O equilíbrio democrático depende da garantia de direitos para todos os cidadãos, independentemente de suas convicções políticas. Escreve Luciano Zucco.
02/04/2025 09:20
“Justiça seletiva não é justiça, mas abuso de poder.”

Maioria dos ministros da Primeira Turma do STF votou pela aceitação da denúncia da PGR sobre tentativa de golpe, tornando Jair Bolsonaro réu (Foto: Gustavo Moreno/STF)
A imprensa e setores da sociedade têm todo o direito de criticar ou discordar de figuras públicas, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro. Isso faz parte do jogo democrático. No entanto, é preocupante quando essa crítica se transforma em uma aceitação passiva de abusos institucionais. O Brasil está vivenciando uma escalada autoritária dentro do próprio sistema de Justiça, configurando um verdadeiro estado de exceção.
Um exemplo emblemático dessa situação é o arquivamento da investigação sobre a suposta falsificação do cartão de vacina. Após anos de perseguição, prisões preventivas, exposição midiática e violações de direitos fundamentais, o caso simplesmente foi arquivado. Situação semelhante pode ocorrer com a acusação de tentativa de golpe de Estado, pois há falta de provas concretas. Isso demonstra a necessidade de um Judiciário imparcial, que atue como guardião das leis, e não como instrumento de justiça seletiva.
A mídia, por sua vez, tem um papel essencial na fiscalização do poder. Contudo, tem sido utilizada para reforçar determinadas narrativas judiciais, como nos casos das joias, da baleia e do cartão de vacina. Foram veiculadas inúmeras matérias acusatórias, apenas para que, ao final, os casos fossem arquivados. Durante esse processo, pessoas foram presas, sigilos foram quebrados e direitos fundamentais foram desrespeitados. Esse silêncio sobre os abusos institucionais compromete a própria democracia.
Outro caso alarmante é a condenação da cabeleireira Débora a 14 anos de prisão por pichar uma estátua com batom. O rigor desproporcional dessa pena evidencia um sistema que aplica punições seletivas. Bolsonaro, hoje, está sendo julgado por um tribunal de exceção, mas a história mostra que precedentes desse tipo podem, futuramente, atingir qualquer cidadão.
O julgamento de Bolsonaro pode ser comparado ao “jogo dos sete erros”. Há pelo menos sete pontos “errados” aqui: 1) falta de foro privilegiado – Bolsonaro, sem foro privilegiado, não poderia ser julgado pelo STF, que alterou seu próprio entendimento para mantê-lo sob sua jurisdição; 2) conflitos de interesse – ministros como Cristino Zanin, Flávio Dino e Alexandre de Moraes possuem vínculos e situações específicas que comprometem a imparcialidade; 3) delação premiada sob pressão – Mauro Cid fez sua delação em condições questionáveis, tornando-a um instrumento de coerção; 4) desrespeito ao devido processo legal – advogados tiveram acesso limitado aos autos, prejudicando a ampla defesa; 5) celeridade processual anormal – o julgamento ocorre 14 vezes mais rápido que o do mensalão, sugerindo motivação política; 6) penas desproporcionais – em vez de um julgamento justo, tem-se um espetáculo punitivo; 7) precedente perigoso – hoje é Bolsonaro, amanhã pode ser qualquer cidadão.
Se estivéssemos em um país com instituições sólidas e imparciais, esse processo seria anulado. A Justiça não pode ser instrumentalizada para fins políticos. A manutenção do Estado de Direito exige o respeito às leis e ao devido processo legal. A crise institucional se agrava quando o Supremo Tribunal Federal (STF), em vez de atuar como guardião da Constituição, passa a interferir diretamente no jogo político. Um exemplo disso é a reabertura de uma investigação contra Gilberto Kassab no momento exato em que o Congresso discute a anistia do 8 de janeiro. Esse tipo de manobra sugere coerção política, desrespeitando a separação dos poderes.
O Brasil está em um momento crítico. Se a sociedade aceitar que o Judiciário pode ser usado como ferramenta de intimidação política, corremos o risco de perder o Estado de Direito. Decisões devem ser tomadas pelo voto e pelo debate, e não pelo medo. Justiça seletiva não é justiça, mas abuso de poder. O equilíbrio democrático depende da garantia de direitos para todos os cidadãos, independentemente de suas convicções políticas.
Por Luciano Zucco, deputado federal pelo PL-RS, é líder da Oposição na Câmara dos Deputados.