Diante de um mundo instável e de um bioma que desperta o interesse global, cabe ao Brasil reafirmar, com firmeza, sua soberania sobre a Amazônia. Escreve Paulo Filho.
24/03/2025 06:04
“A defesa da Amazônia não se faz apenas com discursos e boa vontade.”

Diante de um mundo instável e de um bioma que desperta o interesse global, cabe ao Brasil reafirmar sua soberania sobre a Amazônia. (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil)
O cenário global vem sendo marcado, nos últimos meses, por uma crescente instabilidade, indicativa de mudanças aceleradas nas relações entre os Estados nacionais e da disrupção do equilíbrio político erigido ao fim da Guerra Fria.
As soberanias nacionais vêm sendo mitigadas, com o retorno de uma política de poder típica da primeira metade do século 20, que se imaginava superada.
Nesse contexto, assistimos aos acontecimentos na Ucrânia, prestes a perder, pela guerra, cerca de 1/5 do seu território. Ao mesmo tempo, canadenses, panamenhos, groenlandeses e dinamarqueses observam, perplexos, o presidente americano falar abertamente sobre planos de transformar o Canadá no 51º estado dos EUA, retomar o Canal do Panamá e incorporar a Groenlândia ao território norte-americano.
Essas dinâmicas globais impactam o Brasil de diversas formas. Aqui, vou me ater à Amazônia — um ativo estratégico em um mundo em que recursos como água, biodiversidade e minerais se tornam cada vez mais preciosos, e no qual as soluções para a crise climática passam, necessariamente, por ações naquele bioma, onde vivem mais de 20 milhões de brasileiros.
A Amazônia abriga a mais elevada biodiversidade do planeta, o maior banco genético conhecido e cerca de 20% da água potável superficial disponível no mundo. Dentro das fronteiras do Brasil, cabe exclusivamente aos brasileiros gerenciar esses recursos — da forma mais sábia possível — para o bem do nosso povo e da humanidade.
Entretanto, essa exclusividade, para ser efetiva, precisa estar amparada em uma ação estatal firme, que demonstre não haver espaço para interferências externas, e sustentada por um poder militar crível, baseado em capacidades que garantam a dissuasão necessária.
A 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30), que será sediada em Belém, em novembro, servirá como uma vitrine para o Brasil — um momento de avaliação por parte da comunidade internacional.
Os desafios não são poucos: a saída dos EUA do Acordo de Paris, a hesitação dos países ricos em cumprir os compromissos financeiros assumidos com o Sul Global e as disputas geopolíticas em curso colocam ainda mais pressão sobre a presidência brasileira do evento.
Por outro lado, esse cenário de instabilidade global abre espaço para narrativas que questionam a capacidade do Brasil de gerir a floresta, reacendendo propostas de intervenção externa sob o argumento de que a Amazônia seria um “bem comum da humanidade”.
Nesse sentido, a COP-30 será uma excelente oportunidade para o Brasil reforçar sua centralidade nas discussões sobre mudanças climáticas — ao mesmo tempo em que poderá se apresentar como um ator responsável, soberano e plenamente capaz de exercer, com autoridade, sua incontestável soberania sobre a Amazônia brasileira.
A defesa da Amazônia não se faz apenas com discursos e boa vontade. Como bem lembrava o maior de todos os nossos diplomatas, o Barão do Rio Branco, a diplomacia é a primeira trincheira da defesa nacional, mas precisa estar apoiada em couraçados.
O pensamento do Barão, expresso há mais de um século, permanece atual: no cenário internacional, o respeito à soberania depende, em última instância, de uma estrutura de Defesa que a torne respeitável.
No caso do Brasil, isso significa investir com seriedade na construção de um poder militar crível, capaz de dissuadir eventuais potências estrangeiras que, sob pretextos variados — ambientais, humanitários ou geopolíticos —, possam cogitar interferir em nossa Amazônia.
Isso exige uma diplomacia ativa, ação estatal eficaz na preservação ambiental e no desenvolvimento sustentável da região, além de uma capacidade de defesa compatível com os desafios do século XXI.
A Amazônia não é apenas um patrimônio nacional — é a casa de milhões de brasileiros que merecem uma vida digna. É, também, um ativo estratégico que deve ser protegido em benefício dos brasileiros e, consequentemente, de toda a humanidade.
Por Paulo Filho é coronel de cavalaria da reserva do Exército e analista de assuntos estratégicos. É mestre em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército.