28/07/2011 11:43
O novo presidente peruano, Ollanta Humala, toma posse nesta quinta-feira sob olhares ao mesmo tempo receosos e esperançosos no Brasil.
De um lado, Brasília espera que a afinidade de Humala com políticos brasileiros acentue a integração entre os dois países; de outro, empresários com negócios no Peru se dizem otimistas, mas aguardam com ansiedade e até certo receio o desfecho de um impasse sobre investimentos brasileiros bilionários no setor energético peruano.
Vencedor das eleições presidenciais mais polarizadas da história do Peru, o esquerdista Humala buscou em sua campanha afastar-se da imagem do venezuelano Hugo Chávez e adotar um estilo mais próximo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para isso, contou com a assessoria do petista Valdemir Garreta e de Luis Favre, ex-marido da senadora Marta Suplicy (PT).
Ao derrotar a conservadora Keiko Fujimori no segundo turno, Humala optou por iniciar pelo Brasil um giro por países vizinhos. O gesto, segundo um alto diplomata brasileiro consultado pela BBC Brasil, foi interpretado pelo Planalto como um sinal de que ele pretende estreitar as relações com o país.
Humala estaria preocupado em adotar no Peru um modelo de desenvolvimento “à brasileira”, que alie crescimento econômico e redução de assimetrias sociais. Isso porque, embora o país andino venha crescendo a altas taxas nos últimos anos, não tem conseguido distribuir a renda, o que alimenta tensões.
Paralelamente, segundo o diplomata, Humala também tem sinalizado o interesse em ampliar as relações comerciais com países sul-americanos não pertencentes ao Arco do Pacífico – grupo integrado por Peru, Colômbia, México, Chile, Equador e países centro-americanos.
Na avaliação do Itamaraty, a postura abriria espaço para o crescimento do Mercosul rumo ao norte, intenção já anunciada pelo bloco em sua última cúpula, em junho.
Outro fator que tende a aproximar Brasil e Peru é a inauguração da estrada que unirá Rio Branco, no Acre, a cidades portuárias peruanas.
A rodovia, que está quase pronta, encurtará o caminho de mercadorias brasileiras destinadas à Ásia. Além disso, segundo o diplomata, sua abertura garantirá à fronteira entre ambos os países um fluxo comercial superior ao de qualquer outra fronteira brasileira com países ao norte do Mercosul.
Integração energética
Embora sobrem sinais de que a relação Brasil-Peru tende a se intensificar nos próximos anos, uma decisão recente tomada pelo antecessor de Humala, Alan García, lançou uma sombra sobre um dos principais projetos bilaterais de integração.
Em junho, o Peru cancelou a licença provisória de um consórcio formado por empreiteiras brasileiras para a construção da usina hidrelétrica de Inambari, no sul do país.
A usina faz parte de acordo assinado em 2008 por Lula e García, que ainda depende do aval do Congresso peruano.
O pacto prevê a construção de ao menos seis hidrelétricas na Amazônia peruana, que teriam como principal cliente o mercado brasileiro e seriam erguidas com financiamento do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento), participação de empreiteiras brasileiras e assessoria técnica da Eletrobrás, estatal do setor elétrico.
Segundo a Eletrobrás, as usinas seriam capazes de gerar até 10 mil megawatts de energia e teriam custo estimado em US$ 15 bilhões. Inambari, a primeira delas, teria capacidade de 2,2 MW, o que a tornaria a maior do país, e custaria US$ 5 bilhões.
Protestos
O cancelamento da licença ocorreu em meio a protestos no departamento (Estado) de Puno, o mesmo que abrigaria Inambari. Os manifestantes exigiam a cassação de todas as concessões nos setores energético e minerador do Peru, principalmente a licença de exploração da mina de Santa Ana, pertencente à empresa canadense Bear Creek Mining.
Ao menos cinco pessoas morreram em confrontos, e o governo revogou várias das concessões, atendendo aos manifestantes.
Um técnico brasileiro envolvido no projeto de Inambari que não quis ser identificado, justificando que “é hora de deixar a poeira baixar”, disse à BBC Brasil que o gesto foi um “ato populista” do governo García, destinado a aplacar a ira dos manifestantes.
No entanto, afirma que a medida não terá efeitos práticos sobre Inambari. Ele explica que o governo peruano concedeu às empreiteiras brasileiras uma garantia que as autorizava a realizar os estudos para a construção da usina, o que, conforme a legislação peruana, dá agora ao grupo o direito de pedir a concessão definitiva do empreendimento.
O desfecho do caso pode ser definido por uma consulta popular, mecanismo previsto na legislação peruana para os casos de investimentos nos setores extrativista ou energético.
O próprio Humala, indagado sobre as hidrelétricas em sua última visita ao Brasil, disse que “o Peru está sujeito a acordos que dão importância à opinião, à consulta popular, e isso temos que respeitar”.
O Itamaraty espera que a maior proximidade de Humala com as comunidades indígenas que apoiaram os protestos facilite a superação dos obstáculos para a implantação do acordo energético.
Autoridades peruanas deverão ser convidadas a visitar, nos próximos meses, regiões no Brasil que foram beneficiadas pela instalação de usinas hidrelétricas. Outra medida aventada pelo consorcio é antecipar investimentos sociais previstos no projeto para “gerar um círculo de confiança” com a população.
Ainda assim, o técnico condiciona o sucesso da iniciativa ao empenho do novo presidente: “O Humala quer promover o programa de integração energética? Quer tornar o Peru um exportador de energia? Agora ele tem que responder isso, para o trabalho seguir seu curso normal”.
Segundo ele, até que o caso seja resolvido, os projetos para a construção das outras hidrelétricas previstas no acordo de 2008 ficam em compasso de espera.
Fonte:BBCBrasil