Opinião – O agravo de instrumento como recurso ampliativo do acesso à justiça aos devedores

Uma ferramenta fundamental para que decisões que impactam a vida das pessoas e empresas sejam revistas com rapidez. Escreve Gustaco Fernandes Poli.

26/03/2025 06:26

“Justiça que demora é justiça que falha.”

Ilustrativa.

O acesso à justiça é um direito fundamental garantido pela Constituição Federal em seu artigo 5º, XXXV, no entanto, na prática, essa promessa muitas vezes não se concretiza para todos. Para os devedores, em especial, o cenário pode ser ainda mais desafiador: decisões judiciais como bloqueios de contas, penhoras e arrestos podem impactar sua sobrevivência financeira antes mesmo que tenham a chance de se defender. Diante desse dilema, o recurso de agravo de instrumento surge como uma ferramenta crucial para evitar injustiças e garantir o direito à ampla defesa.

Porém, o problema é que esse recurso, que deveria garantir mais equilíbrio ao processo judicial, nem sempre está ao alcance de quem mais precisa, visto que seus custos elevados, burocracias e restrições judiciais acabam tornando o agravo de instrumento um privilégio para poucos, e não um verdadeiro instrumento de justiça.

Para exemplificar, imagine as seguintes situações: um pequeno empresário enfrentando dificuldades financeiras temporárias, descobre que seus bens foram bloqueados por decisão judicial, ficando completamente sem acesso ao seu caixa, ele não consegue pagar funcionários, fornecedores ou manter sua operação ativa. Desta forma, o resultado é que a falência pode se tornar inevitável antes mesmo que ele tenha a chance de apresentar sua defesa.

No mesmo sentido, imagine em um cidadão comum que, ao tentar pagar suas contas no início do mês, descobre que todo o seu salário foi retido judicialmente por uma dívida. Sem tempo hábil para contestar, ele se vê impossibilitado de arcar com despesas básicas, como aluguel, alimentação e saúde, aumentando ainda mais seus problemas financeiros já existentes.

Esses exemplos não são meras suposições, mas realidades que afetam milhares de brasileiros todos os dias. O agravo de instrumento foi concebido justamente para evitar esse tipo de injustiça, permitindo a revisão rápida de decisões que podem causar danos irreversíveis.

A reforma do Código de Processo Civil (CPC) de 2015 trouxe avanços ao estabelecer hipóteses claras para a utilização do agravo de instrumento. No entanto, na prática, muitas barreiras ainda impedem que esse recurso seja utilizado de maneira ampla e eficaz.

O primeiro grande entrave para os devedores que precisam recorrer ao agravo de instrumento é financeiro. Para apresentar o recurso, é necessário recolher as custas processuais, que podem ser proibitivas para aqueles que já estão em situação de vulnerabilidade econômica – verifica-se, por exemplo, que no Tribunal de Justiça de São Paulo, o maior do Brasil em volume de processos, atualmente (2025) tem como custas de interposição do agravo de instrumento o valor de R$ 555,30, equivalente a aproximadamente 37% do valor do salário-mínimo nacional.

Embora a Constituição Federal garanta a gratuidade da justiça para quem não tem condições de arcar com essas despesas, a concessão desse benefício é frequentemente negada sem uma análise criteriosa da real situação do solicitante.

Outro problema recorrente é a resistência de alguns tribunais em aceitar múltiplos agravos de instrumento dentro do mesmo processo, sob a justificativa de evitar manobras protelatórias. No entanto, essa restrição pode prejudicar devedores que, ao longo da ação judicial, precisam contestar diferentes decisões que impactam diretamente sua vida financeira e patrimonial.

Se, por um lado, há uma preocupação legítima em evitar abusos processuais, por outro, é preciso garantir que o direito à defesa não seja comprometido, assim, o judiciário deve atuar de forma equilibrada, assegurando que o agravo de instrumento permaneça acessível para aqueles que realmente necessitam.

Desta forma, apreende-se que a justiça brasileira não pode ser apenas um conceito teórico, mas sim efetiva e acessível, inclusive àqueles que figuram como devedores e não possuem condições financeiras, garantindo que ninguém seja impedido de ter acesso a justiça ou recorrer por falta de recursos.

Além disso, é necessário revisar a postura adotada em relação ao uso do Agravo de Instrumento, sobretudo quando a decisão judicial afeta bens essenciais à sobrevivência do devedor, tais como sua residência, seu salário ou sua fonte de renda. A possibilidade de recurso imediato deve ser uma regra, e não uma exceção, eis que o princípio do devido processo legal só se concretiza quando há meios efetivos para contestar decisões que possam causar danos irreparáveis.

Por fim, é essencial que a jurisprudência evolua no sentido de garantir que o Agravo de Instrumento seja utilizado como um verdadeiro mecanismo de equilíbrio processual, pois o direito ao contraditório e à ampla defesa não pode ser relativizado por barreiras burocráticas ou interpretações restritivas.

O agravo de instrumento é uma peça fundamental no sistema judicial brasileiro, permitindo que decisões que impactam diretamente a vida das pessoas e empresas sejam revistas com rapidez. No entanto, seu potencial de garantir acesso à justiça ainda está longe de ser plenamente aproveitado, afinal, justiça que demora é justiça que falha.

Assim, em conclusão, o direito ao devido processo legal deve ser garantido de forma célere e efetiva, para que todos, independentemente da sua condição financeira, possam buscar uma solução justa para suas demandas. O acesso à justiça não pode ser um privilégio, mas um direito de todos.

 

 

 

Por Gustavo Fernandes Poli é advogado no Granito Boneli Advogados Associados, bacharel em direito pela PUC-Campinas, pós-graduado em Direito Processual Civil pela PUC-Campinas e pós-graduando em Direito Bancário e do Mercado Financeiro pela PUC-Minas.

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