Eunice Paiva, teve de lidar com aquele período junto de seus cinco filhos. Apesar de sua produção não trazer um viés ideológico explícito, Ainda Estou Aqui fala sobre uma tragédia familiar em que o Estado, por meio do governo militar, agiu sob o pretexto de proteger a nação da ameaça comunista, considerando o cenário mundial da Guerra Fria.

Com isso, Ainda Estou Aqui fez reabrir a discussão sobre a responsabilização dos oficiais e demais militares que comandavam e realizavam torturas e mortes durante o regime militar. O STF, pela relatoria do ministro Alexandre de Moraes, tenta agora retomar o debate sobre o andamento do processo penal acerca do homicídio de Rubens Paiva, paralisado pelo STJ em razão da aplicação da Lei da Anistia (Lei 6.683/1979). Moraes afirma que a lei levou à “impunidade para agentes públicos que praticaram atos de extrema gravidade contra a vida e a liberdade”.

Verifica-se, assim, uma tentativa de responsabilizar aqueles que cometeram crimes durante o período militar, tanto agentes do governo quanto do Exército. Porém, mesmo que tal indagação seja legítima e, do ponto de vista moral, necessária, percebe-se que há uma tendência de se mostrar apenas um lado da história sobre os crimes contra “a vida e a liberdade”. E isso não é verdade.

Devemos lembrar que, em 1964, o golpe ocorreu em razão de políticas públicas realizadas pelo governo da época, liderado por Jango, entre elas a expropriação de terras, o controle da mídia, a nacionalização de empresas e o confisco de lucros – medidas que foram amplamente rejeitadas pela sociedade brasileira, que, em sua maioria, aprovou o golpe. Devemos considerar que, no outro lado, conforme a descoberta de arquivos da STB Tcheca (Serviço de Inteligência), a KGB estava infiltrada no sistema político brasileiro entre os anos de 1950 e 1980, financiando guerrilhas, políticos e partidos. Entre esses políticos, estariam Jango e Leonel Brizola, que buscavam instituir uma revolução comunista inspirada em Cuba e na União Soviética, no Brasil.

Também é importante observar que o governo militar e as demais guerrilhas, como a Ação Libertadora Nacional (retratada no começo do filme com o sequestro do embaixador da Suíça), não buscavam a defesa da liberdade, mas sim, a intenção de instituir um Estado forte e intervencionista, com censura à imprensa e às manifestações culturais que desafiassem a política reinante, além de controle da economia, cerceando a livre iniciativa e a propriedade privada.

Considerando que Ainda Estou Aqui retrata a dor de uma família que perde um pai durante um regime ditatorial, é justo que se discuta a importância de penalizar todos aqueles que foram responsáveis por vitimar inocentes e arrasar famílias. Não se pode agir com “dois pesos e duas medidas”. Se, conforme a fala do ministro Moraes, se busca responsabilizar a impunidade de agentes públicos que atentaram “contra a vida e a liberdade”, então os guerrilheiros e revolucionários que, por meio de seus grupos, cometeram crimes e atentados também deveriam ser responsabilizados e condenados, em vez de ocuparem altos cargos nas cúpulas do governo brasileiro e na política como um todo.

 

 

 

 

Por Aléxis Melo Nepomuceno é coordenador do Instituto Atlantos.

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